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Revista Luz & Cena
Notícias do front
O que é bem feito dá trabalho
E é para poucos!
Renato Muñoz
Publicado em 24/06/2015 - 00h00
PROBLEMAS PODEM OCORRER COM QUALQUER UM

Já disse aqui neste espaço que um dos maiores problemas dos sistemas de sonorização no Brasil não é o equipamento, e sim a mão de obra. Já discutimos também de quem é a culpa, e não perderei tempo com este assunto novamente. Quero agora me aprofundar no que mais me preocupa.

Trabalhando com o Skank já faz muito tempo, sempre utilizo firmas de médio e grande portes. Trabalhamos para três diferentes públicos e eventos: grandes festivais com grandes plateias, shows exclusivos da banda com uma plateia considerável e muitos eventos corporativos com um público menor e mais seleto.


Independentemente do tipo de público ou evento, infelizmente são poucas as vezes em que encontro o sistema como ele realmente deveria estar no que diz respeito seja na quantidade de caixas, seu posicionamento, seu processamento, se os lados L e R estão "falando" da mesma maneira, se o sistema está dividido em partes etc.

Como eu disse, são sempre empresas com uma boa estrutura, com bons equipamentos e bons funcionários, porém, nem por isso com uma preparação e montagem corretas, e é claro que tenho muitas vezes que perder tempo com detalhes que já poderiam ter sido solucionados. O problema é que nem sempre consigo resolver tudo sozinho.

COMEÇANDO PELO INÍCIO

Me lembro que, não faz muito tempo, era muito comum receber telefonemas das empresas de sonorização contratadas para fazer os próximos shows. Podia ser um técnico ou até mesmo o proprietário da empresa, porém, de um tempo pra cá, estes telefonemas foram diminuindo consideravelmente. Eu é que tenho que correr atrás das empresas que irão me atender, e isto, para mim, não parece muito correto.

No Skank, temos a grande facilidade de viajar com todo o backline (instrumentos de palco), além de levar também toda a parte de sonorização do palco, como microfones, cabos, subsnakes, pedestais, ear phones etc. O que realmente nos dá uma grande vantagem, e eu tenho certeza de que facilita muito a vida da empresa de sonorização. Penso que, por isto, os detalhes poderiam ser vistos com mais cuidado.

O que me incomoda é a sensação de que muitas empresas não escolhem mais o seu equipamento em relação ao evento/banda. Me parece que a maioria possui o seu sistema e que este é utilizado para tudo, não importando as características da banda e do ambiente que será sonorizado. Me preocupa quando faço um pergunta básica sobre o lugar onde será o show e a empresa não sabe me passar nenhuma informação.

O fato de ninguém da empresa conhecer o local do evento deixa claro que um dos cuidados básicos que a empresa deveria ter tomado, a visita técnica, foi deixado de lado por algum motivo. Outra coisa que me deixa bastante irritado é perceber que funcionários da empresa também não tinham informações suficientes sobre o evento, como horários, outras bandas (antes ou depois da banda principal) etc.

Me parece que muitas empresas não têm mais a preocupação de atender o "artista" em questão. A impressão é a de que houve uma padronização do que é utilizado: um sistema em line array e dois consoles digitais - todo o resto me parece deixado de lado. A preparação do equipamento parece que já não existe mais, e a dimensionalização do sistema é feita na hora e de olho!

Como pode um sistema atender às necessidades básicas de um artista se as coisas são feitas desta maneira? De que adianta um sistema da marca X, Y ou Z se cuidados básicos não são tomados? Querer esperar um sistema dividido em partes, com o posicionamento das caixas feito com a ajuda de softwares, com o seu processamento feito da maneira correta, infelizmente se tornou uma utopia.

FAZER O TRABALHO CORRETO DÁ MAIS TRABALHO

Para mim, a coisa mais básica em um sistema de sonorização é a sua divisão em partes. Para que a plateia tenha uma cobertura melhor, sempre peço uma divisão com PA L/R (se possível, subdividido em partes), front L/R, center, sub separado do PA e torres de delay sempre que necessário. Mesmo em lugares pequenos, acreditem, para conseguir este básico, preciso me certificar várias vezes de que fui bem entendido.


Diante de tantos pedidos e recomendações, normalmente espero chegar no local do show e encontrar pelo menos as ligações já feitas. Não me importo nem com tempos de delay e equalizações (prefiro eu mesmo fazer isto sozinho), só gostaria de receber o sistemas com estas subdivisões e com a certeza de que tudo está falando igual. Sempre achei que isso não era pedir demais!

Porém, a realidade está bem longe disso. Mesmo tendo isto bem detalhado no rider e tendo ocasionalmente já falado com um representante da empresa, 80% das vezes que chego na house mix nada disto está pronto - ou porque o técnico do sistema não foi informado das minhas necessidades, ou ele foi informado e não teve tempo ou porque simplesmente estes pedidos estão "fora do padrão da empresa".

Sei que existem situações como em festivais, em que tenho que me adaptar às configuração do mesmo, porém, apenas um em cada dez shows é em festival. A situação descrita anteriormente acontece em shows normais. Outra coisa que peço é que o console de mixagem seja usado apenas para a banda. DJs, vídeo e outras fontes sonoras devem ser ligados em outra mesa. Isto nunca acontece por pura preguiça.

A frase que mais me irrita hoje em dia é a seguinte: "o sistema é todo processado e já vem pronto de fábrica, não precisa fazer nada!". A minha resposta é sempre a mesma: "pronto para quem?". Estes sistemas processados, com configurações pré-determinadas, são certamente mais fáceis de se trabalhar, porém, na minha opinião, prestam um desserviço a um trabalho mais elaborado.

Para muitos, fazer a coisa correta dá trabalho e poucas pessoas estão realmente dispostas a trabalhar. Um exemplo atual é o seguinte: a maioria das caixas podem ser acessadas ou nos seus processadores internos ou nos seus amplificadores via algum tipo de software. Porém, para isso, todas devem estar conectadas via cabo de rede, só que poucos técnicos de sistema se dão o trabalho de fazer esta interligação.

DIVIDIR PARA SOMAR

Estou pegando o problema da subdivisão do sistema como exemplo, pois é onde vejo mais resistência e dificuldade por parte dos técnicos do sistema. O conceito de dividir o sistema em partes para se ter uma melhor e mais controlada cobertura sonora ainda não está totalmente difundido entre as empresas de sonorização, e um dos motivos, na minha opinião, é porque fazer isto dá trabalho.

A quantidade de partes em que o sistema de sonorização será dividido depende muito das características físicas do ambiente que será sonorizado, de onde o público ficará posicionado e também do tipo de programa que deverá ser sonorizado. Para mim, quanto mais o sistema for subdividido, maiores as chances de uma cobertura sonora mais homogênea na plateia.


Também sei, é claro, que, com esta opção de subdivisão do sistema, maiores serão os desafios para que todas estas partes interajam corretamente. É neste ponto que as coisas começam a ficar difíceis: posicionamento das partes do sistema, características de dispersão sonora dos elementos do sistema, processamento e tempos de delay das sub divisões - tudo isto requer conhecimento técnico e trabalho demorado.

A sensação que tenho é que, diante destas dificuldades, empresas de sonorização menos estruturadas e técnicos de sistemas menos preparados tecnicamente e menos dispostos a trabalhar duro sempre acabam optando pela maneira mais fácil e rápida, ou seja, sistemas sem subdivisões e, de preferência, já processados de fábrica. E, é claro, sem a utilização de softwares que possam acessar amplificadores ou caixas.

O resultado é bem óbvio e pode ser facilmente observado. O objetivo principal do sistema de sonorização, que é proporcionar ao público uma cobertura sonora consistente, com um SPL agradável e a inteligibilidade do programa, dificilmente é alcançado, ficando muitas vezes a culpa para o artista ou seu técnico, nunca para os reais responsáveis (não que técnicos de bandas também não possam estragar tudo).

QUAL O PROBLEMA ENTÃO?

Para mim, são dois problemas básicos. Um, com a empresa de sonorização, que parece não se preocupar muito com a qualidade do serviço que está prestando. Muitas alegam que são mal remuneradas, outras alegam dificuldades estruturais no local do evento ou até mesmo a falta de necessidade em atender às especificações técnicas do artista (e seu técnico) simplesmente porque não concordam com os pedidos.

O segundo problema - e o que mais me preocupa - é a falta de preparo (técnico e profissional) do responsável técnico da empresa pelo evento em questão. O técnico do sistema é o representante da empresa naquele evento, e a minha preocupação é que poucas vezes acho que posso contar 100% com este profissional. Poucos me passam confiança suficiente em relação à sua capacidade.

A preparação deste profissional, a meu ver, deve começar bem antes da montagem do sistema. Esta pessoa deve estar apta a mandar e responder e-mails que tratem do seu trabalho, deve estar preparada para discutir (num bom sentido), com os técnicos do artista, as opções de equipamentos que a sua empresa dá, assim como o que pode ser necessário utilizar no local a ser sonorizado.


Ele deve estar pronto para participar de reuniões técnicas com contratantes e produtores de eventos, e, para isso, ele deve ter autonomia, respaldo e apoio da sua empresa para tomar decisões na escolha do equipamento, horários, quantidade de pessoas que irão trabalhar e infraestrutura necessária para a implementação do sistema de sonorização.

Quando chegar a hora da montagem do sistema, alguns problemas já foram identificados e resolvidos. Chega, então, o momento do profissional mostrar as suas habilidades técnicas na implementação do sistema de sonorização, posicionamento, ângulos, ligações. Tudo deve ser feito com a intenção de preparar o sistema para conseguir seus objetivos.

Está na hora dos verdadeiros profissionais do áudio se mostrarem presentes e não deixarem espaço para amadores trabalharem. Hoje em dia, se faz cada vez mais necessário o conhecimento de computadores, softwares, outras línguas, teoria e muita prática, e é com isso que os bons profissionais são formados. Existe tempo e espaço para todos conseguirem o seu lugar, porém, para isto, devem mostrar serviço.

Esta minha critica deve ser levada como um desafio e não como algo desconstrutivo e com o objetivo de falar mal de todos os técnicos de sistemas no Brasil. Há vários profissionais altamente preparados, com total domínio sobre os equipamentos com os quais trabalham. Estes profissionais devem servir como exemplo, porém, acho que ainda são poucos.

Renato Muñoz é formado em comunicação Social e atua como instrutor do Iatec e técnico de gravação e Pa. Iniciou sua carreira em 1990 e desde 2003 trabalha com o Skank. e-mail: renatomunoz@musitec.com.br
 
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