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Revista Luz & Cena
Música
Be-a-Beat!
Gravação, Edição, Mixagem e Masterização da Música Eletrônica
Jomar Schrank
Publicado em 01/07/2002 - 00h00
Divulgação
 (Divulgação)
"A criação da música eletrônica é quase uma transa entre o programador e seu computador" (Dudu Marote). Um estilo musical à parte, ela vem ganhando cada vez mais espaço não só nas pistas de dança de todo o mundo, mas nas estantes de um novo público, muito pela ascensão de DJs brasileiros como Marky, Patife e Xerxes. Discos do estilo são cada vez mais vendidos para consumidores interessados em boas canções, timbres e não em, simplesmente, dançar.
Contudo, a forma de produzir esses sons é extremamente peculiar. A indústria de equipamentos de áudio já notou isso, e hoje há fabricantes que destinam seus produtos aos usuários que buscam estes timbres "loucos".  De olho nessas diferenças, M&T procurou entender como se produz esta música fantástica, psicodélica, agressiva e relaxante. Com vocês, a tal música eletrônica.

INTRODUÇÃO
A música eletrônica teve seu início ainda na década de 70. Em 1971, o grupo alemão Kraftwerk introduziu novos elementos sonoros, graças à sua capacidade de desenvolver instrumentos próprios como computadores e sintetizadores. Era o surgimento da chamada "música sintética". Na mesma época, a indústria fonográfica teve uma virada, por conta da disco music. Novas formas de gravação eram elaboradas, buscando adequar os timbres já eletrônicos de peças de bateria (bumbos, caixas etc). Hoje, basicamente, quatro estilos dominam este panorama. São eles: o techno, o house, o drum'n'bass e o trance.
Em meados de 1980 surgia o house, em Chicago, EUA. Os timbres da bateria eletrônica Roland 808 ficaram famosos com o estilo. A partir disso, surge uma derivação, o acid house. O sintetizador Roland TB-303, um baixo eletrônico, ao alterar suas freqüências, adquiria um som "liquido", que foi denominado acid. Ainda que tenha surgido também em Chicago, se desenvolveu no final dos anos 80 na Inglaterra. Ele foi o real gerador das festas rave - originalmente chamadas de acid parties - que tiveram como pátria mítica a ilha de Ibiza no verão de 87.
As raízes do techno são, inclusive, anteriores ao house pois grupos como Kraftwerk, Parliament Funkadelic, Africa Bambaataa e Cybotron criaram as bases da sonoridade eletrônica. O termo "Techno" se atribui à cidade de Detroit, onde grupos como Model 500 tornaram característico o som eletrônico gerado com instrumentos analógicos. Este estilo carece de vozes e se concentra, principalmente, no ritmo. O techno de Detroit conseguiu ser divulgado na Inglaterra e acabou adquirindo tons um pouco mais fortes, transformando-se em novos gêneros musicais, como o Acid Techno (que incorpora o acid da TR-303), o Techouse (misturado com house) e Hardtechno (mais forte).

Conhecido hoje como drum'n'bass, o jungle é uma música cuja base rítmica são samples de hip-hop e de reggae, acelerados e manipulados, que servem para construir um ambiente no qual predomina a utilização de instrumentos de percussão sobre uma base geralmente feita com baixos fortes e prolongados. Surgiu com cadências mais "sombrias", inspirando outros estilos, como o DarkStep (escuro, industrial), o TechStep (muito sintético), o JazzStep (melódico, jazzy), o jump-up (agitada, simples, mas ao mesmo tempo forte).
Criado a partir do techno, o trance é um estilo um pouco mais suave,  melódico. Extremamente dançante, ficou rapidamente conhecido na Europa. Originou o Goa trance, surgido em Goa, na Índia, lugar onde vivem comunidades hippies. É psicodélico, com misturas musicais que vão do acid rock ao reggae. Boa parte dos turistas que viajaram para Goa no início dos anos 90, levou com eles a música trance e começaram a misturar sons psicodélicos, assim criando um novo gênero bem definido. Seu ritmo é semelhante ao trance, embora com melodias e harmonias mais complexas pelo uso de delays. O Goa trance se transformou no que hoje chamamos de psychedelictrance, um pouco mais forte e rápido. Trata-se de uma cultura com um estilo bem diferente, tendo como ponto forte as festas realizadas ao ar livre, que duram até o amanhecer.


Ousadia e Criatividade

"Hoje a busca por equipamentos eletrônicos simuladores de acústicos foi vencida pelo uso dos originais. Em contrapartida, esses mesmos equipamentos estão sendo procurados por terem timbres próprios"- Xerxes de Oliveira

UM PROCESSO PARA CADA ESTILO
É fato que o processo de criação da música eletrônica é único, diferente do nosso pop de cada dia. O DJ de techno Kalif se tornou famoso em países como Irlanda, França, Espanha e Suíça. Para ele, "a proposta da música eletrônica é bem diferente. Ela é feita para as pessoas viajarem mais. Trata-se de uma música que reúne ritmos quase primitivos com sons mais recentes". Já para o DJ especializado em drum'n'bass Xerxes de Oliveira, "as diferenças dependem muito de quem está fazendo. Às vezes, a forma de composição e idéia acaba sendo a mesma. É bem musical". Diz ainda que "a música eletrônica é mais uma ferramenta para qualquer tipo musical, do que um estilo propriamente dito. Cada fase histórica teve seu auxílio tecnológico. Teve a época do piano. Tinha aceitação e rejeição. O computador está seguindo esse caminho. Nas décadas de 70 e 80 havia equipamentos eletrônicos que tentavam simular instrumentos naturais. Hoje o pessoal perdeu o interesse e passou a utilizá-los pelo seu próprio timbre".
Discordâncias à parte, o fato é que existem programas específicos para a criação desses sons. O software Reason, fabricado pela empresa Propellerheads, é um destaque. "Finalmente, voltei a me divertir com a música. Crio 70% dos meus trabalhos no Reason", explica Dudu Marote. Para o produtor, o programa se adapta perfeitamente ao modo de composição desses estilos. "Este software não grava, apenas edita. Sua interface é quase um 'vídeo game'. Possui vários módulos como mixer, sampler e synth", conta Dudu. Mas seu artifício mais especial é o Dr. Ex. Trata-se de um "player" de rex file, um arquivo gerado pelo programa Recycle, do mesmo fabricante. Ele é considerado fundamental para a composição de drum'n'bass. Provoca cortes em cada compasso, possibilitando salvá-lo assim. Isto provoca aquele som "quebrado" nos loops. Quando executado em outro andamento, está automaticamente sincronizado. "Este recurso é usado graças ao Reason, que é um programa barato (custa em torno de US$250) e roda em qualquer PC", diz. O músico se prepara para lançar um disco solo de drum'n'bass com programações suas.

 

Outros DJs utilizam diversas ferramentas para a criação de suas obras. O carioca Cuti prefere usar módulos físicos, não aderindo muito aos virtuais. "Uso meu PC com o software Sonar para a gravação. Tenho duas consoles Yamaha O1D, que funcionam bem automatizadas com o computador. Para efeitos,  gosto do Extreme da EMU, um módulo de sintetizadores bem legal. Tenho também o Orbit. O Sampler S3000 XL, da Akai, me ajuda muito. Para sons diversos, uso JV 3080, um módulo da Roland", afirma. Cuti é DJ de house, e realiza remix como encomenda para gravadoras. "Como meu tempo, muitas vezes, é curto, invisto em CDs com samples prontos. Mas o ideal é fazer um trabalho de pesquisa". Além dele, outros preferem instrumentos físicos. O grupo de trance MPA (Música Para Alienígena) utiliza a bateria eletrônica Groovebox Roland para a execução de suas faixas ao vivo, além de guitarras com timbres únicos.
Já Patife, famoso disk jockey de São Paulo, adere aos plug-ins do Pro Tools. "Tenho um programa chamado SampleCell, que uso com o software da Digidesign. Existem efeitos que não podem faltar numa música eletrônica. Filtros e vocoders, por exemplo. Gosto da ferramenta D2, da Focusrite. Dá um 'punch' muito bom. Além do Absynth, que produz cordas e pianos excelentes". O primeiro estágio da criação de Patife e seu produtor, Mad Zoo, é a gravação de instrumentos acústicos. Após este registro, editam a canção da forma desejada.
O produtor Xerxes de Oliveira utiliza bastante delay em suas programações de drum'n'bass. As bases rítmicas são feitas no Logic Audio e em seu plug-in Nativo, além dos compressores da console Yamaha O1D. Um de seus truques para ter referências diferentes de sonoridade é seu Power Book Titanium. "Tenho um par de monitores Absolute Zero, da marca Spirit. Quando quero comparar freqüências e timbres salvo em meu laptop as seções gravadas e levo em outros estúdios", declara.


"No início, era uma música voltada para as pistas. Mas acabou tomando o rumo do experimentalismo"- Bruno E.

O BAIXO E SUAS FREQÜÊNCIAS
O que pode ser observado é que o processo de criação de uma canção eletrônica reúne edição, gravação e mixagem no mesmo momento. Isto significa dizer que durante a execução dos instrumentos, os níveis já estão estabelecidos. Porém, sua pós-produção é sempre necessária. Ela consiste em abrir a mixagem no computador e alterá-la com efeitos como cortes, viradas e  filtros. Muitos momentos de uma música eletrônica são desenvolvidos desta maneira. Portanto, teoricamente o desenvolvimento dos arranjos ocorre ao vivo.
Uma questão muito discutida é a das freqüências. Não por acaso, os timbres graves são predominantes na música eletrônica. Muitas vezes, casas de shows e boates já apresentam equalizações mais graves. Com isso, durante a produção de uma faixa, os DJs têm a obrigação de lembrar deste fato. Caso contrário, estas freqüências provavelmente irão "estourar". A melhor maneira de evitar este problema é simular estes graves em casa. Um outro recurso para ter um maior controle das freqüências é afinar cada uma de suas peças de bateria. Toda faixa possui um tom predominante. Afinando os timbres conforme este tom, os harmônicos soam uniformemente, o que facilita o controle das freqüências. O Reason possui este recurso.

VINIL, A VELHA E BOA BOLACHA PRETA
Embora utilizado por alguns DJs, o CD não é o único formato presente nos seus kits. O bom e velho vinil é muito usado, graças à sua praticidade ao executar uma mixagem. Com isso muitos problemas são enfrentados. O primeiro deles é o fato de existir apenas uma fábrica no Brasil, localizada em Belfort Roxo (RJ). A Polisom executa esta tarefa com bastante esforço, porém seus funcionários não têm experiência em corte, o que interfere diretamente na qualidade do áudio. Com isso, muitos DJs o fazem na Inglaterra e apenas copiam aqui.
Um novo conceito em discos é o "dubplate". Trata-se de um vinil com acetato reciclado, que pode ser executado no máximo 100 vezes. Com isto, o DJ distribui para outros profissionais que o tocam nas pistas, no intuito de saber se a música que ali está funciona para o público. Sua função é importantíssima. Ele permite a avaliação não só da qualidade do áudio, como também da música e sua duração.

MEGA NICHO ELETRÔNICO
O atual momento da música eletrônica no país reflete seu sucesso. Mega raves como o Skol Beats, que reuniu 40 mil pessoas no último mês de abril, assim como o Bavaria Vibe, substituem o Skol Rock e o Philips Monsters of Rock, festivais "roqueiros". No Rio de Janeiro, constantes raves são organizadas, assim como no interior do Paraná e São Paulo, muitas vezes, em praias desertas, podendo durar até sete dias. Após passar um mês na Suíça, o DJ Cuti conheceu a Love Parade, uma das maiores festas eletrônicas que acontecem no mundo. "São 40 trios elétricos, cada um com propostas diferentes de som. Hoje em dia, Zurich é a capital da música eletrônica. Lá, esta mesma festa chama-se Street Parade. Conversando com os organizadores, idealizamos a Rio Parade. Será uma festa com as mesmas proporções realizada em janeiro de 2003, na praia de Copacabana", explica.
E não só as raves ganham espaço no Brasil. Os selos, gravadoras e sites também abrigam novos talentos. Bruno E. é diretor artístico do selo Samba Loco Records, o braço eletrônico da gravadora Trama. Segundo ele, "a princípio, era uma música voltada para as pistas. Mas acabou tomando um rumo voltado para o experimentalismo". O selo abriga artistas como Ramilson Maia, Marky, Patife, Xerxes, AD e RAM Science. Há ainda o selo Noise Music, entre vários outros espalhados em nosso território.
E esta música não pára de crescer. Para o segundo semestre deste ano estão prometidos novos discos de Patife, Xerxes e DJ Kalif, este inaugurando seu selo. Dudu Marote também irá lançar pelo seu selo Dr.DD seu primeiro trabalho. O DJ Cuti desenvolveu a Line Up DJ Agency, uma agência a fim de catalogar os DJs por estilo. "Minha intenção foi tirar esses músicos da 'prostituição musical', onde tocam por qualquer cachê", conta. Prepara também um projeto de drum'n'bossa, com canções de seu pai, Cesão do contrabaixo, conceituado músico.
Enfim, este universo eletrônico poderia ser abordado por mais uns 50 mil caracteres e dúzias de DJs. Pois música boa é sempre assunto. Graças a Deus.  
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