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Revista Luz & Cena
Entrevista
Classic Master
Carlos Freitas (ex - Cia de Áudio) Abre Novo Estúdio de Masterização
Manny Monteiro
Publicado em 01/05/2000 - 00h00
Manny Monteiro
 (Manny Monteiro)
Com o passar dos anos, pudemos observar como o equipamento e as técnicas utilizadas para gravação foram evoluindo. Como não poderia deixar de ser, esta transformação também modificou de forma marcante a área de masterização. Para observar um pouco mais de perto as novas tendências, estamos conversando hoje com o renomado técnico de masterização Carlos Freitas (ex - Cia de Áudio), proprietário da mais nova e promissora sala de masterização do Brasil: a Classic Master (www.classicmaster.com.br).









 "NÓS TRATAMOS OS CDs COM RESPEITO"

M&T: Diga-nos como você está se sentindo com sua nova empresa?

Carlos Freitas: Estou muito feliz porque me sinto livre para dirigir a filosofia de trabalho em que acredito. Creio que a Classic Master está pronta para competir de igual para igual com qualquer sala de masterização do mundo.

M&T: Qual a diferença básica da filosofia de trabalho da Classic Master em comparação com a Cia de Áudio?

Carlos:
A palavra-chave é concentração. Enquanto na Cia de Áudio se trabalha com vários técnicos empenhados em lançamentos para catálogos de gravadoras em alta velocidade, aqui na Classic Master todo o trabalho é feito por dois técnicos, caracterizando assim uma forma mais artesanal de tratar o CD. É por este motivo que nossos serviços estão concentrados em lançamentos e restaurações, nós tratamos os CDs com respeito.

M&T: Fale sobre sua formação em áudio.

Carlos:
Fui engenheiro de gravação de 1984 a 1993. Trabalhei nos estúdios Transamérica São Paulo, depois passei a trabalhar como engenheiro de gravação ao vivo na ARP (Audio Recording Production, unidade móvel de gravação) em que fui sócio do Roberto Marques e do Zorro. De 88 a 93 fiz shows com Capital Inicial, Marina Lima, Orquestra Filarmônica de Nova Iorque, Orquestra de Leningrado, Jazz Sinfônica, enfim, passei a trabalhar muito com P.A. de música clássica. Aí montei junto com o Ricardo Franja a Cia de Áudio e passei a trabalhar exclusivamente como engenheiro de masterização de 93 até recentemente. Passei por todos os estágios necessários para chegar a este nível, que é o de engenheiro de master.

M&T: O que o atraiu e realmente o fez ficar tão envolvido com masterização?

Carlos: Para que eu possa falar sobre isso, tenho antes que falar um pouco sobre a história do CD. Em 1986, quando comprei meu primeiro CD player, percebi que o CD permitiria algumas coisas que o disco de vinil não permitia. A masterização já existe há muito tempo, só que era feita no corte de vinil, você ia lá e puxava um pouquinho de 1kHz..... O Osvaldo Martins, na minha opinião, o grande engenheiro de master do Brasil da era do vinil, colocava 1dB a mais na faixa 2, 1dB a mais na faixa 3, -1dB na faixa 4 e assim por diante... Um dia, quando fui vê-lo trabalhar pensei: "puxa, que loucura isso, o cara faz tudo na mão!" Era incrível! A partir daí foi quando no Brasil começou a se sentir a necessidade de edição em DAT. Se todo mundo mixava em DAT, aonde se iria editar isso para botar em CD? Na época se fazia uma cópia analógica no corte e a editavam. Então comecei a pensar nisso. Em 1991 comprei um Sound Tools II para editar os DATs. Quando comecei as edições me perguntei: "Mas já que estou editando, vou equilibrar o disco e já que estou equilibrando o disco, porque não comprimir um pouquinho para dar um pouco mais de punch?" E foi assim que desenvolvi o meu método para esse sistema de masterização até chegar ao formato atual.

24 Bits x 16 Bits: A LIMITAÇÃO DO CD

M&T: Como nasceu a Classic Master?

Carlos: Antes, devo falar sobre a Cia de Áudio. Ela foi fundada em 1993 originalmente como produtora de publicidade. Quando fui para lá, comecei a desenvolver a área de masterização, tanto que a Cia de Áudio passou a ser um estúdio. Analisando as necessidades do mercado, percebi que as gravadoras queriam fazer o maior número possível de lançamentos em CD. Para ajudar na variedade e volume, elas começaram a precisar de remasterizações de trabalhos antigos para colocar em catálogo. Foi quando compramos os sistemas Cedar para trabalhar com a remasterização dos CDs. Aos poucos, a Cia de Áudio foi evoluindo, passamos para o Pro Master 20, da Digidesign, e foi quando comecei a me preocupar em trabalhar com 24 bits. Investimos em bons conversores, como os Apogee e Manley, que são 20 bits. E em 94 já trabalhávamos em 24 bits.
Foi a partir daí que passamos a investir pesado em softwares de quantização do sinal de 24 para 16 bits e a utilizar monitores grandes com alto-falantes de 15". Sentindo necessidade de comprimir de uma maneira mais eficiente, adquirimos compressores a válvula da Anthony De Maria, passando depois a trabalhar com a Manley em função de ter processamento em tempo real. Investimos no sistema Sonic Solutions com Media Net (sistema de rede), para as salas 1 e 2, o que nos permitiu trabalhar com o mesmo sound file simultâneo em dois estúdios. Após longas discussões com o produtor Pena Schmidt, comecei a adotar o seguinte conceito em masterização: não adianta passar o som para o computador e deixar o cliente esperando o processamento dos dados, vou investir em out board (periféricos) para que ele possa comparar o original e o processado rapidamente. Hoje chegamos a fazer três ou quatro versões de cada faixa de um CD para que o produtor possa escolher as que mais lhe agradem. Todo o equipamento, assim como eu, funcionamos em tempo real, o computador é apenas utilizado para edição e colocação das informações do CD.

M&T: Você quer dizer que comprime e equaliza antes de jogar no computador?

Carlos:
Sim, faço tudo artesanalmente antes de jogar no computador. Acredito que exista um grande equívoco no que diz respeito à conversão de 24 bits para 16 bits por causa da limitação dos CDs.

M&T: Quais os problemas associados a esse tipo de conversão?

Carlos:
Quando você passa de 24 bits para 16 bits simplesmente, sem usar nenhum tipo de dither, você trunca o sinal. Os dithers são programas que fazem uma adaptação da linguagem de 24 bits para 16 bits. De uma maneira bem simples, significa que você pegaria, por exemplo, um pouquinho de cada bit dos 24, tiraria um pouquinho de cada um e colocaria em 16. Eu utilizo um programa chamado Super Bit Mapping, da Sony, que faz uma representação digital do som. Quanto mais grave, mais bits você precisa para esta representação, já os agudos não precisam de tantos, isto porque a forma de uma onda grave é muito grande, muito extensa. O agudo é simplesmente um pico. Ao invés de fazer uma representação idêntica em bits de 20 Hz a 20 kHz, ele pega a parte de representação do agudo de 17 kHz para cima e simplesmente ignora. Passa a fazer uma representação mais generosa na região de 20, 25 e 30 Hz. Como resultado você tem a impressão de que o som é muito melhor, mesmo em 16 bits.

M&T: O que acontece se um técnico não usa o dither para fazer esta conversão?

Carlos:
Existem dois problemas audíveis. Primeiro, você tem um pouco de distorção em graves e um pouquinho de... não chega a ser um chiado em altas freqüências, mas é um problema. Também existe um tipo de saturação perceptível quando se faz um fade out, o famoso Smooth.

M&T: Quais os últimos projetos que você masterizou?

Carlos:
Cláudio Zoli, Gabriel o Pensador, Fat Family, Paulinho Moska e Lenine, embora esse disco tenha sido "mexido", saiu como sendo masterizado na Magic Master, mas não foi, foi masterizado na Cia de Áudio e então... Eu ouvi a minha versão e a deles e não consegui perceber diferença... Também fiz o Lobão, Paralamas Acústico MTV, o Biquini Cavadão, Ná Ozzetti e alguns discos de Jazz com o Teco Cardoso e o Flávio Guimarães, assim como um disco da Vânia Abreu com a gravadora Velas. Recentemente na Classic Master fiz o disco do Pedro Camargo Mariano, produzido pelo Cesar Camargo Mariano e o disco do Jair Rodrigues.

M&T: Você conta com a ajuda de algum assistente?

Carlos: Sim, a Flávia Toyama, mas não a considero uma assistente, ela seria como um segundo engenheiro. A masterização é um trabalho cansativo, eu levo uma média de uma hora e meia a duas horas em cada faixa. Ela trabalha junto com o produtor ou com o artista na edição, nesse meio tempo eu dou uma descansada. Ela inclusive já fez algumas masters sozinha.

UMA WEB CAM NA SALA MASTER

M&T: Fale sobre o equipamento disponível.

Carlos: Em função de ser o melhor para restauração escolhi o Cedar, principalmente porque funciona em tempo real. Comprei um Manley Variable Mu Compressor, um equalizador Pultech EQ-P1, que são super eficientes. Quando fui na Manley, o David Manley e a EveAnna Manley ficaram amigos e disseram: "Você é tão jovem, tão interessado em master! Nós poderíamos personalizar os seus equipamentos. O que acha?". Eu disse: "Tá bom, mas o que significa personalizar?". "Nós vamos colocar um resistor em cada frequência, em cada ganho, para você ter o L/R idêntico e a gente testa aqui na hora." Então ficamos três dias montando os meus equipamentos lá na Manley. Achei isso tão fantástico que passei a acreditar nessa empresa como sendo uma parceira minha, o que acabou por se transformar em um endorsement. A Manley me considera um dos melhores usuários porque tenho praticamente toda a linha deles. Aconteceu uma coisa engraçada: outro dia eu liguei para a EveAnna e perguntei: "Você pode me mandar 10 tipos de cada válvula?". Ela disse: "Mas você é louco?" Quando as válvulas chegaram eu abri os equipamentos, botei o mesmo CD, fiquei 12 horas testando até achar as válvulas que dessem o melhor som. E percebi altas diferenças, entendeu? (risos).

M&T: Você é completamente louco!

Carlos:
Deu uma diferença absurda! Lá na Manley eu disse: "Quero um filtro que corte de verdade". Eles montaram na hora e acabaram me dando de presente este Low Cut que está aqui! Estou usando o novo equalizador Manley Massive/Passive EQ. A partir de Julho estaremos com um console Manley que encomendei, é totalmente passivo ao distribuidor de áudio. Também estamos com o sistema Sonic Solutions Hi Density (96K/ 48 bits) que, na minha opinião, é o melhor editor digital em dois canais. Tenho monitores Tannoy DTM15, que tem os agudos e médios em total fase com os alto-falantes. Uso monitoração flat e um amplificador Crown R-1, com um Monster Cable do tamanho do meu dedo indicador que mandei fazer nos Estados Unidos, é injetado.


M&T: Quanto você cobra?

Carlos: Uma masterização de oito a nove horas sai por R$ 2.600,00 com dois CDs da Apogee que - diga-se de passagem - são os únicos que eu uso. Sabe porque é tão caro? Porque tenho um monte de equipamento, porque arquivo tudo em Exabyte, porque uso CD Apogee para fazer o final, porque tenho a máquina CDW 900-E, é a única que escreve ISRC, o código hoje exigido para a fabricação de CDs. A banalização da masterização que vem acontecendo é um assunto muito complicado. Os CDs estão sendo feitos de qualquer jeito, com qualquer mídia. Chega na fábrica, o técnico pega o CD que dá bilhões de erros elétricos e diz: "Ah! Mas já está aqui mesmo... Faz uma outra cópia aqui em analógico e faz um PMCD novo." Então banalizou, virou zona! Todo mundo faz, todo mundo é bom. É uma pena que isto esteja acontecendo...

M&T: O que é um CD bem masterizado?

Carlos:
A primeira coisa que me chama a atenção é o equilíbrio entre as faixas, o equilíbrio artístico. Se você ouvir o CD baixinho e se sentir extremamente confortável em relação ao volume e às freqüências, e que não seja muito agudo nem muito médio, eu acho que esse é o primeiro ponto. O segundo ponto é aquele CD que tem fades bem feitos, que não tem nenhum excesso, ou seja, tem uma unidade.

M&T: Algum conselho para os futuros técnicos de masterização?

Carlos: O engenheiro de master tem que ser a última etapa da carreira. O cara tem que gravar, mixar, enrolar cabo e aprender a trabalhar em estúdio. A experiência é uma parte muito importante... Inclusive na hora de escolher o equipamento. O Sonic Solutions sozinho não faz nada, o Manley sozinho não faz nada; você precisa de um engenheiro ali.

M&T: O que a sua empresa reserva para o futuro?

Carlos:
Estamos instalando uma câmera dentro da sala de master para colocarmos as imagens ao vivo na Web. Quando um artista entrar, vamos deixar rolando. Também estarei dando dicas de como utilizar compressores, equalizadores e outros equipamentos. Acho muito importante que as pessoas se interessem por áudio com seriedade. Acredito que todos esses cursos de áudio que estão acontecendo são importantes para aumentar o conhecimento técnico geral. Ser sócio da AES e participar das feiras e convenções é uma forma de contribuir para um futuro promissor de áudio no Brasil. Tenho planos de participar de palestras e debates com profissionais do mundo do áudio num futuro breve.

Manny Monteiro é engenheiro de áudio, produtor e baterista. Formado no Institute of Audio Research (NY).
 
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