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Revista Luz & Cena
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NA SALA, NO QUARTO, NO CLOSET
Engenheiros e produtores dão dicas simples, práticas e eficazes de como gravar vozes em casa
Rodrigo Sabatinelli
Publicado em 01/09/2012 - 00h00

Com a democratização da tecnologia digital de gravação, muita gente faz boa parte de seus discos em casa, seja em pequenas estações de trabalho ou em equipados home studios. Porém, ainda há, por parte de artistas, em sua maioria independentes, e, naturalmente, técnicos, certo receio quanto aos registros caseiros de voz. Muita gente ainda acredita que para se ter bons resultados em gravações é preciso deixar o ambiente doméstico e partir para um estúdio profissional. Mas péra lá: nem tudo que reluz é ouro!

Convidados por nossa equipe para um grande debate sobre o tema, os engenheiros Marcos Eagle, Walter Costa e Jorge Guerreiro, os engenheiros/produtores Luizinho Mazzei e Cesar Santos e o produtor Rafael Ramos contam, nas próximas páginas, um pouco de suas experiências relacionadas ao tema. Juntos, eles dão importantes dicas para quem não tem verba para gravar em salas de grande porte ou que, por opção, gravam vozes em suas próprias casas. Segundo eles, em uma residência são diversas as opções de espaços que podem ser úteis a este tipo de gravação.

"De salas a closets, passando pelos quartos e escadas", diz Walter, "mas, na minha opinião, as salas são ambientes mais neutros, pois geralmente são mais amplas e contam com alguns móveis, que as tornam vivas, porém, com baixas reflexões", completa ele. "As opções são diversas, mas merecem ser escolhidas por quem realmente tem um bom ouvido, afinal de contas, não é qualquer ambiente que soa bem, principalmente em uma gravação de voz, que deve sempre ser cercada de muitos cuidados", emenda Rafael.

Dentro de casa, muitos fatores podem prejudicar os registros de vozes, como, por exemplo, gravá-las próximas a vidros, que ressonam com muita facilidade, e a pisos velhos de madeira, que chiam e, consequentemente, atrapalham o silêncio tido como necessário por produtores, engenheiros e artistas. O que acontece do lado de fora das residências também pode ser um problema para as gravações. Como as ruas, principalmente de dia, têm "vida própria", uma boa saída é, por exemplo, gravar em horários de pouco movimento, como fins de tarde, noites e madrugadas.

FAÇA UM BOOTH COM O QUE ENCONTRAR PELA FRENTE...

Gravar vozes em salas muito amplas e sem tratamentos acústicos não é algo fácil. Por isso, em lugares como estes, que têm problemas como reflexões indesejadas, é preciso colocar a mão na massa - ou melhor, no que encontrar pela frente - e improvisar. Uma boa saída é "construir" um booth (pequeno recinto isolado) semelhante aos dos estúdios profissionais de gravação.

Há quem utilize, por exemplo, para isso, caixas de papelão de geladeiras duplex sem uma de suas quatro faces - cortando uma destas faces, a caixa fica em forma de letra "U". Também há quem recorra a biombos de madeira de três faces cobertos por algum tipo de material antirreflexivo, como, por exemplo, colchas ou cobertores. E há, ainda, quem misture acessórios como pedestais de microfones a tapetes ou colchonetes.

Durante as gravações do CD de estreia do Agridoce, projeto paralelo da cantora Pitty e seu guitarrista Martin Mendonça, o produtor musical Rafael Ramos e o engenheiro Jorge Guerreiro tiveram que fazer o seu próprio booth e seguiram a terceira dica acima. Na ocasião, "confinados" em uma casa no alto da Serra da Cantareira, em São Paulo, eles recorreram a quatro pedestais de microfones e a encostos de uma espreguiçadeira que ficava à beira da piscina para a confecção do acessório.

"Tentamos, inicialmente, gravar sem o booth, mas a sala 'falava' mais do que precisávamos e ele acabou se tornando fundamental para um melhor domínio do ambiente, deixando a emissão de voz da Pitty mais direta", lembra o produtor. "A acústica da sala era interessante, porém, como visávamos a mixagem, optamos por ter uma captação de voz mais controlada", explica.


A dupla só abriu mão da "engenhoca" quando decidiu gravar voz do lado de fora da casa, à beira da piscina, A opção por não usar o booth, neste caso, se deu pelo desejo do produto de captar, além da voz de Pitty, a "natureza" do ambiente, incluindo o cantar dos passarinhos.

"Consideramos que aquele era o momento de pensar no conceito da canção. Por isso, buscamos uma captação diferente para ela. No entanto, apesar de toda a conceitualidade, não deixamos de lado um acessório fundamental: o anti-puff, com o qual bloqueamos a incômoda interferência do vento", diz, lembrando que o posicionamento do microfone também foi estrategicamente pensado. "Monitoramos tudo com muito cuidado e escolhemos a posição em que o vento tivesse menor ação sobre a cápsula", completa.

Hoje sócio do Estúdio Verde, um dos mais amplos e bem equipados de Belo Horizonte, César Santos teve, por muito tempo, que se virar no Dinosounds, home studio que mantinha em seu apartamento no Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro. Lá, ao contrário de Rafael e Jorge, que opcionalmente gravaram em um ambiente "alternativo", ele também tinha seu "booth improvisado", com o qual registrou vozes de cantoras como Liah e Nina Torres e do técnico da seleção brasileira de vôlei feminino, Bernardinho, personagem de um famoso jingle publicitário.

O tal booth era, segundo ele, como aquelas tradicionais cabaninhas de crianças. Feito com pedestais e cobertores, ele isolava os cantores do restante do ambiente, garantindo, com isso, que grande parte das reflexões nocivas às gravações fossem eliminadas.

"Na verdade, quando optamos por gravar vozes dentro de um 'box', optamos por uma captação mais seca, mais controlada, o que, de certa forma, oferece um maior conforto aos artistas, pois torna o ambiente mais intimista para eles, quase como se estivessem em um mundinho particular", diverte-se.

OU USE O CLOSET!

Se você não tiver material suficiente para a "construção" do booth, terá, inevitavelmente, que partir para um plano B. O mais indicado por nossos amigos engenheiros e produtores é usar ambientes "mortos", como um closet, se houver um em sua casa. O engenheiro Marcos Eagle, por exemplo, diz que ambientes como estes podem facilmente ser convertidos em boas cabines de gravação. "No entanto", ele alerta, "procure sempre evitar que o microfone seja posicionado muito perto de paredes".


Certa vez, durante a gravação de voz do cantor Maurício Manieri, Luizinho Mazzei também viu no closet do artista uma bela opção para tal registro. Especialmente pelo local estar cheio de roupas, o que, segundo ele, ajudou a controlar a reverberação natural existente no ambiente, que não tinha qualquer tipo de tratamento acústico.

"O resultado ficou muito acima das minhas expectativas e, sinceramente, bem melhor do que os conquistados em muitos estúdios que conheço e já gravei. A captação foi tão bem sucedida que nada além da própria voz do cantor - clara, limpa e envolvente - foi registrada, mesmo usando um pré-amplificador valvulado e sensível, assim como o microfone, um condensador também valvulado", diz.

A exemplo do engenheiro e seu companheiro Eagle, Walter Costa também é fã dos closets. Para ele, quanto mais dentro do closet estiver o microfone, melhor será a qualidade do seu registro. "Gosto de gravar as vozes bem 'sequinhas', e, para isso, já utilizei closets e armários de madeira. No segundo caso, abri as portas e posicionei a estante de microfone ao fundo, posicionando o cantor de forma que cantasse literalmente para dentro daquela 'caixa'", explica.




CUIDADO COM A INSTALAÇÃO DO SISTEMA

Instalações elétricas caseiras tendem a produzir ruídos incômodos, como, por exemplo, chiados. Por conta disso, o ideal é reservar um bom tempo para entender a alimentação elétrica dos cômodos utilizados para a gravação antes mesmo de começar a montagem dos equipamentos que serão empregados na ocasião. A dica é do engenheiro Marcos Eagle, exemplo de quem leva a sério este tipo de cuidado.

"Sempre me certifico de que eletrodomésticos como geladeiras, micro-ondas, TVs e máquinas de lavar não estejam ligados no mesmo disjuntor dos meus equipamentos ou interfiram no funcionamento destes. Se os equipamentos de áudio utilizados possuem o terceiro pino de terra, hoje obrigatório por lei, procuro manter todas as conexões elétricas aterradas. O mesmo vale para as conexões de áudio entre os equipamentos, que devem ser preferivelmente balanceadas e não baseadas em plugs 'banana' ou RCA de dois pinos", explica ele.

Eagle também diz que procura conferir, individualmente, cada equipamento plugado no sistema, a fim de garantir que estes não estão acrescentando ruídos elétricos ou interferências de rádio e TV às gravações, principalmente nas de vozes, que merecem cuidados redobrados. Segundo ele, é demorado fazer isso individualmente, mas pode ser muito mais difícil encontrar a origem de um ruído quando todo o equipamento já estiver montado.

"Em primeiro lugar, ligo o computador e o hardware usado para a gravação. Em seguida, mantenho um fone de ouvido plugado na interface do equipamento. Faço isso enquanto vou acrescentando periféricos como pré-amplificadores, mesas de som, compressores e equalizadores, entre muitos outros", ensina.




ISOLE OS AMBIENTES INTERNAMENTE OU USE FONES

Em um estúdio profissional, o aquário exerce o papel de isolar os ambientes, evitando que todo e qualquer movimento ou barulho na técnica prejudique os registros feitos na sala de gravação. Como em uma casa você dificilmente terá um elemento que possa ser tão funcional quanto o aquário, a melhor opção é utilizar ambientes distintos - sendo um a técnica e o outro a sala de gravação -, ou, se isso não for possível, investir em alguns bons metros de cabos de qualidade para que os equipamentos usados pelos engenheiros fiquem o máximo distantes de onde a voz será captada.

"Na verdade, ter dois ambientes separados, como dois quartos diferentes, é a melhor solução", diz Marcos Eagle. "E tornar ambos acusticamente 'mortos', pendurando cobertores ou materiais absorventes nas paredes, é outra estratégia segura", completa ele, lembrando que, "neste caso, lonas acolchoadas, utilizadas para proteger elevadores de prédios em dias de mudanças, são bem-vindas, assim como salas mobiliadas com móveis estofados, estantes cheias de livros e tapetes são geralmente bem melhores que salas vazias ou revestidas com materiais reflexivos".

Na casa onde gravaram o álbum do Agridoce, Rafael e Jorge foram beneficiados por uma espécie de móvel de madeira, que serviu como uma verdadeira divisória, separando os ambientes "técnica" e "sala de gravação" e garantindo, com isso, que não houvesse qualquer tipo de interferência nos registros de voz de Pitty e Martin.

"Escolhemos um cantinho e montamos nossa estação de trabalho, deixando o local onde ela [Pitty] gravou as vozes e os demais instrumentos do disco livres de qualquer interferência. Em uma das músicas, testamos gravá-la ao lado de uma lareira, mas como o 'chiado' das madeiras incomodava mais do que ajudava no conceito, tivemos de afastá-la até chegarmos ao ponto ideal. Isso faz parte da produção", diz.

Infelizmente, nem todo mundo dispõe de dois ambientes distintos e livres para realizar gravações caseiras. Por vezes, esses registros acabam sendo feitos em pequenos apartamentos, como conjugados ou quitinetes, inviabilizando o já citado isolamento. Quando isso ocorrer, a saída será o uso de headphones, muito embora a preferência de engenheiros de gravação por monitores de referência externos pareça ser esmagadora.

MICROFONE IDEAL: NEM SEMPRE O MELHOR É O MELHOR

"A escolha do microfone é um ponto crítico quando de trata de gravação caseira de voz", afirma Marcos Eagle. De acordo com o ele, em situações deste tipo, nas quais geralmente não há um controle acústico absoluto sobre os ambientes, modelos de cápsulas muito sensíveis, como condensadores de diafragma largo - que muitas vezes seriam os preferidos em um estúdio - podem ser uma faca de dois gumes. "Neste contexto", diz ele, "um Shure SM58 bem utilizado pode render muito mais do que um Neumann U89, afinal de contas, simplicidade e objetividade na microfonação de vozes e instrumentos geram resultados imediatamente audíveis".



Cesar Santos também defende o uso dos cardioides. Para o engenheiro/produtor, "quando a gravação é feita num estúdio, com todas as frequências sob controle, o padrão omnidirecional acaba sendo a opção mais interessante. No entanto, quando a gravação se dá fora do estúdio, fugir de um cardioide passa a ser bastante arriscado, pois, com ele, é mais fácil evitar a interferência de ruídos externos, entre outros fatores que podem condenar o registro", diz. "Há, ainda, a possibilidade de se trabalhar com um hipercardioide, mas é preciso que o cantor tenha uma técnica vocal mais apurada, pois pode acabar prejudicando, especialmente os registros de graves da captação", completa.

Se o ambiente tiver pouca reflexão e pouca interferência externa, a ousadia pode ser interessante. Os modelos de microfones usados por Rafael e Jorge para gravar as vozes de Pitty e Martin, por exemplo, foram totalmente atípicos. Dentre eles estiveram um RCA 44 - "aquele de rádio, antigão, com um som bem particular, mais fechado que os demais", diz Rafael - e um Shure antigo "comprado numa feira de antiguidades e dono de um som distorcido, diferente, bom para determinados momentos", emenda o engenheiro.

Os microfones dinâmicos são, na opinião de Luizinho Mazzei, uma boa opção quando se grava em ambientes mais "vivos". "Certa vez, quando gravava o disco dos baianos do Super Fly, recorri a um deles e conquistei um excelente resultado", recorda. Na ocasião, a maior preocupação de Luizinho era registrar toda a energia da interpretação do artista. Por conta disso, ele abriu mão de acessórios como pedestais e anti-puffs.

"Demos ao vocalista um Shure SM7 e o deixamos cantando como se estivesse em um show. O resultado saiu exatamente como desejamos", conta. "Pensei até que pudéssemos ter algum tipo de problema de reverberação, pois o quarto onde gravamos as vozes tinha poucos móveis, um enorme armário de madeira e um piso de ladrilho, portanto bem "vivo" e reflexivo. Mas justamente a escolha do microfone dinâmico fez com que esses possíveis problemas fossem solucionados de forma simples", explica.

NÃO SE PRENDA À TECNOLOGIA!

Conceitos e dicas à parte, Luizinho Mazzei faz questão de destacar que equipamentos e bases teóricas não são capazes de "salvar" uma gravação de voz, seja ela em estúdio ou em casa. Para ele, é preciso que o cantor seja realmente bom, criativo, musical e competente. "Muitos profissionais acreditam que para alcançar um resultado fantástico na gravação de uma voz é necessário ter à mão um supermicrofone e um super pré-amplificador, bem como mesa, sala e estúdio sensacionais. Isso é balela! O bom gosto será sempre mais importante do que tudo isso que citei. Não adianta de nada um cantor desafinado, uma melodia errada, uma interpretação fria e uma letra sem emoção com tudo do bom e do melhor em termos de conforto e equipamento", conclui.
 
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