O segundo trabalho solo de Seu Jorge, Cru, não só está aquém de Samba esporte fino, como possui enganos quanto ao repertório. Entre as dez canções gravadas, apenas três são criações do ex-integrante do Farofa Carioca. De longe as melhores do disco, fazem quase todas as outras comer poeira, e muita. Como se diz no jargão culinário, faltou liga. No entanto, o disco estourou na Europa - e isso com certeza não se deve apenas ao prestígio da Favela Chic, responsável pelo lançamento do álbum por lá.
O disco começa bem com Tive razão, do próprio Jorge. Com Pretinho da Serrinha no cavaquinho, instrumento proeminente na canção, o samba é a cara do autor: repleto de gírias, balanço e melodia cativante, promete uma série e tanto. Mania de peitão, a faixa seguinte, é assinada por Seu Jorge e Bento Amorim e mantém o bom nível. Traz letra nos moldes de Doidinha pra ter neném, da época do Farofa, também se segura pelo cavaquinho e tem direito a Ai que saudades de Amélia como canção incidental.
Chatterton, de Seu Jorge e Dani Costa, versão revisitada para a Chatterton de Serge Gainsbourg, vale pela cuíca indomável de Pretinho da Serrinha (o músico acompanha o cantor e compositor em quase todas as faixas, alternando-se entre cavaquinho e percussão), mas a interpretação de Seu Jorge beira o teatral, de tão exagerada. Depois vem Fiore de la città, de Robertinho Brant, com letra em italiano e batida bossa-novística. Pouco depois, Don't, de Leiber e Stoller, faz o ouvinte se perguntar se o crooner, dessa vez atacando no inglês, não foi afoito demais na afirmação da sua globalidade.
Em voz e violão, São Gonça, que Seu Jorge gravou ainda no Faroda Carioca, é uma das pérolas do disco. Além de letra pra lá de fofa, traz uma interpretação bastante sincera, sem as estripulias necessárias ao ritmo da antiga versão. Releitura honestíssima.
Bola de meia, de Duani, do Forróçacana, também é uma boa aposta. "Fui em quem te dei/ O primeiro beijo/ O primeiro toque/A primeira canção/ Se realmente quer ficar comigo/ Não faz bola de meia do coração". Não é a cara do Seu Jorge? Com Robertinho Brant no violão, a canção, ainda que bem resolvida em versão crua, renderia um excelente pagode.
Eu sou favela, de Noca da Portela e Sergio Mosca, fecha bem o disco. Apesar de nos fazer sentir saudade da versão imortalizada por Bezerra da Silva, merecendo arranjos mais elaborados, arremata com clareza a proposta estética do produtor Gringo da Parada: simplicidade para violão, cavaquinho, baixo, synth e percussão.
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