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Revista Luz & Cena
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Livro aberto
Oswaldo Malagutti Jr relê vida e "obra"
Rodrigo Sabatinelli
Publicado em 24/06/2015 - 00h00

As histórias de Oswaldo Malagutti Jr. e do Mosh Studios se confundem, ou melhor, se complementam, em diversos aspectos. Ex-integrante do grupo Pholhas, com o qual obteve enorme sucesso nos anos 1970, vendendo mais de um milhão de cópias de seu trabalho de estreia, o músico deixou a estrada para se tornar dono de um dos maiores complexos de produção, gravação, mixagem e masterização de áudio da América Latina.

A mudança, um tanto arrojada, se deu ainda nos anos 1970, "quando a disco music tomou o mundo de assalto", lembra ele, que na época era sócio de outro integrante do Pholhas, o maestro Hélio Santisteban. "O nome do estúdio [Mosh] vem das nossas iniciais, mas muita gente acha que é por causa daqueles saltos que os jovens davam de cima dos palcos", diverte-se o proprietário.

Em entrevista à AM&T, "pilotada" por nossa equipe em parceria com o generoso engenheiro Beto Neves - hoje, um dos homens fortes da equipe do Mosh -, Oswaldo falou de passado, presente e futuro.

Num papo de quase duas horas de duração, o músico e produtor musical recordou-se, com saudosismo, de sua iniciação na música, do primeiro concurso vencido na TV - que lhe rendeu prêmios como uma série de equipamentos Gianinni e a gravação de um disco pela extinta gravadora Chantecler -, da construção da primeira sede do Mosh, numa casa no bairro paulistano da Pompéia, da mudança do estúdio para uma zona industrial da capital e, claro, das crises pelas quais passou com vitória ao longo desses mais de 30 anos de história.

Oswaldo, você é contrabaixista, mas reza a lenda que iniciou na música influenciado por um tio que tocava gaita de boca.

Oswaldo Malagutti Jr: Pois é. É verdade! No início dos anos 1960, com 13, 14 anos, eu o assistia tocar em casa e fui tomando gosto pela coisa, até que, algum tempo depois, me juntei a dois amigos e formei um trio musical no qual eu me divertia muito tocando a tal gaita. Na época, ouvíamos todos aqueles caras: Elvis, Paul Anka, Neil Sedaka e Chuck Berry, dentre outros.

Você também teve bandas de rock instrumental...

Oswaldo: Sim. Ainda nos anos 1960 fiz parte de uma banda chamada Le Phanton, que depois passou a se chamar The Fighters. Mas foi com a Atlantis que realmente me projetei. Em 1966, a TV Record botou no ar um programa chamado Brotos 66, uma espécie de concurso de bandas que representavam diversos colégios. Cada colégio tinha a sua [banda] representante e a Atlantis era uma delas.

Quem vencesse esse concurso, que tinha eliminatórias diárias, semanais, mensais e a grande final do ano, recebia como prêmio uma série de equipamentos fabricados pela Gianinni - como um baixo Apollo, um amplificador Tremendão e uma guitarra Supersonic -, um contrato com o [programa] Jovem Guarda e o direito de gravar um disco pela gravadora Chantecler. Vencemos todas as etapas e fomos os campeões do concurso. Pouco tempo depois, estávamos, pela primeira vez, dentro de um estúdio de gravação, gravando nosso primeiro disco.

E quando é que, de fato, surgiu o Pholhas?

Oswaldo: Em 1969, no auge dos bailes, da reunião de alguns amigos músicos. Nós fazíamos cerca de dez, 12 bailes por mês tocando de tudo, mas o que curtíamos mesmo era [tocar] Deep Purple, Led Zeppelin e Grandfunk, dentre outros. Nosso primeiro compacto, My Mistake, foi gravado em 1972, num dos estúdios da RCA, o de quatro canais [a gravadora contava, ainda, com uma sala de dois canais], e vendeu mais de um milhão de unidades.


No ano seguinte, eles [a direção da RCA] investiram pesado e trouxeram de fora as mesas Neve e os gravadores Ampex de 16 canais. Eu também acabei indo [para fora] comprar coisas com o "Sossego" [Carlos Alberto, engenheiro], meu amigo que montou a fábrica da Palmer e viajava para comprar válvulas para os amplificadores, e assim a coisa foi indo.

É verdade que você teve que montar um sistema de PA para o grupo fazer seus shows?

Oswaldo: Pois é. Nos anos 1970 não havia locadoras de equipamentos e fazer shows significava levar todo o backline, além, claro, do sistema de som. Estávamos em nosso terceiro disco e construir um sistema próprio foi inevitável. Para isso, no entanto, foi preciso trazer peças de fora, como drivers, amplificadores e falantes, dentre outros componentes.

Com os shows acontecendo, tivemos que adquirir um caminhão para transportar os equipamentos e, mais tarde, uma casa para guardá-los. Nessa casa, que alugamos em 74, 75, montamos um estúdio de quatro canais que tinha um gravador TEAC 3340-S, semiprofissional, com fita de 1/4 de polegada, e uma oficina onde eram consertados os equipamentos que danificávamos durante as viagens. Para cuidar de tudo, contratamos o Issao Yamasaki, que até hoje é funcionário do Mosh, responsável pela manutenção de tudo o que diz respeito a equipamentos da casa.


E quando, definitivamente, você deixou de tocar para se dedicar ao áudio, ou seja, às gravações?

Oswaldo: Em 1977, a disco music dominou o mundo e, naturalmente, essa "invasão" afetou o nosso mercado. Naquele momento, ninguém queria mais ouvir música pop, rock e balada, pois a onda era a [música] dançante e a juventude deixava de ir a shows para ir aos bailes. Como eu já sacava um pouco de áudio, pois frequentava o estúdio da RCA e pegava dicas com o pessoal de lá, decidi investir na construção de um estúdio profissional. Assim nasceu, de fato, o Mosh.

Aliás, de onde vem esse nome, do famoso "stage dive", ou seja, daquela brincadeira de jovens que subiam nos palcos e se jogavam deles em cima dos outros?

Oswaldo: Todo mundo acha que o nome vem daí, mas, na verdade, vem da junção das minhas iniciais e das do meu então sócio, Hélio Santisteban, com quem toquei no Pholhas. Na época, os dois outros integrantes da banda não tiveram interesse em tocar o negócio conosco e seguimos sem eles. O Hélio era maestro, fazia arranjos para a RCA e foi natural tê-lo como sócio.



E com que equipamentos iniciaram as atividades?

Oswaldo: Olha, começamos basicamente com o que já tínhamos no nosso estúdio, como, por exemplo, uma mesa de PA Kelsey, da Sound City, que pertencia ao Pholhas, um gravador MCI JH-8, de oito canais em uma polegada, que comprei logo em seguida, um piano Fender Rhodes e alguns poucos microfones, como os Sennheiser 421 e uns modelos da Neumann.

Em 84, o Hélio anunciou sua saída, pois decidiu seguir carreira solo como músico, e eu continuei sozinho. O mercado estava aquecido e fazia sentido comprar a parte dele e continuar investindo. Foi aí que adquiri uma [mesa Soundcraft] Series 2400 e minha primeira máquina de 16 canais, outra MCI, que era um verdadeiro "trambolho" de tão grande e pesada.

E quando se deu o grande "pulo do gato" do Mosh?

Oswaldo: Em 85, quando adquiri duas máquinas Lyrec TR 533, de 24 canais. Essas máquinas, fabricadas na Dinamarca, eram mais baratas que as suas concorrentes, mas eram muito boas. Com elas, gravei muitos discos, especialmente os sertanejos, que tomavam o mercado, além de trabalhos de Almir Sater, Renato Teixeira e Titãs, dentre outros. Se não me engano, em três anos, gravamos mais de 60 discos usando esses gravadores.

O negócio deu tão certo que você precisou se mudar para um lugar maior.

Oswaldo: Na verdade, meu problema, além do espaço, foi com a vizinhança. Com o estúdio funcionando a todo vapor, comecei a ouvir reclamações dos moradores, e então não tive outra saída a não ser me mudar. Comecei a procurar algo na zona industrial de São Paulo, na qual pudesse gravar 24 horas por dia, se necessário, e encontrei esse local em que estou até hoje.

E quando se mudou, em definitivo, para ele?

Oswaldo: Em 88, comecei a construção desse complexo, aqui na Água Branca. Contei, inicialmente, com a ajuda do engenheiro Jeff Forbes, nascido em Cardiff e que estudou Engenharia Acústica no Imperial College, Londres. Foi o braço direito em todos os projetos das salas do Mosh. Com ele, projetei os estúdios A e B, mas como o dinheiro não dava para terminar os dois, inaugurei o A e deixei o outro para depois. Nesse estúdio A gravamos Chitãozinho & Xororó - que já vinham fazendo sucesso, mas estouraram de vez com esse disco que gravaram no Mosh -, Rita Lee, Guilherme Arantes etc.

Quem eram os engenheiros que gravavam esses e outros discos?

Oswaldo: Olha, havia diversos profissionais, mas os que mais se destacavam eram Luis Paulo Serafim, que foi office boy do Mosh Pompéia e, com o tempo, começou a gravar discos na casa, dentre eles aquele do Bozo, que foi um tremendo sucesso, e o [Paulo] Farat, que também gravou diversos trabalhos aqui. Essa turma gravou muita gente, afinal de contas, aqui no estúdio nós produzíamos muito. Num mesmo período gravamos nomes como Araketu, Daniela Mercury, Banda Eva, Caetano Veloso, enfim, muita gente mesmo.


Fale especificamente sobre cada uma das salas do estúdio. Você começou com duas, depois ampliou e hoje conta com diversos ambientes que funcionam simultaneamente.

Oswaldo: Exatamente! Começamos com o Estúdio A, que representa a fusão dos universos analógico e digital e tem a capacidade de abrigar até mesmo uma orquestra, se necessário. O Estúdio B, aquele que não consegui terminar de início, foi feito para gravar bases, complementos e vocais, e, mais tarde, nasceu o C, uma sala grandiosa, construída de olho no mercado de gravação de DVDs e videoclipes. Há, também, o [Estúdio] D, destinado exclusivamente às mixagens da casa, o [Estúdio] Vip, conhecido por sua sonoridade vintage e, por fim, as salas de masterização e pós-produção.


O Estúdio A conta com um console DDA de 56 canais, um Pro Tools HD 40x48, um sistema Clasp que permite gravar, no Pro Tools, o verdadeiro "som da fita" de gravadores Studer A827, além de monitores Genelec 1039A e Yamaha NS10, um rack com mais de 30 pré-amplificadores, compressores, equalizadores e processadores de efeito, um piano acústico Yamaha C-5, um [órgão] Hammond B3 com uma [caixa] Leslie 147 e uma 122 e mais de 150 microfones de diversas marcas e modelos.

O Estúdio B, semelhante ao A, é composto de outro console DDA, o DCM232, de 56 canais, além de um Pro Tools HD 24x24, monitores JBL 4435 e Yamaha NS10 e outra grande quantidade de microfones, enquanto que o [Estúdio] C, que mede 130 m2, conta com monitores JBL EON e é conectado diretamente com o [Estúdio] A quando utilizado para a gravação de DVDs, por exemplo.


O Estúdio D, chamado de estúdio digital e dedicado às mixagens, tem uma [mesa] SSL Axiom MT de 96 canais, outro Pro Tools HD, sendo esse 96x96, monitoração Genelec, em 5.1, e Yamaha NS10, em 2.0, além de um banco extenso de plug-ins e outro rack com diversos periféricos. Já o Estúdio Vip, chamado de estúdio vintage, tem a mesa Neve V2 de 60 canais, além de um Pro Tools HD 24x56, monitores Genelec 1035B e Yamaha NS10 e mais um rack cheio de periféricos.


Temos, ainda, área de finalização, as salas de masterização, nas quais contamos com o sistema Sonic Solutions e conversores AD/DA Apogee, e de pré-produção, com plataformas recheadas de softwares como Final Cut, Edius, Suite Adobe, Blender 3D etc. Acho que é "só" isso.

Alguns amigos dizem, em tom de brincadeira, claro, que você é uma espécie de acumulador. O que acha disso?

Oswaldo: Eles têm razão! Eu não consigo me desfazer de nada! Mas também, acho que não invisto mais. Estou feliz com o que tenho e o mercado hoje não possibilita fazer mais investimentos pesados como os que fiz no passado. A Neve que tenho, por exemplo, pertenceu ao [estúdio] Record Plant, do falecido Roy Cicalla, e está entre os meus xodós, assim como o Clasp, que adquiri há alguns anos. Mas acho que parei por aqui.

Você acha que a democratização da tecnologia afetou o Mosh?

Oswaldo: Olha, todos nós sabíamos que a democratização da tecnologia digital, ou seja, a chegada do Pro Tools, ia mudar tudo tanto mercadológica quanto artisticamente. Mas confesso que muita coisa me surpreendeu. A crise nos atingiu, sim, porém conseguimos sobreviver e estamos aqui até hoje.

Na sua opinião, o que será do futuro da música?

Oswaldo: As gravadoras diminuíram seus investimentos, os home studios ganharam força, mas o mercado ainda é forte, apesar das mudanças. A pirataria gerou um impacto grande, assim como a forma como as pessoas passaram a ouvir música também teve seu papel. Hoje, um adolescente não entra numa loja para comprar um CD e isso se reflete no nosso negócio, comercialmente falando.


O ideal é diversificar, buscar novas formas de atuar nesse mercado da música, pensar diferente, sabe? Eu não me engano! Acho que a tendência é que os grandes estúdios desapareçam do mapa. Creio que em cada lugar do mundo vá existir um "Mosh" sobrevivente, mas muita gente vai abrir mão disso.

Hoje em dia a molecada produz bons discos em seus pequenos estúdios. Disco, muitas vezes, mais bem feitos que muitos registrados em grandes estúdios. Isso é uma realidade. Portanto, investir em um estúdio de ponta, nesse momento do mercado, é algo arriscado. Eu, pelo menos, com o Mosh, realizei muito do que gostaria. Agora, o futuro é algo incerto.
 
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