Como sempre foi, esta coluna trata de assuntos comuns de uma forma não tão comum assim, e assuntos mais complicados de uma forma bem simples, mostrando cada vez mais que o quê vale no fim é o bom senso (e o bom gosto!) O compressor, que vem sendo usado como um redutor de dinâmica, um nivelador de níveis que variam muito, a partir de hoje vai nos servir como outra ferramenta: um ENVELOPE para esculpir sons.
Antes de qualquer coisa, vamos dar uma lembrada dos parâmetros básicos de um compressor, seja ele um plug-in ou um hardware (equipamento externo ou periférico).
Threshold: a tradução seria limiar. É uma linha imaginária que, quando a amplitude do programa a ultrapassa, a compressão entra em ação.
Ratio: a tradução seria razão. É a quantidade de compressão praticada. Ou seja, um ratio de 5:1 significa que, quando o áudio ultrapassar o volume estabelecido pelo threshold, para cada 5dB de variação na entrada, só vai haver 1dB de variação na saída. Um ratio de infinito para um (8:1) caracteriza o compressor como um limiter, ou seja, nada passa do threshold. Atenção deve ser dada a isto: um limiter ou compressor infinito opera segundo o nível médio RMS de sinal, semelhante ao que ouvimos. Um peak limiter é um processador bem diferente, operando segundo a amplitude de pico do sinal.
Attack: este parâmetro controla o tempo que demora do momento em que o áudio ultrapassa o threshold até que o compressor comece a atuar.
Release: este é similar ao attack, porém, controla o tempo em que o compressor leva para deixar de atuar, uma vez que o áudio volta a ser mais baixo do que o threshold.
Output ou Gain: é o controle do ganho de saída do compressor. Como o compressor reduz o volume ou o ganho das partes do áudio que ultrapassam o threshold, este parâmetro nos permite voltar a elevar o ganho geral do programa.
A maneira mais comum de esculpir um som é hoje usada em masterizações. Vários picos ou transientes (pedaços de sons muito rápidos) são pouco percebidos por nossos ouvidos, mas estão presentes no sinal. Se um programa tem transientes muito mais altos do que podemos perceber auditivamente, o que ocorre é que estes transientes são os primeiros a atingir o limite máximo de uma gravação digital (0db). Com isso, a parte do programa ou da música que ouvimos fica limitada a um nível que equivale à diferença entre o transiente mais alto e o programa. Se reduzirmos um pouco o volume destes picos ou transientes usando um peak limiter, podemos então aumentar o ganho deste programa, fazendo com que a música soe mais alta. Vale lembrar que se o peak limiter for usado em excesso, você poderá estar "limitando" partes importantes do programa que não são mais classificadas como picos ou transientes, alterando para pior o resultado musical do programa, ou seja, "comprimir demais".
Este processo é feito com muita técnica por grandes masterizadores, a fim de aumentar o ganho de CDs sem alterar os transientes de forma não musical.
Concluindo o Transiente
A melhor explicação da palavra transiente que eu já vi estava no dicionário americano Webster's e dizia: "Passando antes que fosse percebido". O transiente é aquele "estalo" ou "brilho" que, quando usado de forma musical no som, é percebido como "presença". O transiente faz um instrumento aparecer mais no meio de uma mixagem densa. Aí é que começa a ficar interessante...
Esculpindo o Bumbo...
O tempo em que um ciclo de uma determinada freqüência acontece é chamado de período. Freqüências mais baixas ocorrem mais lentamente. As mais altas são mais rápidas.O som de um bumbo de bateria, apesar de conter uma quantidade grande de freqüências baixas (oriundas da ressonância interna do bumbo), também contém freqüências mais altas, emitidas quando o pedal bate na pele. Essas freqüências mais altas são as que ouvimos com mais clareza, são as que informam ao nosso cérebro a distância e direção das freqüências mais baixas ou graves, que sentimos mais do que ouvimos. Portando, um bumbo com as freqüências mais altas filtradas ou inexistentes como, por exemplo, o famoso bumbo da TR-808, apesar de dar uma sensação grande na música, fica sem definição de volume, direção e tempo.
Uma das maneiras de alterar este equilíbrio entre as altas e baixas freqüências é com um equalizador. A outra é esculpir o som com o compressor.
Se na nossa mixagem percebemos que o bumbo quando "solado" está com um timbre ótimo mas, quando ouvido com o resto da base toda, fica "escondido" e quase não aparece, fazendo com que suas freqüências graves fiquem perdidas na mix e embolando com o resto dos instrumentos, precisamos adicionar um "estalo", uma "ponta", para que identifiquemos aquele grave no meio da mix. Se usarmos um compressor com attack lento, o que vai ocorrer é que as freqüências altas do transiente do ataque original do bumbo vão "passar" naturalmente. E quando o compressor, finalmente, começar a atuar, este vai "segurar" ou comprimir as freqüências mais baixas, fazendo com que a relação mude entre as altas e baixas. Com isto, o bumbo vai aparecer mais presente na mix. Note que o inverso pode ser alcançado, caso o engenheiro queira dar uma "escondida" em um bumbo que "pinta" com muita presença em uma mix, chamando atenção demais. Neste caso, usar um compressor com attack mais rápido e release mais lento fará com que o transiente seja comprimido ou diminuído em relação às freqüências mais baixas.
Esculpindo a Caixa...
O mesmo princípio do bumbo é válido para o som de uma caixa de bateria. Attacks mais rápidos comprimirão mais os transientes e freqüências mais agudas. Releases mais rápidos deixarão com que o corpo, ou freqüências mais baixas do instrumento, soem inalteradas. Não esqueça de experimentar tempos diferentes de attack e release OUVINDO o resultado enquanto você o altera. E, além de estar alterando freqüências, você também estará lidando com "tempos musicais". Esteja certo de que, acima de tudo, o resultado fique musical, e não matemático.
Esculpindo o Baixo...
Da mesma forma que o bumbo, o baixo é um instrumento que, além das baixas freqüências, contém attacks com altas freqüências, principalmente, quando o baixista faz um "slap". Um compressor com attack mais lento pode fazer com que o baixo apareça mais facilmente em uma mix cheia. O release deve ser lento o suficiente para "segurar" o som enquanto ele acontece. Mas cuidado para o release não ser lento demais a ponto de estar comprimindo ainda no início da nota seguinte, isso poderá prejudicar o attack dela.
Voz!
Talvez um dos maiores usos do compressor seja para minimizar as diferenças de volumes entre sílabas em uma voz. Porém, se a voz for comprimida em excesso, tome cuidado para que o attack não seja muito lento. Pois isto fará com que as freqüências altas emitidas, principalmente, pelos "esses", soem mais altas do que o resto, enfatizando a sibilância do vocal. Sibilância é o desequilíbrio do volume dos "esses" em relação ao resto da voz. Neste caso, ou reduza o tempo do attack do compressor, ou use um "de-esser" após a compressão da voz. Um "de-esser" é um compressor com "side-chain" nas freqüências altas e de attack e releases muito rápidos. Ele comprime apenas quando detecta presença de altas freqüências, sendo indispensável para controle do sibilado de uma voz.
Esculpindo a Música...
Um uso fantástico do compressor é no programa ou em toda a mixagem. Se você experimentar passar uma mixagem depois de feita por um compressor, vai notar que alterando o attack e o release, conseguirá alterar a relação de transientes no programa. Conseguirá trazer para mais perto sons rápidos, de freqüências altas, fazendo a mix ter mais brilho e mais presença sem usar um equalizador. Obviamente, o inverso também é possível.
O mais importante é experimentar, ouvindo os resultados. Cada som pede uma compressão diferente, quando os relacionados entre si. Ou, até mesmo, nenhuma. Seu ouvido, gosto e bom senso imperam, como sempre.
Abraços!
Enrico De Paoli é engenheiro de audio e produtor musical. Projetos mais recentes incluem a tour do cantor Djavan, a produção do remix da faixa "cair em si" também de Djavan e o GRAMMY de melhor disco de Jazz do ano com Marcus Miller. Enrico@rio.com.br