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Revista Luz & Cena
Arte Eletronica
Sónar São Paulo 2012
Festival mostra rumos da música eletrônica mundial
Christ
Publicado em 06/07/2012 - 15h40
Christ
 (Christ)
Creio que a riqueza musical em terras brasileiras seja incontestável, mas também creio que não poderíamos nos classificar como vanguardistas nesta área, ao menos nos tempos de hoje, e tampouco temos o costume de receber arte de vanguarda em nosso imenso país. Bem, tudo fica diferente quando hospedamos algo como o espanhol Sónar, um evento autointitulado "Festival Internacional de Música Avançada e New Media Art", o que, sem dúvidas, não é exagero algum. Então, o que poderíamos esperar de um evento como este além de muita música e estímulos inovadores? Eu responderia: muita gente antenada e curiosa e bastante tecnologia para dar vida a toda esta arte. No primeiro dia de festival, chegamos a tempo de ver a primeira apresentação do mainstage, o chamado SonarClub, que tinha o artista inglês James Blake como DJ. Bem, o cara faria duas apresentações, sendo esta primeira com foco na discotecagem e uma segunda baseada em seu Live. Segundo alguns amigos que estavam por lá, o seu Live foi excelente, mas como DJ achei-o limitado e sem uma proposta tangível, o que, mesmo para sonoridades mais arrojadas, é essencial. Tendo em mente que a segunda atração desse mesmo stage (uma das principais da noite e uma das maiores de todo o festival) seria a dos grandes mestres da música eletrônica - os alemães do Kraftwerk -, planejei uma fuga rápida até outro palco, o SonarHall, para presenciar algo realmente avant-garde: o sempre impactante artista multimídia Muti Randolph e sua mãe, a pianista Clara Sverner, em uma apresentação que uniu a música vinda do piano a imagens minimalistas trigadas pelos sons do instrumento. Para minha sorte, cheguei na parte atonal do recital, o que fez com que eu me sentisse no vórtice deste festival com propostas tão contemporâneas, vivenciando o tipo de arte que ajuda a construir a imagem do Sónar. Após alguns minutos no SonarHall, voltei para não perder o show dos alemães, e embora eu seja um grande fã e não esperasse muito agito desta clássica apresentação, creio que as imagens 3D não muito atuais (sim, estávamos todos com aqueles óculos legais de papel) e o repertório, digamos, não muito conectado ou planejado, me fizeram sentir que aquela não seria a apresentação da minha vida, sendo que eu já os havia visto em uma outra oportunidade. O ponto positivo foi que desta vez houve mais interação por parte deles no que diz respeito à performance, ou seja, mais elementos foram tocados ou coordenados em tempo real do que de costume. Manipulada pelos quatro músicos em suas bancadas individuais e com a ajuda de seus respectivos controllers, aqueles tracks clássicos mais uma vez tiveram estes "robôs" como seus executores, como em uma paródia, citada musicalmente por eles, de como o ser humano se sente poderoso em operar sua calculadora de bolso. No fim, fiquei muito feliz em vê-los novamente. Depois de uma corrida aqui e ali, dei uma parada no palco SonarVillage para a ver a apresentação do DJ Zegon & Sonidos Unidos Sound System. Zegon (ex-Planet Hemp) trouxe vários artistas para o palco, e estes o ajudaram a criar uma mistura sonora interessante. Toca-discos munidos com vinis de time-code, uma talk box comandada pelo filipino LLoyd Popp e muitas variações rítmicas fizeram desta uma experiência musical com muito groove, apesar de um certo excesso no uso da talk box. Talk box music? Então voltamos ao palco principal para ver o Chromeo e seu electro-funk escrachado. Muito musical e com uma excelente performance, a dupla utilizou um setup que inclui synths clássicos como o Korg MS 20 e o Moog Sonic 6, bem como um Nord Electro, um Nord Modular G2, guitarras, baixos e uma talk box - tudo para que você tivesse a impressão de estar ouvindo uma banda bem maior. Sem dúvidas, uma excelente apresentação e que tirou o pé do público do chão.
Terminado o animada show da competente dupla fanfarrona, paramos novamente no SonarVillage pra ver algo que, apesar de não ser a mais conceitual das apresentações do festival, se tornaria a melhor gig vista por mim dos mestres do drum & bass Mark e Patife. Os DJs brasileiros, que usaram (e abusaram) dos toca-discos (também comandados por time-codes), CD players, mixers e alguns outros brinquedinhos, quebraram tudo. Com um set bastante sofisticado na maior parte do tempo, esta dupla me fez lembrar porque são tão respeitados em todo o mundo. Após ter ficado perplexo com a atuação dos caras e tê-los assistido até a última música (depois de vários sinais da produção para que eles dessem lugar à próxima atração), fui conferir o que Gui Boratto tinha, musicalmente falando, a nos dizer. Em poucos minutos fui me conectando com o live set de Boratto até começar a ser surpreendido por timbres e melodias que fazem justiça ao rótulo que ele carrega: o de ser o maior nome da produção de música eletrônica em nosso país. Para controlar seu Ableton Live, ele utilizou apenas uma APC 40 e o seu bom gosto minimalista, o que, neste caso, é um elogio.
No segundo dia, após algumas circuladas pelo evento, comecei minha jornada com a apresentação do super popular Justice. Muita gente fazendo cruz com bastões neon (uma referência ao primeiro LP do grupo, Cross, e símbolo sempre presente no palco) e muita expectativa para uma performance que prometia vir recheada de surpresas. Embora as coisas não estivessem sendo feitas ao vivo, o "show" foi muito bom. Muitas carcaças de Marshall empilhadas, tubos transparentes que simulavam os tubos de um órgão e uma enorme tela de LED trouxeram ao palco uma apresentação digna de bandas do mainstream, algo não muito comum em uma cena, digamos, alternativa. Como precisava comer, me dirigi até o fim do galpão onde se encontrava o mainstage, enquanto acompanhava de longe a apresentação do Munchi e o seu moonbahton (uma mistura de reggaeton e dutch house). Mas após várias garfadas em meu fuzili, o som parou, e por mais de uma vez. Segundo boatos, o som foi cortado para que houvesse um realinhamento dos horários daquele palco, encerrando prematuramente a apresentação do DJ.

A próxima bordoada (pra mim, uma das melhores apresentações do festival, senão a melhor) foi a exibição audiovisual do Modeselektor. Um som eletrônico maduro com timbragens muito bem colocadas e nada de clichê. Já conhecia o trabalho dos caras, mas o que vi superou todas as minhas expectativas, sendo algo digno de um festival como o Sónar. Como instrumentos, foram utilizados controllers, um Kaoss Pad, um grande mixer, y otras cositas más. Fiquei até o fim, mesmo querendo correr para ver uma outra pancada no estômago, o Squarepusher, o qual, infelizmente, peguei no final, mas que valeu cada um dos segundos passados lá. Finalizamos a noite e o festival com o lendário DJ Jeff Mills. Seu som, um tanto quanto cru para alguns, possui a sua beleza e foi executado com a ajuda de três CD players e de uma (mais do que clássica) TR 909. Mills fechou o mainstage e me deixou com aquela sensação de ter concluído um processo cíclico naquela noite, do contemporâneo às raízes.

Christ é o fundador da Yellow, escola referência no ensino de novas tecnologias aplicadas à música e vídeo. Músico há quase 30 anos, iniciou seus estudos com o piano clássico, tendo atuado no Brasil e Europa. Mais informações no site www.yellow.art.br.
 
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