RSS Facebook Twitter Blog
Revista Luz & Cena
Capa
Shure Beta 181
A família Beta de microfones ganha um novo membro
Fábio Henriques
Publicado em 03/10/2013 - 08h47
Imagine que você é o cara que inventou o aparelho de barbear, ou a Coca-Cola, ou qualquer outro produto que se consagra e adquire sucesso absoluto. O que fazer quando seu chefe (ou você mesmo) te pede para fazer uma melhoria, para dar uma "renovada" no produto?

No primeiro caso, talvez você consiga convencer o povo de que duas lâminas são melhores que uma só, mas logo vem o desafio de mostrar que três são melhores que duas, e por aí vai. No caso do refrigerante, depois de algumas tentativas pouco populares de dar uma repaginada em seu sabor, talvez você descubra que é melhor investir em atividades paralelas ao ato de bebê-lo, como festivais de música. O fato é que repensar o clássico é difícil. Imagino, então, o que devem ter passado os engenheiros da Shure quando foram incumbidos de modificar os seus ultra-mega-consagrados SM57 e SM58.

A Shure Radio Company foi fundada em 1925, na cidade de Chicago, por Sidney Shure, e vendia partes elétricas e eletrônicas para a montagem de rádios (na época, não se achava rádios prontos à venda). Na década de 1930, passa a fabricar microfones, sendo o primeiro modelo o Model 33N Two-Button Carbon Microphone, em que o elemento sensor são partículas de carvão. Mais tarde seriam lançados o 40D (capacitivo) e o Model 70 (a cristal). Em 1939, lança o Model 55 Unidyne, que provavelmente é o microfone mais conhecido do mundo, embora pouca gente saiba seu nome, e que ficou tão famoso que em 2008 foi introduzido no TECnology Hall of Fame (o site http://tecfoundation.com/hof/12techof.html é uma senhora aula de história do áudio e vale uma visita).

Por volta de 1965 surge o nosso amigo SM57, e, em 1966, o SM58 (o SM significa "studio microfone"). Ambos dispensam comentários. Enquanto o 57 se tornou o "padrão da indústria" para a caixa da bateria e para os amps de guitarra, o 58 se consagrou universalmente como o som standard de voz ao vivo. A gente pode até escolher não usar o som clássico destes microfones, mas certamente qualquer ouvinte do trabalho que a gente está fazendo já escutou muitas caixas e vozes gravadas neste microfones.

Certa vez, uma revista americana de áudio fez uma enquete sobre o "microfone que eu levaria para uma ilha deserta" e o 57 ganhou disparado, até porque além de ser um excelente microfone, ainda é forte o suficiente para servir de martelo e montar a cabana necessária neste caso. Recomendo que se veja os surpreendentes testes feitos em http://tinyurl.com/SM58teste e http://tinyurl.com/SM58teste-umanodepois.

Estes dois modelos clássicos estão no mercado há quase 50 anos e continuam firmes e fortes, sendo provavelmente os microfones com mais versões piratas no mundo (ao adquirir um, procure fontes confiáveis, como os distribuidores oficiais - ou você acha que aquele do Mercado Livre, novinho, a R$ 60, é verdadeiro?).


A SÉRIE BETA

Corajosamente, a Shure, em 1989, se propôs a reinventar os clássicos, lançando a série Beta, com o Beta 57A e Beta 58A. E não fez feio. Com resposta melhorada e figura supercardioide, estes dois novos modelos foram muito bem aceitos e amplamente empregados, embora a força dos modelos originais curiosamente não tenha diminuído. Mal comparando, é como se duas versões de um mesmo carro convivessem pacifica e harmoniosamente.

Em 1996, a série Beta aumentou com a chegada do Beta 56, com uso principal em tambores e afins, e do Beta 52, especializado em bumbos e destinado a concorrer agressivamente com o ubíquo D112, apresentando um SPL máximo calculado em 178 dB (considerando que um jato de caça alcança 140 dB SPL, como observa Paul White, podemos imaginar a dificuldade que o pessoal da Shure teria para testar o valor calculado).

Completando esta série, ainda temos o Beta 87, de eletreto, destinado à voz.



Mais tarde, foram incorporados o Beta 91A (semicardioide que somado a um Beta 52 forma um dos melhores métodos de se captar bumbos, na minha opinião) e o extremamente versátil Beta 98 em todas as suas variantes - que por seu tamanho pequeno e qualidade sonora se torna uma ótima solução em muita situações, como preso a instrumentos de sopro ou a tambores e em instrumentos de percussão, que ao vivo costumam ficar bem próximos uns aos outros.

O Beta 27, destinado a uso geral, se apresenta como um surpreendente membro desta tão diversa família, que conta até com microfones tipo "headset" - o Beta 53 e o Beta 54. Sobre todos estes o leitor encontrará farto material no site da própria Shure.

A NOVIDADE

Os membros mais recentes dos betas são o motivo de nossa conversa aqui. É a série Beta 181, definida pelo fabricante como "microfones capacitivos ultracompactos de acesso lateral". São apresentados na forma de um corpo único, que contém o amplificador interno e diversas "cabeças", que alojam o diafragma em quatro diferentes configurações: 181/C (cardioide), 181/S (supercardioide), 181/O (omni) e 181/BI (bidirecional).

Antes de qualquer coisa, esclareçamos o que "acesso lateral" significa. Olhando para um SM58 a gente logo vê que se deve apontar a "cabeça" do microfone de forma que a "ponta" fique em direção à fonte. No caso dos 181, é a parte lateral da cabeça que deve apontar. Ou seja, enquanto um SM58 fica paralelo ao solo para captar algo que venha de frente, o 181 ficará perpendicular a este, ou paralelo à estante. A própria forma do microfone já indica esta característica (o que não acontece, por exemplo, com o Sennheiser MD421, que parece ser de acesso lateral, mas é de acesso frontal).


E quando a Shure fala em "ultracompacto", realmente está correta. Os 181 são bem pequenos, parecendo quase uma miniatura de antigos microfones valvulados, mas a sua construção de cara já transmite sensação de robustez típica da marca. São pequenos, mas são valentes, o que se comprova na especificação do máximo SPL na casa dos impressionantes 150 dB. Ou seja, não precisamos ter medo de usá-los em caixa de bateria ou colados à grade de um amp de guitarra.

O mecanismo de troca de cabeças é bem intuitivo e contribui para a sensação de que se trata de um produto que irá resistir tranquilamente a incontáveis manipulações. Vale aqui a observação de que por se tratar de um microfone que precisa de phantom power, deve-se tomar o cuidado de desligá-lo antes de se trocar a cabeça.

Já a resposta em frequência se mostra bem plana entre 50 Hz até por volta de 3 kHz, onde se inicia a subida acentuada de sensibilidade, que tem o seu máximo em torno de 10 kHz e que cai consideravelmente por volta de 15 kHz. O resultado desta característica é um comportamento bem transparente ao longo do espectro, com uma valorização da região da percussividade e dos ataques, o que confere uma boa qualidade, que os americanos chamam de "crispness" e que poderíamos chamar de "detalhe" ou "brilho". Como não são, a princípio, microfones voltados para vocal, a eventual sibilância que esta resposta provocaria acaba não sendo importante.



Uma característica curiosa é o fato de que a curva mais "comportada" é a da versão supercardioide, enquanto a menos plana é a da versão omni. A versão bidirecional apresenta a menor subida nos agudos, provavelmente pelas características intrínsecas ao formato típico de um figura-8.

 NA PRÁTICA

Recebemos a versão 181/C para testar, e pudemos comprovar a eficiência e versatilidade deste microfone. Apresenta uma sonoridade muito honesta e fiel ao instrumento, oferecendo uma maior riqueza de detalhe na região mais alta, favorecendo aplicações onde os harmônicos altos sejam favorecidos. Instrumentos percussivos pequenos e instrumentos de corda percutida (violão, cavaco, piano, bandolim) são captados com bastante nitidez.

Conseguimos também resultados muito bons na gravação de bateria, com o 181 trabalhando confortavelmente com valores altos de pressão sonora. Nos tom-tons, mostraram-se uma excelente alternativa para quem procura uma sonoridade distinta das já clássicas do Beta 98 e do MD421. Aliás, os 181 são um caso muito interessante de microfones que funcionam bem tanto nos tambores quanto nos overs e no hi-hat, e certamente irão compor um importante acréscimo no "vocabulário" de opções sonoras para a bateria.


das diferentes "cabeças" da série Shure Beta 181

Operando com uma faixa dinâmica de mais de 70 dB (quase 10 dB melhor que o Beta 98), o Beta 181 permite seu uso mesmo em situações em que a fonte é de mais baixa intensidade, como em naipes de cordas e violão de nylon.

Este mais novo membro da família Beta veio com a personalidade forte e distinta típica dos caçulas.


Confira o áudio!

No link http://tinyurl.com/beta181-teste o leitor encontra os áudios de teste do Beta 181. Ele não é um microfone para voz, mas como, por sorte, a gente estava com o grande André Leite no estúdio, não resisti à tentação de gravá-lo. No segundo áudio, um violão de 12 executado por Dú Netto, da banda Conexa.




Fábio Henriques é engenheiro eletrônico e de gravação e autor dos Guias de Mixagem 1,2 e 3, lançados pela editora Música & Tecnologia. É responsável pelos produtos da gravadora canção Nova, onde atua como engenheiro de gravação e mixagem e produtor musical.
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.