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Revista Luz & Cena
Review
Nei Van Soria - Um Cara Comum (Good Music)
Rodrigo Sabatinelli
Publicado em 09/01/2013 - 23h26
Divulgação
 (Divulgação)
Sem muito rodeio, Um Cara Comum é mais um excelente trabalho de Nei, artista "sem limites", no bom sentido, que vem dando de ombros para preocupações do tipo "vai vender ou não", "vai tocar ou não", "vão gostar ou não", por muitas vezes negativamente determinantes na escolha de "caminhos artísticos mais curtos", porém, não necessariamente mais sólidos. Na real, chamá-lo de disco ou CD é algo quase predatório.

É uma obra incomum - se me permitem o trocadilho -, ousada, cheia de referências bacanas e letras que contam histórias - biográficas ou não - ricas em detalhes, como filmes de Almodóvar. Com 17 faixas, ele mostra, mais uma vez, que, para Nei, importa o todo, e não as partes. Foi assim em Mundo Perfeito, por exemplo, seu álbum (duplo) anterior. Foi assim em Jardim Inglês, outro incontestável "momento" de sua carreira, sempre pautada na verdade.

Seria impossível falar, detalhadamente, de todas as canções escritas e reunidas por ele em mais este presente aos amantes da boa música. Por outro lado, faz-se mais que necessário destacá-las, ainda que de maneira superficial, pra que aqueles que já o conhecem saibam por onde ele tem "andado", e, claro, pra que os que nunca o ouviram tenham a mesma sorte que eu tive, de, um dia, descobri-lo.

A faixa-título, que já circula em vídeoclipe pelas principais redes sociais, é um belo cartão de visitas. De cunho pop, digamos, ela nos convida a mergulhar a fundo no amplo universo de Nei. Tolerância, a seguinte, é outra que merece destaque. Com discreta citação de Stairway To Heaven, do Led Zeppelin, vence não somente pela linda letra, mas também pelo incrível solo de guitarra do próprio Nei sobre a base de um "nervoso" clavinet.

Baco e o Resto de Nós segue o mantra de boas e peculiares crias do artista, tendo como personagens "eu, tu, eles, nós, vós e eles". Nela, Nei conta pequenas e divertidas historinhas, lembrando, sempre, que somos "iguais a todo mundo". "Oh, boy! Oh, boy! O que você anda dizendo por aí?", pergunta o autor em Oh, Boy!, que tem Nei dividindo muito bem entre um piano marcante e, novamente, um solo de guitarra "pegajoso".

Primeira grande balada do disco, Impossível é, sem dúvida, uma das mais bonitas já escritas pelo cara. Com frases cortantes como "eu me agarrei em uma bolha de sabão, que você soprou e disse que nunca ia estourar" e um lindo arranjo de cordas, ela nos leva ao seu passado, mais precisamente ao já citado Jardim Inglês, um disco épico, orquestrado e com referências, naturalmente, do "rico" rock britânico, imortalizado pelos Beatles, outra de suas influências.

Impossível, aliás, antecede outra grande pérola do legado de Van Soria, a delicada Numa Tarde Quando o Sol se Pôs, que conta a história da "garota com cabelos de fogo que nunca perdoou ter sido abandonada, mas não se arrependeu de tudo que viveu naquelas tardes". Na faixa, ele dá um show de interpretação e rouba a cena, dividindo as atenções com a bateria tribal de Fernando Samalea, "objeto" de maior destaque entre os demais instrumentos.

Não Fique Triste, outra boa balada, deixa Nei acompanhado por seu violão e prepara o ouvinte para a curiosa O Amor, que tem a participação luxuosa de Herbert Vianna, com o qual divide os vocais. De clima "praiano", a faixa ainda tem o "paralama" na guitarra, passeando por toda a melodia. O encontro, registrado no Rio de Janeiro, no estúdio de Dado Villa Lobos, é o primeiro de três do disco.

Sai Herbert, volta Nei. E English Song começa dando a impressão de que ele iria tocar Imagine, de John Lennon. No entanto, a entrada de uma única nota muda tudo e a canção segue por outro caminho. Simples e direta, ela é outra que explora suas interpretações particulares, também presentes na imbatível Lonely Ladies, na qual diz: "I believe in love! No one ever taught me to love, but i believe in love".

Levada ao piano, com o suporte harmônico do quarteto de cordas formado por Paula Bujes e Vinicius Nogueira, nos violinos, Gabriela Vilanova, na viola, e Pedro Huff, no cello, O Olhar antecede a "visceral" Poema Desconhecido, que começa delicada e termina numa explosão vocal e instrumental (com destaque para a guitarra de Dado). Uma explosão típica da obra de Nei, que transita tranquilamente entre o silencioso e o ruidoso, sem nunca deixar de lado a riqueza de suas harmonias e melodias.

Dias de Solidão indica que o disco está perto do fim e que, depois de quase uma hora de música, talvez tenhamos que esperar por mais cinco anos para termos, em mãos, um novo trabalho do gaúcho, que em Vaso Quebrado, a faixa seguinte, lamenta a traição de um grande amor. "Eu me sinto como um caco perdido, o nosso amor virou um vaso quebrado...", canta ele.

Outros convidados presentes no disco são Tati Portella, que divide os vocais com Nei em Meus Olhos, e Charly Garcia, que canta, toca hammond, piano, Rhodes, mellotron, glockenspiel e sintetizadores na dançante e pesada Inimigo Oculto, deixando o "adeus" para a folk Bar em Júpiter.

Bem, não sei, de fato, se as palavras que aqui seguiram são capazes de refletir o que Um Cara Comum representa pra mim. Sinceramente, como fã, eu posso até exagerar, mas a tecnologia não me deixa mentir. Conferindo meu iTunes, tomei um susto: ouvi o disco inteiro por 344 vezes.
 
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