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Revista Luz & Cena
No estúdio
Ed Motta do pop ao jazz
Mais recente disco do cantor e compositor passeia pelos gêneros com os pés no som vintage
Rodrigo Sabatinelli
Publicado em 01/05/2014 - 00h00

Nas rodas de papo entre técnicos, músicos e produtores, AOR, disco que o cantor, compositor, multi-instrumentista e produtor musical Ed Motta lançou no ano passado é, frequentemente, citado por sua qualidade sonora. Também, pudera. Ed, como bem sabemos, é "ultraexigente" e todos os trabalhos que lançou até hoje - desde seu disco de estreia, Ed Motta & Conexão Japeri, de 1988 - têm essa característica.

Muito do que se diz sobre o CD, além do talento de Ed para navegar por universos distintos, como o pop e o jazz, deve-se em partes às mãos do engenheiro Mario Leo, que o gravou no estúdio Casa do Mato, no Rio de Janeiro, e o mixou no estúdio particular do cantor, em sua casa, também no Rio [a masterização, feita por Carlinhos Freitas, foi realizada no Classic Master, em São Paulo].

E foi num papo com a AM&T que ele, Mario, e Ed contaram um pouco sobre como AOR, "um disco de música pop com tratamento refinado de composição, arranjo e timbres", segundo definição do próprio artista, foi concebido.

POUCOS E BONS TAKES

Ed Motta: Não gosto de gravar vários takes. Geralmente fico com o primeiro ou o segundo. Para mim, são os mais naturais. Neste projeto, gravamos as faixas com click para que as bases ficassem "cravadas", mas o Sergio Mello é o "Jeff Porcaro brasileiro": mais preciso que um relógio. Edição, para ele, somente quando queremos sugerir algum tipo de virada, porque, na verdade, ele "já veio editado" pelo papai do céu.

Na real, quando estou gravando algo, meu desejo é que tudo soe o mais natural possível. Sempre torço para que não precise refazer um instrumento da base, mas sempre tem uma notinha aqui, outra ali [para mexer]. Por gostar de instrumentos tocados de verdade, não usei nenhum tipo de sample.

Neste trabalho, também utilizei poucos sintetizadores, pois queria uma relação mais precisa da afinação, e, com isso, optei pelos pianos elétricos Rhodes e Wurlitzer, pelo piano acústico Yamaha, de meia cauda, que fica na sala da minha casa, e por muitas guitarras e baixos diferentes, mantendo-os em camadas harmônicas. Chico Pinheiro foi fundamental na criação dos arranjos, pois as milhares de opções de voicings que ele conhece caíram como uma luva para o som que estava na minha cabeça.

UM SOM DE BATERIA PARA CADA MÚSICA

Mario Leo: A sala de gravação do Casa do Mato, na minha opinião, hoje, possivelmente, uma das melhores do Rio, teve grande influência no som da bateria. O Ed também foi bem generoso e paciente com relação ao tempo e permitiu que trabalhássemos com muita calma e cuidado, sem qualquer tipo de "agulhação". Para que cada música tivesse um som particular, variamos o uso de caixas - foram quatro, ao todo - e mexemos muito na afinação dos tambores.


O baterista Sergio Melo é um excelente músico. Rápido e eficiente, eliminou ressonâncias indesejadas no instrumento e facilitou muito nossa vida. Fizemos uma gravação de base literalmente artesanal. Somente para o ambiente usamos cinco microfones. Posicionados em lugares distintos, eles foram abertos na mix conforme a necessidade. O posicionamento dos microfones de caixa e bumbo também foi mudado conforme as músicas.

Usamos, no bumbo, a um palmo de distância de sua pele, entre a maceta e sua lateral, um AKG D112. Na parte de cima da caixa ficamos com um Shure SM57 e um Neumann KM 184. A angulação deles variou de acordo com cada faixa. Na parte de baixo dela usamos um AKG C 414 TLII, com -10 dB, cortando 150 Hz. No contratempo lançamos um Neumann U87 atenuado e com filtro, enquanto que, nos tons, ficamos com os Sennheiser MD421 e, no surdo mais baixo, o AKG D112.

No prato de condução, a um palmo e meio de distância dele, usamos um Shure SM81, também com filtro e atenuado. Nos overs, a opção foi pelos Avantone CV-12, posicionados quase como ambiente, bem no alto, porém, não em cima do kit, e sim a um metro e meio dele. De ambiente, tivemos um par de AKG 414 ULS, à frente da bateria, a cerca de dois metros dela, na altura da caixa, em estéreo; um PZM 30D Crown atrás da bateria, colado na parede, na altura da cabeça do Sergio, e, por fim, um Neumann M147, posicionado uns três metros à frente do bumbo. Na gravação da música Latido mudamos a posição do PZM, levando-o ao lado oposto da sala.



DEMAIS INSTRUMENTOS TAMBÉM RECEBEM "CAPRICHO"

Mario: Como trabalhamos com vários guitarristas no disco, tivemos diversos tipos de captação, dentre elas uma captação de amplificador com três microfones: um Shure SM57 um palmo à frente do falante, um Neumann KM184 ao lado do Shure e um Sennheiser MD 421 atrás do amplificador, com fase invertida. Em alguns overdubs, feitos no estúdio do Ed, o amplificador foi colocado no banheiro e recebeu somente um Sennheiser MD 421, coberto por um cobertor.

Para as percussões, usamos uma variedade grande de microfones. Desde os Shure SM57 e os Sennheiser MD 421, aplicados em modo close, aos Neumann U87 e Shure SM81, para os ambientes. Nos metais, as opções foram pelos condensadores AKG 414 TLII, usado no trompete; Neumann M147, usado nos sax alto e tenor e nas flautas, e Neumann U87, usado no trombone e no sax barítono.


Os pianos, gravados na casa do Ed, foram captados por um par de Neumann M147, no estéreo; um Neumann KM184, abaixo do instrumento, no sentido oposto do músico e apontado para o "vértice" da caixa acústica, e um AKG 414 TLII, no ambiente, a três metros dela. O M147, inclusive, serviu para boa parte das gravações de violão, posicionado a dois palmos de distância do instrumento, na altura do rosto do músico, e virado para o início do braço.


MIXAGEM EM CASA E CURIOSIDADES EM VERSÃO CANTADA EM INGLÊS

Ed: Fizemos tudo [a mixagem] no Pro Tools, na minha casa. Cada música foi mixada em praticamente uma semana. Na verdade, esse era meu sonho: trabalhar com calma e precisão. Na mixagem, eu sempre acabo colocando alguma coisa, um teclado, uma percussão, como complemento, pois, nesta etapa da produção, o mais importante já está devidamente editado, tudo certinho, limpinho.


Pelo fato de a sonoridade do fonema em inglês soar mais aberta, mais clara, para o tipo de música que eu faço, na mixagem do disco cantado em português [AOR foi lançado em duas versões] foi preciso colocar a voz um pouco mais alta. A equalização da mix também foi diferente. De fato, foi trabalhoso cantar em dois discos com o cuidado de mantê-los o mais próximo possível um do outro.

Mario: A maioria dos efeitos foi processada na mixagem. Fora isso, quase todos os canais foram ligeiramente equalizados na gravação. Na mix, optamos por usar plug-ins Universal Audio, dentre outros emuladores de analógicos vintage. Não tínhamos à disposição vários prés iguais, por isso, foram escolhidos prés específicos para cada instrumento.


Usamos, por exemplo, quatro Neve 1078 para o bumbo e três na caixa da bateria. Seis Avalon VT 737 foram usados nos overs, no contratempo, no baixo e no piano Rhodes, enquanto que um par de Universal Audio 2 610 foi lançado em outros microfones ambientes e os RME Octamic e os ATI 8MX2 foram lançados nos tons.

Ainda na mixagem, optamos por usar somente os reverbs dos emuladores de câmara de eco da Universal Audio, tais como EMT 140 e EMT 250, além de vários emuladores de analógicos, como, por exemplo, os de fita da Studer A800 e Ampex ATR 102. Todos os canais de instrumentos harmônicos foram tratados com Slap Delay e efeitos de Chorus, Flanger e Phaser, por meio dos emuladores Boss SE-1, Roland Dimension D e MXR Flanger. A prioridade era caracterizar o som analógico, ainda que mixando em plataforma digital.
 
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