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Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
Engenharia e Design
Enrico De Paoli
Publicado em 09/06/2014 - 00h00
No Brasil, técnico. Nos USA, engineer. Sem sombra de dúvidas, o título americano tem mais glamour. Usar "engenheiro" aqui para quem faz discos ou shows já gerou muita polêmica. Afinal, muitas pessoas estudam anos (após passarem no vestibular) para conquistarem um diploma com este título. Porém, ao contrário daqui, engineer em inglês também é um verbo. E significa design ou build, ou seja, desenhar, projetar, construir, que, de fato, combinam bem mais com quem faz o que fazemos, do que "técnico". Estes normalmente consertam rádios, televisões, ar-condicionados, e resolvem problemas do tipo "funciona ou não funciona". "Engenheirar" uma música vai bem além do sim e não.

O título traduzido, ou... tropicalizado, virou "engenheiro de som". Pois eu ainda não estava muito satisfeito. Afinal, quem nunca chegou num Natal com a família e aquele tio distante perguntou "e então, o que exatamente você faz?". Se fazer discos não é fácil, explicar é menos ainda. Eu gosto do título "engenheiro de música". Acho coerente, bonito e quase completo. Porém, a palavra "engenheiro", por mais que imponha mais respeito do que "técnico", ainda carrega uma conotação muito técnica. O que salva é o "de música" logo após.

Façamos uma analogia... Engenheiros constroem edifícios, pontes, carros. Fazem cálculos que podem ser ultratécnicos e além do entendimento de qualquer um que não estudou para aquilo. Mas o que realmente dá vida a estas obras é o design. O brilho da engenharia muitas vezes não é nítido aos olhos. O design é. Costumo dizer que música é o mais belo encontro entre a física e a arte. Por mais interessante (e exata) que seja, a física não atiça as emoções. Ou atiça de forma premeditada, justamente por ser exata. A arte emociona sem aviso prévio, de forma inesperada, e em doses que somente cada artista sabe na sua receita. Ou melhor, nem os próprios sabem.

Costumo ver em fórums, blogs, facebooks e afins, músicos e "engenheiros" debatendo coisas como "qual frequência deve ser cortada em um contrabaixo", "qual o threshold correto para o gate de um tom-tom" ou qual o ratio que deve ser usado na compressão de uma voz. Sinto em dizer: não existe resposta pra essas perguntas. Ué, como não? Plug-ins vêm com presets. Eles estão errados? Não, não estão. Mas com certeza não estão necessariamente certos para qualquer aplicação.

Vou tentar responder às três questões acima para mostrar que qualquer resposta pode estar certa ou errada. Qual sonoridade de contrabaixo é a correta? O som agudo do baixista Geddy Lee, do Rush, ou o som gravíssimo e sem pontas dos baixos do Shabba Ranks? Obviamente depende do estilo e do arranjo da música. Qual threshold do gate para um tom? Pra começar, depende do nível em que este tom foi gravado! Só aí já encerra a questão. E você ainda pode não querer usar gate! E, por fim, a compressão da voz... depende da voz, do que ela canta, do microfone, do que toca junto com ela na base, do volume que o engenheiro vai escolher para aquela voz, equalização etc, etc, etc.

Engenharia (e física) tem regras. A arte é justamente arte por quebrar estas regras. Claro que existe a parte da física na música, afinal, estamos lidando basicamente com frequências, timbres e subdivisões de tempo. Mas como se explica uma voz meio dB mais alta fazer tanta diferença no impacto sentido pelo ouvinte? Ou no mesmo volume, mas com uma articulação diferente causada por um microfone mais rápido... Como se explica aquele refrão em que bateria ganha um reverb antes não existente causar uma sensação de grandiosidade? Como se explica tantas minúcias causarem tantas emoções?

Agora vou quebrar a física: como se explica uma sílaba que demora pra chegar na nota exata e uma "caixada" da bateria propositalmente (milimetricamente) atrasada causarem tanta emoção estando tecnicamente " erradas"? Da mesma forma que um carro não é simplesmente retangular. Um edifício também não. E uma ponte não é simplesmente algo suspenso que liga um ponto a outro. Bem, existem obras assim, mas não são estas as que a gente gosta. Gostamos do que mexe com as nossas emoções. Seja em obras, em filmes, em relações. E em engenharia de música. A verdadeira engenharia de música é mais do que algo simplesmente "correto". É pra ser algo que soe incrível.

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Enrico De Paoli é engenheiro de música. Trabalhou com artistas que vão de Djavan a Ray Charles e ganhou dois Grammys. Conheça também seu programa de treinamento Mix Secrets em www.EnricoDePaoli.com.
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.