O novo álbum de Lenine, Chão, que recentemente teve seu processo de gravação explicitado em matéria da AM&T, chegou aos palcos ainda mais ousado que sua versão de estúdio. Novamente contando com Bruno Giorgi e JR Tostoi, que produziram e "executaram" o álbum com Lenine, o cantor e compositor pernambucano passou e passará, entre 2012 e 2013, por todas as grandes capitais brasileiras, além de alguns países latino-americanos e europeus. Juntos, o trio tem a missão de executar ao vivo as dez músicas inéditas do repertório e transpor para o formato quadrifônico antigos sucessos, como Jack Soul Brasileiro, Leão do Norte e Paciência.
O espetáculo tem a direção de arte, cenário e iluminação de Paulo Pederneiras, do Grupo Corpo, com Fernando Maculan e Gabriel Pederneiras em sua equipe. O francês Dominique Chalhoub é o técnico responsável pela mixagem do PA, enquanto Biggu comanda o monitor.
NO BALANÇO DA QUADRIFONIA
Com um disco pronto e uma turnê em fase de planejamento, Lenine começou a pensar em como levaria ao público toda aquela ambiência e clima intimista da gravação. "Foi muito natural começar a desenhar a arquitetura deste show pensando em tocar em teatros, e com sistema quadrifônico", comenta.
O repertório do show que corresponde ao disco é formado por apenas dez canções, que já nasceram formatadas dentro daquele conceito. "Elas já estavam ali prontas. O bacana do show foi descobrir dentro do meu repertório, de todos os discos, quais eram as músicas que se adaptavam a este tipo de ambientação nova", explica o cantor.
A Rede ganhou um arranjo baseado no ruído do balanço de uma rede de verdade, fazendo com que a audiência balançasse com ela. "O áudio da rede era originalmente mono. Se fôssemos seguir a realidade, o ponto de maior força, quando você está mais rente ao chão, é o de maior barulho. Quando a gente foi reproduzir isso para a plateia, perdeu-se a dimensão espacial, porque o ruído mais alto ficava no centro, entre o L e o R. Nós resolvemos inverter isso", destacou, explicando que, no show, o ruído mais alto fica nas laterais. Quem está sentado no centro ouve primeiro um barulho na esquerda e, depois, na direita.
"Fizemos A Ponte ainda com os registros de Caju e Castanha lá da década de 1960. Candeeiro Encantado com a voz de Othon Bastos retirada de Deus e o Diabo na Terra do Sol [filme de Glauber Rocha]. Todas as músicas que se adequavam a esse tipo de ambientação eu levei em consideração", conta Lenine.
O cantor diz que sempre utilizou estes elementos externos em seus discos. "Mas sempre houve uma adaptação desses discos para os palcos. Ao longo do tempo a gente vai modificando isso. O que eu fiz foi pinçar e resgatar nessas canções os elementos sonoros que poderiam ter este destaque na ambientação. A gente pode brincar com a espacialidade desses sons. O surround não grita, ele não sola, ele está ali como ferramenta de ambientação."
Ele cita ainda a música Trânsito. "Ocorre uma mudança de eixo da esquerda para a direita, da frente para trás, então é uma experiência diferente pra quem está assistindo. No geral, as canções são mais desnudas, sem muito arranjo, e você fica imerso naquela experiência sensorial que tem a ver com a canção do momento."
A VEDETE É A MÚSICA
Lenine é o tipo de músico que procura se envolver bastante na parte técnica de seus shows e discos. "A primeira coisa que eu procuro saber quando começo a fazer um disco é que ferramentas eu tenho à minha disposição, mesmo. Se você tem um bom microfone e um bom pré-amplificador, bicho, é 70% do caminho andando."
Ele admite que a escolha do surround pode significar um caminho mais difícil, além de trazer uma limitação no que diz respeito aos palcos e casas onde se pode tocar, mas mesmo assim resolveu desmistificar esse sistema e resgatá-lo novamente para a música. "Você não precisa ser Roger Waters para trabalhar com quadrifonia", afirma, aos risos.
"Parece que a imagem se apoderou dessa ferramenta do surround, e parece que a música perdeu este recurso. Eu acho que o Chão, mais do que tudo, inverte esta equação. Isso agrega artisticamente para a música. Causa um estranhamento benéfico pra quem está assistindo. O Chão não é um espetáculo para ver e ouvir: é um espetáculo para ouvir e ver. A vedete é a música. É o som", explica.
Ele conclui apontando uma diferença marcante entre o álbum e a turnê. "O disco estabelece um diálogo com a música concreta de Pierre Schaeffer, Pierre Henry, John Cage, Frank Zappa, Hermeto Pascoal. Por outro lado, o show Chão, por ter essa organicidade e estar sendo tudo feito ali na hora, tem algo vivo que faz com que as músicas se transmutem a cada apresentação."
PARA OUVIR E VER
Bruno, que além de músico e produtor, é filho de Lenine, considera um desafio constante levantar tanto as músicas novas quanto as antigas para o show. "Meu pai tem sei lá quantas músicas. Só nos discos dele deve ter bem mais de 80. É natural que depois de dois meses de apresentações ele já queira incluir música nova, que, na verdade, é velha. Músicas dos discos antigos que a gente não pegou ainda."
Desde o primeiro momento, Bruno teve a preocupação com a forma do show e das canções de uma maneira geral. "O show mantém o formato de trio, só que com um dado mais maluco para a parte técnica, que é o quadrifônico. Isso sim está sendo um desafio à parte."
Ele explica que no show um Pro Tools dispara quatro faixas como se fosse um estéreo frontal e um estéreo traseiro sincronizados com o metrônomo. "Todo mundo fica com in-ear ouvindo o click na cabeça. Os elementos que nós não conseguimos reproduzir, como as cigarras e o apito da chaleira, tocam diretamente do Pro Tools. Eles ficam pré-mixados no plano quadrifônico para utilização no show."
O espetáculo possui espaço para improvisação, mas é menor do que em um show normal, com bateria e formação clássica, segundo Bruno. "Como somos poucos instrumentistas, cada um tem uma função muito clara. Se eu parar de tocar baixo, vai parar a música, e o mesmo ocorre com os outros. Nós estamos começando a descobrir o espaço para a improvisação agora, com mais tempo de estrada e com mais tranquilidade", conta.
LÁ E CÁ
Em algumas músicas os loops são peças fundamentais na construção do arranjo. "Tanto eu quanto o JR temos uma mesinha de som no palco, uma Mackie VLZ bem tradicional, com quatro auxiliares. Estes auxiliares estão mandando para alguns delays e loops. Em dado momento vem a guitarra do JR para a minha mesa, eu faço o looping e isso se torna a base da música, por exemplo", conta Bruno.
Os elementos rítmicos são produzidos em tempo real, incluindo os loops, samples e dubs. "Todo mundo com MPC e mexendo um no outro. Por exemplo, em Jack Soul Brasileiro eu faço toda a base rítmica e o JR fica fazendo o loop do meu violão. Eu faço uma base, ele faz o loop e eu já toco outra coisa em cima e a gente vai construindo o arranjo ao vivo", comenta Lenine sobre os arranjos feitos no palco pelo trio.
"O equipamento depende de cada canção, e em cada uma a gente achou um tipo de formato. Para chegar neste resultado houve uma pesquisa, e eu fui atrás de mesas que pudessem comportar este tipo de diálogo. Tem toda uma tecnologia que a gente teve que exercitar. Está sendo muito novo para a gente também", explica o cantor.
Na mesa de Bruno passam a voz e violão de Lenine, a sua voz e as guitarras de Tostoi, entre outros elementos. "Eu loopeio as vozes, principalmente. O JR também pega o violão e a voz do meu pai e loopeia os samples que estão saindo pelo quadrifônico", revela Bruno.
Além disso, Tostoi usa um Stompbox DL4 da Line 6, por meio do qual ele controla os loops e samples, e um Kaoss Pad 2. Já Bruno usa um Kaoss Pad 3 com um Electro Harmonix Memory Man e um Lexicon HardWire. "Com o HardWire eu reproduzo aqueles reverbs mais esquisitos como no disco."
GRINGO NA MPB
Na primeira etapa de shows pelo Brasil e América Latina, a banda optou por viajar sempre com o mesmo PA, duas torres Norton na frente e duas torres FZ Áudio no surround, para garantir a qualidade da quadrifonia. "Temos andado sempre com a mesma equipe de montagem. Isso tem sido um facilitador, mas é obvio que trabalhando com tantas incógnitas, na forma do quadrifônico, a gente sempre se depara com situações esdrúxulas. Por exemplo, um teatro que tem quatro andares. Em casos como este, em vez de usar torres de PA no fundo, são colocadas caixas de monitores em cada andar para manter o surround", exemplifica Bruno.
Dominique conta que Bruno preparou todos os elementos a serem usados ao vivo, bem como os efeitos e ruídos que estavam no disco. "Para mixar eu uso uma Profile da Avid/Digidesign pré-programada junto com o Pro Tools. Utilizo um pouco de reverb na voz, mas não uso nenhum equipamento externo. Todos os efeitos são plug-ins", conta o operador de PA de Lenine.
Não é a primeira vez em que o técnico francês trabalha com som quadrifônico. "Mas no Brasil é a minha estreia com quadrifonia. Estou há cinco anos aqui, mas passei 25 anos trabalhando com áudio na França. Cheguei a fazer muitos shows de teatro em surround. Fizemos muitas experiências."
Ele explica que em espaços abertos é possível colocar quatro torres de line array, mas os teatros muitas vezes não têm altura suficiente na parte traseira, o que dificulta o efeito desejado. "A gente iniciou a turnê com quatro sistemas, mas em Brasília, por exemplo, estava muito aberto, então usamos seis. Em São Luis, também. Depois do posicionamento eu vou virando e alinhando as caixas para manter todo mundo ouvindo a mesma coisa", encerra o técnico.
RIDER DE SOM DA TURNÊ CHÃO 2012
RELAÇÃO DE EQUIPAMENTOS
PA
1 mesa com 48 canais, 10 VCAs, 8 subgrupos, 4 bandas de equalização totalmente paramétrica (Avid/Digidesign, D-Show, Profile, Yamaha PM5D RH)
2 processadores 4 vias (Dolby Lake, Klark Teknik, XTA, BSS ou o recomendado pelo fabricante do PA)
1 CD Player
1 analisador de espetro Klark Teknik DN 6000
PA quadrifônico compatível com o ambiente (capaz de gerar 110 dB de SPL a 25 metros do PA) com front fill (L Acoustics, Meyer, Nexo, DB, JBL Vertec, Adamson)
PALCO
1 mesa de monitor de 48 canais com 24 Aux Sends, 4 bandas de equalização paramétrica e filtro ajustável (Yamaha PM5D RH, M7CL-48CH)
2 Side Fills 4 vias ativo devidamente processados (L-Acoustics, JBL Vertec, Meyer, Nexo)
2 processadores 4 vias para os side fills (BSS, Klark Teknik)
1 sistema de intercomunicação;
12 pedestais, sendo 4 pedestais girafa grandes e 8 pequenos
28 D.I. (passivos - Whirlwind IMP2)
1 ponto de AC 220 volts
8 monitores (EAW, HI Q, Meyer Sound MJF-212, para baixo, guitarra e roadie no backstage)
BACKLINE
Guitarra: 2 amplificadores
Modelos: Fender Twin, Blues de Ville, Blues de Luxe ou Bass Man. Vox AC 30. Mesa Boogie Rectifire Dual ou Head. Marshall -JCM 800 + Caixa Marshall 4x12 ou JCM 900 + Caixa Marshall 4x12
Baixo: 2 amplificadores
Modelos: Gallien Kruger GK 800, Hartke, SWR ou Ampeg + caixa (4 x 10") e caixa (1 x 15")
4 praticáveis Rosco (2 módulos para guitarra e 2 módulos para o baixo)