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Revista Luz & Cena
Mixagem
Otimizando Sua Mixagem (Parte 4)
Equalizando com eficiência
Fábio Henriques
Publicado em 05/07/2014 - 00h00

Existem quatro domínios em que trabalhamos em uma mixagem: o domínio das frequências, através dos equalizadores; o domínio dos volumes, via compressores e faders; o panorama, com o controle de PAN, e o domínio dos tempos, usando reverbs, delays e outros efeitos.

Quaisquer outros efeitos usados são uma combinação ou especialização destes. Por exemplo, ao distorcer propositalmente um áudio, estamos aplicando aumento de volume, e por causa da mudança na forma de onda original, aumentando o conteúdo harmônico da informação. Ao usar um chorus, estamos combinando delays e pitch shifters, que, por sua vez, são elementos que atuam no domínio das frequências.

Assim, através destes quatro campos de atuação, podemos criar uma série praticamente infinita de possibilidades. Isto confere uma enorme riqueza em termos de ferramentas de trabalho técnico e artístico. Iremos aqui nos concentrar nas frequências, e em como otimizar o trabalho neste domínio.

EQUALIZAR OU NÃO

A primeira coisa que precisa ficar bem clara a alguém que se inicia no mundo das mixagens é que a gente não é obrigado a equalizar um canal. Tem gente que se sente culpada se não equaliza, mas ela nem sempre é necessária. Existem duas motivações básicas para equalizar: a corretiva e a criativa. Vejamos como são estas situações.

Equalizar corretivamente consiste em atenuar regiões de frequência em que um instrumento não atua e também compensar os excessos/deficiências resultantes do processo de gravação. No primeiro caso, temos o exemplo do hi-hat, em que podemos filtrar fortemente as frequências abaixo de, digamos, 800 Hz. Como o instrumento não atua nesta região, estaremos, com isso, evitando que informações indesejadas influenciem a mixagem. No segundo caso, podemos citar a situação em que um violão de nylon foi gravado com um microfone apontando para a sua boca. Esta região é fortemente sintonizada em torno de 190 Hz, o que provoca um excesso dessa região, que ao ser atenuada, equilibra muito o som do instrumento.

MASCARAMENTO

Um efeito determinante em uma mixagem é o fenômeno psicoacústico chamado mascaramento. Em termos bem simples, o ouvido humano é sensível a regiões de frequência, e quando uma região já está sensibilizada, frequências próximas se tornam inaudíveis. É o que provoca o efeito de "quando aumento a guitarra, o piano some". E some mesmo. Por causa do mascaramento, instrumentos de regiões de frequência semelhantes são excludentes, e brigam por sua exclusividade. Nesta guerra, quem soar mais alto torna o outro simplesmente inaudível. É aí que o equalizador vem nos ajudar.

A equalização criativa também pode ser pensada como manifestada em duas situações. Depois do que vimos acima, fica evidente que podemos usar o equalizador para "separar" mais dois instrumentos que compitam por uma região de frequências. No caso, poderíamos aumentar a região de 3 kHz da guitarra e a de 800 Hz no piano, de forma que os instrumentos passassem a ser predominantes em regiões diferentes, tornando-os mais audíveis individualmente. Independentemente de estar havendo algum fenômeno físico como o mascaramento, podemos usar o equalizador simplesmente como elemento artístico, como quando usamos a famosa "voz de telefone" (que é a equalização com forte filtragem nos extremos agudos e graves, deixando só as médias).

Neste ponto, já temos condições de conhecer uma das diretrizes mais importantes envolvendo equalizações: uma mixagem não é a soma do som mais bonito de cada canal, mas a soma do som mais eficiente de cada canal. Um iniciante é levado a solar cada canal, deixando o som o mais bonito possível, e depois ouvir solado o próximo canal, repetindo o processo, e assim sucessivamente. O problema é que, por causa (principalmente) do mascaramento, não se pode pensar nos timbres isolados. Mixar é estabelecer uma relação produtiva entre os diferentes canais. É a soma que nos interessa. É óbvio que para chegar a isso é preciso pensar primeiro canal por canal, mas a ideia é não tentar chegar ao som final através da análise individual. Deixar uma margem de possibilidades é importante ao longo do processo.

"Uma mixagem não é a soma do som mais bonito de cada canal, mas a soma do som mais eficiente de cada canal"

COMO EQUALIZAR?

Mas, pensando individualmente (mesmo que não se pretenda chegar ao som mais bonito dessa forma), como fazer para equalizar? Como fazer para chegar ao som útil?

A primeira pergunta que se deve fazer é: neste ponto do trabalho, o som como está precisa ser equalizado? Para responder, podemos primeiro pensar em que regiões podemos filtrar a partir da resposta do instrumento. É uma flauta? Então provavelmente podemos colocar um filtro abaixo de 150 Hz, por exemplo (a extensão nominal da flauta é de C4 [261Hz] a C7 [2.093Hz]). É importante ressaltar que, se por um lado a filtragem do lado grave é tranquila, é preciso muito cuidado na hora de se filtrar o extremo agudo, pois mesmo que deixemos uma margem em relação à nota mais alta do instrumento, existem os seus harmônicos, que não podem ser desconsiderados. É aconselhável se deixar bastante espaço de frequência para estes harmônicos e para os detalhes da execução, como o sopro do músico.


Uma vez que os limites inferior e superior estejam definidos e filtrados, podemos agora pensar se alguma coisa nos incomoda na sonoridade. Para uma equalização eficiente, é sempre mais produtivo se pensar primeiro em atenuar e só depois em acentuar. Os instrumentos musicais típicos tendem a ter uma grande quantidade de energia na região de médias baixas, e esta região é frequentemente uma candidata a atenuações. Se você não tem ideia do que poderia melhorar, minha sugestão é que comece investigando a possibilidade de se atenuar algum lugar das médias baixas. Mas como descobrir este lugar?



Um macete que uso é pensar no "pior possível". Decido que vou investigar como ficaria o som com atenuação nas médias baixas. Daí pego o controle de ganho e acentuo uns 6 a 8 dB (é exagerado de propósito). Agora giro o controle de frequências de forma a identificar qual o ponto onde o som ficou o pior possível. Então volto ao controle de ganho e o reduzo, atenuando. Isso geralmente é o suficiente. A quantidade de atenuação vai depender também do gosto, e, de acordo com o que já vimos, podemos deixar uma margem de segurança.

Da mesma forma que as médias baixas (por volta de 150 a 400 Hz) são fortes candidatas à atenuação, a região entre 3 e 6 kHz se beneficia de uma certa acentuação. Esta região, pela alta sensibilidade do ouvido humano a ela, torna-se fundamental para ajudar a definir e dar nitidez a um canal. Deve-se, porém, tomar cuidado para se evitar os exageros, pois, por causa deste mesmo efeito, os excessos podem se tornar bem desagradáveis e mascarantes.


Em resumo, podemos pensar resumidamente desta forma:

1. Filtrar os graves a partir da extensão do instrumento.
2. Investigar a possibilidade de se filtrar os extremos agudos.
3. Investigar se a atenuação de médias-baixas pode ser interessante.
4. Investigar se a acentuação das médias-altas pode ajudar.


Lembrando que de um lado as atenuações podem ser intensas, precisa-se tomar cuidado com as acentuações, pois elas podem inserir ruídos e valorizar regiões indesejáveis.

AIR

Um exemplo do perigo de se exagerar nas acentuações é o caso do "air", a região de extremo agudo do espectro. Certa vez eu vi um colega trabalhando e ele usou um equalizador tipo shelving (prateleira), dando 12 dB de ganho em 18 kHz para conseguir o tal "air" de que precisava. O resultado foi, de fato, uma forte presença de agudos, mas nitidamente não era tão extrema quanto os 18 kHz em que o equalizador foi situado. O que o colega esqueceu é que quando se coloca a frequência de um shelving com 12 dB em 18 kHz, estamos dando ganho provavelmente desde uns 8 a 10 kHz, e foi o incremento de alguns dB nesta região que forneceu a sensação de ar, e não os 12 dB em 18 kHz. Só que como era um shelving, toda a informação de extremo agudo foi fortemente acentuada, resultando na introdução de ruídos indesejados e enorme aspereza sonora.

QUE EQUALIZADOR UTILIZAR?

Já pudemos, em outras oportunidades, discutir aqui como o processo de elaboração de uma opinião a respeito do som é fundamental, e também como escolher dentre as inúmeras ferramentas disponíveis. É claro que os diferentes modelos de equalizadores (de hardware e software) têm suas individualidades, e que o ajuste dos mesmos parâmetros com iguais valores em equipamentos diferentes pode resultar em sonoridades definitivamente distintas. O que não se pode esquecer, porém, é que o "juiz" do som e do equalizador é o nosso ouvido. Ou seja, quando equalizamos, o que determina o ponto em que o som está ok é nossa opinião e não uma regulagem determinada do equalizador.

Em outras palavras, se, por exemplo, definimos em um certo equalizador que o melhor é atenuarmos 3 dB em 280 Hz com q=1, se vamos experimentar outro equalizador o ideal é novamente partirmos do zero e não comparar esta mesma configuração, uma vez que são equipamentos diferentes. Na prática, podemos partir desta regulagem, mas sem achar que ela forneceria exatamente o mesmo resultado.

EQUALIZAÇÃO NA MIXAGEM COMO UM TODO

Como vimos, equalizar envolve correções e criação, e ao longo do desenvolvimento de uma mixagem podemos rever e alterar várias vezes o ajuste que fizemos de início. O importante é que não percamos de vista o objetivo original, que é oferecer ao ouvinte um espectro o mais amplo possível de frequências, de acordo com os instrumentos que compõem o arranjo (não adianta esperar um "gravão" em uma música com apenas voz e violão).


Em uma situação ideal, o espectro todo será preenchido com toda as regiões de frequência equilibradas entre si. Se você observar mais para o final do trabalho que sua mix como um todo precisa de algum ajuste do tipo tirar médias baixas, ou colocar mais agudos, minha sugestão é que se evite colocar um equalizador no master e corrigir. Isto até pode resolver o seu problema imediato, mas você não terá aprendido nada com a situação e haverá uma boa possibilidade dela acontecer de novo. Procure, então, investigar o que o levou aos excessos e faltas. Pode ter sido a mera inexperiência ou a influência do cliente/produtor, ou a sua monitoração (o que é mais frequente) etc.

Qualquer que tenha sido o fato gerador, minha sugestão é que se atue individualmente nos canais que contribuíram para essa deficiência na equalização geral. Afinal, se o problema não é extremo, o fato de ainda contar com uma masterização acabará produzindo, no mínimo, o mesmo resultado que uma equalização no master fader. Por segurança, você pode até mesmo alertar o masterizador de que desconfia que há falta ou excesso desta ou daquela região.

Fábio Henriques é engenheiro eletrônico e de gravação e autor dos Guias de Mixagem 1,2 e 3, lançados pela editora Música & Tecnologia. É responsável pelos produtos da gravadora canção Nova, onde atua como engenheiro de gravação e mixagem e produtor musical.
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