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Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
O mundo é mono. Estéreo somos nós.
Enrico De Paoli
Publicado em 01/02/2014 - 00h00
Divulgação
 (Divulgação)
A coisa mais comum que existe é eu receber projetos pra mixar em que a grande maioria dos instrumentos foi captada em estéreo. Além disso, eu venho da era dos synths, dos teclados dos anos 1980, quando os timbres estavam começando a vir já com multiefeitos estéreo, com lindos reverbs, delays e chorus, que causavam uma sensação auditiva espacial, dimensional, gigante. Aliás, este foi o grande diferencial dos synths nesta época. E, a partir daí, somado ao crescimento dos tracks nos sistemas de gravação, parece que ficou comum gravar tudo em estéreo.

Sons estéreo são impactantes, não posso negar. Mas vamos lembrar um fato curioso: a vasta maioria dos sons na natureza, incluindo instrumentos musicais, é mono. Estéreo somos nós, que temos dois ouvidos. A fonte sonora, normalmente, é mono. Por exemplo: uma voz parte de um cantor, um peito, um pescoço com cordas vocais e um boca. Uma caixa de bateria é um elemento, e não dois. Um amplificador de guitarra é. um. Um saxofone é um, um trompete é um, um trombone, cada um, é, também, um. Então, de onde vem o estéreo?

Como áudio e música são consequências do nosso meio e da física de onde e como habitamos, a razão de termos dois ouvidos é justamente para que nosso cérebro consiga identificar a diretividade dos sons que ouvimos. Sendo assim, sabemos de que lado chega uma outra pessoa, um carro, de onde nos chamam, ou para onde precisamos olhar em caso de defesa ou quaisquer reações nossas ao meio. Os dois ouvidos enviam informações ao cérebro, que, por sua vez, faz uma série de cálculos e comparações das diferenças de volumes e atrasos que cada ouvido captou, um em relação ao outro, e assim conseguimos identificar a origem e diretividade dos sons à nossa volta. Sim, isso tudo que ouvimos é um som estéreo, a partir de um (ou vários) sons que tiveram origem em mono.

Outro exemplo de situação em que ouvimos em estéreo um som mono é quando a fonte sonora está dentro de um ambiente reflexivo. Por exemplo: dentro de uma igreja, quando o padre fala, ele é um só. Ele é mono. Mas a igreja tem paredes dos dois lados, e as reflexões da voz do padre nestas paredes chegam aos nossos dois ouvidos com diferenças em volumes e tempo. Logo, ouvimos a voz mono do padre em estéreo. E o que isso tudo tem a ver com o nosso universo de mixes? Tem muito a ver. Vejamos a seguir...

Como disse antes, um timbre bem processado com um lindo reverb, delays espaciais e um chorus superestéreo é bastante atraente e sedutor aos ouvidos. Mas, se tivermos todos os nossos sons em estéreo, com os pans abertos totalmente pra esquerda e direita, teremos uma soma de sons gigantes e sem origem de diretividade. Logo, nossa mix pode acabar soando com um espaço dimensional indefinido e inimaginável pelos ouvintes. Se lembrarmos que um dos propósitos de uma mix é justamente posicionar os instrumentos e elementos sônicos em um espaço, onde o ouvinte, inconscientemente, se imagina, talvez não seja uma boa ideia partir de todos os timbres, tracks e instrumentos gigantes e ultra-abertos em estéreo.

É bastante comum eu receber arquivos de cliente para fazer uma mix e vários instrumentos estarem em dois canais, microfonados em estéreo, ou teclados e synths gravados em estéreo. Em muitos casos, transformo estes estéreos em mono, somando os dois canais em um, ou escolhendo um lado para usar na mix, e então posiciono estes elementos em um palco imaginário, trabalhando com alguns reverbs as reflexões que aqueles instrumentos causariam em um ambiente acústico. E como, então, imaginamos um ambiente, há uma regrinha que pode ser útil justamente por fazer muito sentido: quanto mais instrumentos temos para ocupar um espaço, menor precisamos que cada um destes instrumentos soe. Logo, um arranjo muito cheio pede timbres menores em cada instrumento. Já numa música cujo arranjo é mais vazio, podemos precisar fazer os poucos instrumentos ocuparem um espaço maior para a mix soar mais envolvente. E, por fim, da mesma forma que o alto contrasta com o baixo, que o grave contrasta com o agudo, em uma mix, o contraste de um timbre dimensional e estéreo pode contrastar de forma muito bonita e musical com um timbre magro e pequeno, que sozinho não teria beleza alguma, mas, no contexto, se torna perfeito para aquela mix.

Até mês que vem.

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Enrico De Paoli é engenheiro de música. Produz, grava, mixa e masteriza em seu Incrível Mundo Studio, em quartos de hotéis, em outros estúdios etc. Conheça sua extensa discografia assim como seus programas de treinamento Mix Secrets no site www.EnricoDePaoli.com.
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.