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Revista Luz & Cena
Iluminando
A dimensão simbólica da luz urbana
Farley Derze
Publicado em 29/11/2013 - 14h54

Se pudéssemos olhar todas as cidades do planeta apenas em seu horário noturno, como se a imagem de cada uma fosse uma obra de arte exposta em um museu, Las Vegas ou Paris poderiam ser reconhecidas como "monalisas" da iluminação urbana. Nos dez mil anos que se passaram desde o surgimento das primeiras aldeias no planeta, algumas cidades conseguiram iluminar suas noites urbanas por meio de postes simetricamente equidistantes, luminárias com lâmpadas elétricas, enquanto outras permaneceram sem luz. Tais desigualdades transformam nosso passeio pelo museu em um jogo de perguntas e respostas. Las Vegas ou Paris seriam cidades modernas porque estão iluminadas à noite ou estão iluminadas à noite porque são modernas? O que representa o conceito de modernidade?

A modernidade não existe na natureza. A modernidade é um gesto humano e pode ser interpretada como a vontade, ou até a necessidade, de superar uma condição em que se encontra no momento. A escuridão da noite foi um desafio a ser superado. A conquista do espaço noturno pelas cidades que iluminaram seus espaços com luz artificial desde a Idade Média pode explicar a modernidade delas em relação àquelas que permaneceram com espaços da cidade mergulhados no escuro. Assim, a modernidade não é um dado temporal, mas espacial. A Europa noturna do século 17 é moderna em relação às cidades noturnas sul-americanas do século 19, por exemplo. Se o telefone, a televisão e o computador venceram distâncias espaciais e são produtos de uma modernidade, a iluminação noturna das cidades foi a modernidade primogênita de todas, pois estabeleceu conexões espaciais entre os vãos escuros de uma cidade. A cidade moderna nasceu à noite.

Diz a lenda que Monalisa foi uma obra encomendada. Uma Monalisa ou uma cidade iluminada são imagens produzidas pelo homem. Assim como a história da arte destaca a Monalisa de outras obras, a imagem do espaço noturno de algumas cidades conquistou valor simbólico em relação a outras. A origem da luz que passou a iluminar espaços noturnos de uma cidade começou pela iluminação de monumentos que tinham valor simbólico. Lembremos do simbolismo do Natal para os cristãos e como as casas e cidades se iluminam nesse período.

É uma intrigante questão o fato da sociedade ocidental ter cultivado a realização de eventos que são mais significativos em horário noturno e, sempre, com o uso da luz. Por que não comemoram com a luz do sol? Velas, fogueiras ou lâmpadas elétricas fornecem a luz que agrega importância a funerais, festas juninas, o Ano Novo, casamentos, aniversários (lembra que a luz elétrica é apagada e só a vela fica acesa sobre o bolo?). Momentos que estão longe de serem vistos como eventos individualizados. Ao contrário, são eventos sociais simbólicos escritos com o vocabulário da luz nas páginas noturnas da cidade.


Diferentemente da iluminação pública, utilitarista, que possui função visual para possibilitar a circulação da sociedade pelos espaços noturnos da cidade, a iluminação urbana é sua mãe e nasceu com função simbólica, comemorativa. É um engano pensar que um governante pensou primeiramente na população quando decidiu inserir a luz artificial em determinados espaços da cidade. A luz na cidade nasceu urbana e só depois se tornou pública. Coube aos empresários, europeus, estadunidenses e brasileiros, que tinham interesse no lucro econômico, trazer a iluminação para os espaços públicos ao perceberem o valor do lucro estético da luz que os governantes usavam para destacar os monumentos erguidos para valorizar sua importância política.

Ao longo da história, a escolha dos componentes urbanos iluminados se repetem, como o Cristo Redentor, por exemplo, devido ao valor simbólico que antecede, e, ao mesmo tempo, consolida o valor simbólico da iluminação noturna. Para que as pessoas chegassem a um monumento iluminado, aos poucos se fez necessário a criação de uma rota de luz que se converteu em iluminação pública, uma espécie de "luz para todos".

Farlley Derze é professor do Instituto de Pós-Graduação, diretor de Gestão e Pesquisa da empresa Jamile Tormann Iluminação Cênica e Arquitetural e membro do Núcleo de Estética e Semiótica da
UnB. Doutorando em Arquitetura.
E-mail: diretoria@jamiletormann.com
 
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