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Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
"O que ele usou?"
Hahahahaha Pois é! Todos bem?
Enrico De Paoli
Publicado em 09/01/2013 - 23h37
É a primeira vez que eu começo nossa última página rindo assim. Mas não é primeira vez que vocês ouvem esta pergunta. Afinal. "o que ele usou?". Vocês vão em um show e no dia seguinte encontram um amigo e começam a comentar o som, a mix (o show em si, não! rs). Não demora muito até o amigo expressar: "o que ele usou?". Se alguém visita um estúdio onde está rolando uma mix com alguém de sucesso, essa velha pergunta volta a aparecer. O engraçado é que "o que ele usou" não faz a menor diferença! É curiosamente semelhante ao hábito que temos de perguntar como está o tempo quando um amigo ou familiar nos telefona de Nova York. Mas que diferença faz, meu Deus? Eu tô aqui, não lá!

Essa inversão de valores não é privilégio da nossa carreira. Fotógrafos passam por isso com frequência ("Nossa! Que foto linda! Qual câmera você usa?"), bem como outros profissionais. É claro que equipamentos bons, como a frase já sugere, são bons! Mas apesar de serem bem-vindos, o segredo para uma boa mix, ou um bom disco, não se encerra aí.

Um arranjo, e sua mix, são uma aquarela de timbres. Porém, a parte mais complicada não é somente a quantidade de variações desses timbres, mas o fato de que eles soam diferentes aos ouvidos dependendo do que está tocando junto com eles e também do que tocou antes. Isso mesmo: nossos ouvidos vão sendo equalizados à medida que vão sendo expostos a eventos sônicos e pressões sonoras. Ah, sim, a aquarela de timbres também soa diferente aos ouvidos dependendo do volume que o ouvinte a escuta e do lugar onde a escuta. Agora pega tudo isso e multiplica por isso tudo. Pronto: essa é a quantidade de variações possíveis de resultados da sua mix. Simples, não? Bem mais simples do que parece depois dessa matemática, acreditem!

Vamos voltar ao "o que ele usou?". O que um profissional de áudio e música usa para fazer um som não determina o resultado final, mas o meio por onde ele passa. Claro que equipamento não é um assunto desprezível! Cada hardware ou plug-in causa uma característica diferente no timbre, e, claro, cada timbre já tem sua sonoridade nata. Muitas vezes o timbre soa muito bem, mas quando junto de outro, e de outro, e de outro, não soa como esperado. Aliás, o timbre continua igual, mas nós não os percebemos da mesma forma, pois existem outros eventos sônicos simultâneos, ou que acabaram de acontecer, que nos levaram a percebê-lo de outra forma!

Como solucionar isso? Não é o caso de "solucionar". Imagine mais uma analogia... Você tem uma camisa vermelha. Bacana! Camisas vermelhas podem ser legais. Talvez com uma calça jeans. Agora você veste uma calça amarela. Pronto: a camisa vermelha continua sendo vermelha, mas, aos olhos de quem olhar pra você, o impacto é outro. E se a calça for vermelha também? O impacto é nenhum. Da camisa, digo, pois você certamente estará bem impactante (e sem graça! rsrs). Ou bem engraçado! O exemplo é meio patético, mas, acreditem, é ótimo.

Sendo assim, já cansei de receber e-mails de gente me perguntando que plug-in eu uso no bumbo (por exemplo). Primeiro, depende do bumbo. Segundo, depende do microfone naquele bumbo. Terceiro, depende da bumbada. Quarto, depende do som do resto da bateria. Do tipo da música. Do som do baixo. Do som da voz. Do som de tudo. "Como? Equalizar o bumbo depende do som da voz?" Claro! Absolutamente. O seu bumbo soa diferente para os seus ouvidos, dependendo do som da voz que canta junto com ele. Completamente diferente. Aliás, não só para os seus ouvidos - para os meus também. Então, se pessoas me perguntam o que eu uso no bumbo, eu já não tenho uma resposta edificante. Imagina quando me perguntam que frequências eu corto no bumbo e qual a velocidade do attack que eu ponho na compressão... Talvez por isso eu nunca tenha escrito um livro-guia sobre mixagens. Porque, para mim, estas respostas não existem.

Se algum dia você perguntar para alguém o que ele usa e ele responder "os ouvidos", não ache que a pessoa está escondendo o jogo. Você ganhou uma resposta ótima e verdadeira. Lembre-se: os ouvidos, por mais treinados que sejam, mudam. Mudam com o que eles ouvem, o tempo todo. A resposta da sua mix está encriptada nestas sensações auditivas.

Enfim. boas mixes!

Enrico De Paoli é engenheiro de música (créditos de Ray Charles a Djavan). Mixa, masteriza e produz em seu Incrível Mundo Studio. Conheça também seu programa de treinamento Mix Secrets. Site:www.EnricoDePaoli.com.
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.