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Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
Loudness War
A corrida do volume está chegando ao fim?
Enrico De Paoli
Publicado em 02/05/2015 - 00h00
De tempos em tempos surge, seja nos jornais ou no mundo do áudio, um assunto que vira clichê. Se tem algo que está em pauta há alguns bons anos é a tal da Loudness War, ou a corrida pelo volume cada vez mais alto nos discos. Em algum momento chegamos ao ponto de avaliar a qualidade de uma masterização quase que unicamente pelo volume que ela dava no resultado final do disco. De lá pra cá, já ouvi falar que as gravações voltariam a ser como antigamente, com volumes mais suaves. Já vi movimentos (quase ONGs!) para que o áudio voltasse ao "normal". E, por fim, outro dia li em algum site ou revista internacional que dizia algo assim: "Até quando? A corrida do volume estaria chegando no seu fim?". Então, resolvi dar o meu parecer, o meu ponto de vista sobre este assunto tão praticado, falado e discutido!

Bem, pra esta prática chegar ou não ao fim é preciso entender por que e como ela começou. Vou, então, recorrer à minha regra número um para qualquer assunto ou técnica em Engenharia de Música: o som é a música. Não existe Engenharia de Música se não houver música. O som que gravamos, mixamos, masterizamos e ouvimos, este é a própria música. Som e música não são separados. Os instrumentos geram som. O arranjo, que é responsável pela soma dos instrumentos, pelos espaços entre eles e pelo resultado sônico das combinações entre eles, é, de fato, a maior fonte do resultado sonoro de uma gravação. Uma engenharia de som adequada navega mais do que lado a lado - navega junto com o arranjo e com a música.

Por isso eu sempre denomino nossa profissão como Engenharia de Música. Este trabalho definitivamente não é "cada um por si e Deus por todos". É um trabalho em equipe, em que cada função, seja ela instrumentista, arranjo, gravação, microfonação, mixagem ou master, é um ingrediente, e, juntos, estes formarão a experiência sônica que o ouvinte vai ter e chamar de música.

Mas o que isso tem a ver com o volume do disco? Bem, tudo. Vamos fazer uma analogia: seria como perguntar quanto tempo falta pra acabar a moda de usar distorção na guitarra. A distorção nasceu quando guitarristas começaram a tocar mais e mais alto e os amplificadores valvulados começaram a distorcer. E aquela sonoridade os inspirou a tocar para aquele timbre. As guitarras distorcidas não vão sumir. Como tudo na vida, podem até vir a ser cíclicas. Pode ser que em algumas épocas ouçamos mais guitarras sujas, e, em outras, outros tipos de música peçam menos estas distorções e mais outros estilos e timbres.

Mas o fato é que a guitarra distorcida não foi simplesmente inventada. Ela surgiu como uma consequência do som e da música. As masterizações altíssimas, idem. Pensemos rapidamente em músicas dance, eletrônicas, de pistas e DJs. Quem nunca ouviu aqueles tracks com os compressores afundando a música em cada bumbada? Com toda certeza aquilo foi consequência de um áudio empurrado com volume em cima de um compressor na saída do sistema, e o compressor, então, comprimia a base toda cada vez que ele "ouvia" a pancada do bumbo. E isto acabou virando uma marca registrada de sons de pista.

De volta aos nossos discos com masterizações altíssimas. Não, eu não acho que ninguém vai conseguir simplesmente dizer que os discos deveriam ser mais baixos. Podem até dizer, como dizem. Mas ninguém vai escutar! Quando temos uma masterização alta, não estamos lidando apenas com volume. Toda a experiência sônica de uma masterização alta é diferente de uma música tocando mais suave. É melhor ou pior? Este é o ponto! Uma música masterizada alta soa diferente. Soa nervosa. Soa presente e agressiva. Bem, mas por que? Porque quando limitamos radicalmente os picos de uma música, abrimos espaço no headroom para aumentarmos o volume do track. E aumentando o volume do track, diminuímos a relação de pico x RMS.

Ou seja, nossos ouvidos ouvem mais quantidade de áudio por segundo. Eles descansam menos, existe menos espaço, menos respiração até o próximo evento sônico. É como se fosse uma metralhadora de sons seguidos entrando em nossos ouvidos (quase como se nossos ouvidos estivessem captando uma onda quadrada, square wave - tentem e vejam como isso causa um nervoso nos ouvidos!). Isso cansa, mas é justamente esse stress que é uma característica dos sons pop de hoje em dia. Não conseguiremos simplesmente pedir por aí que se masterize discos mais baixos.

Mais uma vez: uma boa engenharia é feita para a música. Eu acredito, sim, que novas sonoridades vão surgir, o tempo todo. Esta época de discos altíssimos pode, eventualmente, até passar... como passaram as caixas com gate-reverbs dos anos 1980, como passou a fase das frases com sininhos do DX7 dobradas com cordas, dos anos 1990 etc. Volume é consequência. Alguns discos altíssimos soam bem. Outros soam bem em seus volumes naturais. Encontrar o melhor som para cada produção é o que faz de uma gravação uma masterpiece, e o que faz de um técnico de som um engenheiro de música. Até mês que vem!

Enrico De Paoli é engenheiro de produção de música. Mixa e masteriza projetos enviados online para o seu Incrível Mundo Studio. Para mais informações sobre sua discografia premiada, visite www.EnricoDePaoli.com.
Tags: Loudness
 
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