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Revista Luz & Cena
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Dois é pouco!
Engenheiros de PA falam de suas experiências com surround ao vivo
Rodrigo Sabatinelli
Publicado em 05/06/2013 - 21h55

Com quantos paus se faz uma canoa? A pergunta, um dito bastante popular, é algo que não parece ter, digamos, uma resposta. Por outro lado, quando perguntamos com quantas torres de PA se faz a sonorização de um show ao vivo, de imediato ouvimos da maioria das pessoas: "duas". Tudo bem, resposta certa! Quando chegamos a um show e olhamos para o palco, em suas laterais, estão lá elas, as duas torres.

No entanto, ao longo dos últimos anos, alguns engenheiros de PA decidiram extrapolar a esfera do tradicional e criar uma sonorização diferente para seus artistas. São os casos de Dominique Chalhoub, Ricardo Vidal e Vavá Furquim, que, respectivamente, lançaram mão do uso de quatro, cinco e oito grupos de caixas para sonorizar espetáculos de Lenine, O Rappa e Arto Lindsay.

Antes de o trio se aventurar no universo da polifonia, quem passou por aqui trazendo a então novidade foi Roger Waters. Aficcionado por tecnologia e especialista no assunto, o ex-líder do Pink Floyd, nas duas vezes em que veio ao Brasil, presenteou o público com uma verdadeira "viagem" sonora, da qual também relembraremos nas próximas linhas.

SOM QUADRAFÔNICO LEVA RUÍDOS DE LENINE À PLATEIA

Francês radicado no Brasil, Dominique Chalhoub foi o responsável pela sonorização de Chão, a mais recente turnê do cantor e compositor pernambucano Lenine. Para isso, ele utilizou quatro torres de PA, sendo duas posicionadas no modo tradicional - na boca de cena - e duas voltadas para o palco. A quadrifonia promovida pelo engenheiro foi, segundo o próprio, a maneira que encontrou para dar espacialidade aos inúmeros efeitos e ruídos presentes no disco homônimo, lançado há dois anos.

Os efeitos e ruídos em questão, diz Chalhoub, foram pré-produzidos por Bruno Giorgi, filho de Lenine, gravados em um sistema Pro Tools e dispostos nas já citadas quatro torres, de modo que prendessem ao máximo a atenção do público, fisicamente "abraçado" pelas caixas durante as apresentações.

"A espacialidade deles [dos efeitos e ruídos] mergulhou o público no então novo e diferente universo de Lenine. O 'passeio' pelas torres, no entanto, não comportou, por exemplo, a voz dele [Lenine] e seu violão, geralmente dispostos de maneira tradicional, no L/R. Bruno foi quem decidiu que elementos pré-produzidos transitariam pelos PAs, enquanto eu cuidei de toda a operação ao vivo", conta, referindo-se a sons de pássaros assobiando no tom das canções e evoluindo de acordo com elas, cigarras cantarolando melodias afinadas, máquinas de lavar centrifugando roupas e, até mesmo, o pulsar de um coração, entre muitos outros sons.


Ainda segundo Chalhoub, para que, ao vivo, essa operação saísse como planejado, era preciso estudar cada sala a ser sonorizada, considerando suas dimensões e as possibilidades de serem instalados os sistemas das apresentações. "Cada show era uma experiência nova, nesse sentido. Subir as torres, posicioná-las, alinhá-las, trabalhar suas dispersões e conferir se todos os cantos dos ambientes recebiam o mesmo nível de pressão sonora era algo que fazíamos diariamente, sempre de acordo com o que os administradores das salas nos permitiam", conta ele.



5.1 DO RAPPA DESCONSTRÓI PADRÃO CLÁSSICO DE MIXAGEM

Engenheiro de PA e produtor musical do Rappa, Ricardo Vidal também lançou mão do uso de torres complementares para levar sensações diferentes à plateia. A experiência, que teve início em 2011 - quando, depois de uma longa parada, a banda retornava aos palcos -, foi, acima de tudo, para o próprio Vidal, um desafio a ser superado.



A turnê Valeu a Pena, o "desafio" em questão, foi sonorizada por cinco torres e uma verdadeira "parede" de subwoofers. Duas delas foram posicionadas de forma clássica, do lado de fora da caixa cênica e voltadas para o público. No centro e no alto do palco, uma terceira torre também se voltava para a plateia, enquanto por trás dela e de frente para o palco outras duas complementavam o aparato.


"A operação desse show foi parecida, em alguns aspectos, com a mixagem do DVD Áudio 7 Vezes [último disco de estúdio do Rappa, produzido por Vidal em parceria com Tom Saboia], alternativa à mix clássica, em 2.0, do CD. Nela, desconstruímos o conceito tradicional de mix, até mesmo daquelas em 5.1. Fizemos algo realmente diferente, fora dos padrões, por uma questão exclusivamente estética", conta, lembrando, ainda, ter usado um console analógico para o comando das torres.

"Sem ele [o console analógico], seria praticamente impossível mixar o show, feito de operações minuciosas. Imagina o 'cara' ter que buscar uma 'página' para selecionar determinado instrumento e direcioná-lo a determinado canal. Até ele conseguir tudo isso, o tempo passou, o momento do efeito passou e ele não fez nada", explica.


Vidal também faz questão de destacar que, apesar de o show ter um conceito determinado, cada apresentação teve sua particularidade, tornando, a cada dia, a experiência ainda mais enriquecedora do ponto de vista da superação e, claro, da criação sonora.

"Existiu o conceito em cima do surround e da não-linearidade, mas as apresentações eram únicas, bem particulares. Em um dia, um delay soava mais forte. No outro, era um reverb absurdo quem chamava a atenção em determinada música. Essa liberdade foi realmente especial", completa.

OITO CAIXAS DÃO VIDA A INSTALAÇÃO PSICODÉLICA

Engenheiro de PA de artistas como Caetano Veloso e Gal Costa, entre outros, o baiano Vavá Furquim foi um pouco além de Dominique e Vidal no que chamamos de espacialização e usou nada menos que oito torres de PA na sonorização de uma instalação sonora - na verdade, uma performance artística que tinha como principal característica a espacialidade.



Tamanha ousadia, no entanto, se deve também ao fato de o artista em questão ter sido o excêntrico Arto Lindsay, uma referência em experimentalismos mundo afora. "Ele [Arto] é expert nisso, em criar sensações a partir de sua música. E nada mais apropriado que um lugar como Inhotim, onde tudo é arte, tudo é experimentalismo", diz o engenheiro.


A apresentação, na qual o artista foi acompanhado por mais sete instrumentistas [Pedro Sá nas guitarras, Melvin no baixo, Luiz Felipe no violão de sete cordas, Peter no computador, no teclado MIDI, em uma MOTU e na voz e Gabi Guedes, Jaime Nascimento e Coutinho na percussão], foi realizada em 2009 e teve como pano de fundo uma área a céu aberto dentro do instituto de artes da cidade mineira e durou cerca de uma hora e meia. Nas torres de PA - sendo duas à frente do palco, duas em sua linha central e duas em sua parte traseira, todas num raio de 14 metros de distância, além de outras duas, ao norte, dentro do mesmo raio - Vavá distribuía o conteúdo sonoro de Arto & Cia.




Só Floyd explica

Roger Waters, ex-líder do Pink Floyd, um dos grupos que mais usou e abusou de experimentalismos na história do rock mundial, trouxe para o Brasil espetáculos de grande porte, tais como In The Flesh e The Wall, nos quais utilizou sistemas surround que ofereciam espacialidade aos vídeos exibidos em enormes telões durante os shows.

Tanto na Praça da Apoteose quanto no Estádio do Engenhão, locais por onde passou no Rio de Janeiro, o músico fez questão de se apresentar com tudo o que lhe havia de direito. Na imagem que ilustra esse box, temos, por exemplo, uma representação de como o engenheiro de PA de Waters disponibiliza seus sistemas.





"As guitarras, o baixo, o violão e a voz do Peter eram plugados diretamente na interface MOTU, que era ligada, juntamente à voz de Arto e aos demais instrumentos, no console principal, uma Venue Profile. Dele [o console] saiam mixados todos os canais, que eram endereçados aos oito clusters. Cada par de cluster recebia uma mix diferente. Além disso, a Venue fazia as mixes dos monitores dos músicos", lembra.

"O trabalho do Peter, além de criar sons e tocar com a banda, era especializar todos esses instrumentos, 'passeando' com eles por entre as mixes via MIDI. O meu era trocar as mixagens de endereço via snap shot, que é uma programação de cenas. Tudo foi feito de forma bastante dinâmica, com muitos movimentos", completa.



Outra realidade
Engenheiro de PA do Skank, Renato Muñoz dá sua opinião sobre o uso de sistemas surround na estrada

Para se fazer um show com uma mixagem surround, 5.1 ou não (muita gente acha que é a mesma coisa!), é extremamente necessário que exista "material sonoro" disponível, ou seja, deve haver uma distribuição de outros sons, que não a mixagem "normal", para as caixas que não fazem parte do L/R. Nos dois shows do Roger Waters que assisti, por exemplo, existiam sons pré-gravados, que, inclusive, eram mixados em uma mesa diferente da mesa principal, justificando o uso deste sistema composto.

Eu, que opero o PA do Skank, e que, na estrada, normalmente trabalho com firmas de som de grande porte, dificilmente encontro um sistema L/R posicionado e alinhado da forma que consideraria perfeita. Então imagine esperar algo melhor de mais quatro ou cinco torres de PA. Acho, sinceramente, que ainda estamos um pouco longe desta realidade, porém, mesmo lá fora, é muito difícil você ver uma configuração destas. Normalmente, isso ocorre com espetáculos fixos em casas de shows, como, por exemplo, Cirque du Soleil, que assisti em Las Vegas no ano passado e que contava com um sistema composto por mais de 20 caixas.

Adoraria mixar um show em surround. Talvez fizesse em 7.1, porém, gostaria que fosse em um local muito bem preparado para isso, provavelmente um teatro ou uma casa de shows de médio porte. Outra coisa que faço questão de destacar é que as pessoas relacionam 5.1 com surround. É óbvio que está correto, porém, como o nome diz (talvez nem todos saibam a tradução da palavra surround), se estivermos cercados por dez caixas de som, ainda teremos um surround!


 
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