RSS Facebook Twitter Blog
Revista Luz & Cena
Entrevista
Nas estradas e estúdios da vida
Engenheiro, músico e produtor Luizinho Mazzei conta sua história no áudio profissional
Rodrigo Sabatinelli
Publicado em 11/02/2012 - 21h09
Arquivo Pessoal Luizinho Mazzei
 (Arquivo Pessoal Luizinho Mazzei)
Paulistano de nascimento e soteropolitano de coração, o produtor musical e engenheiro de som Luizinho Mazzei entrou para o mundo profissional da música aos 18 anos. Mas bem antes disso esse amante e dependente de música desde o carrinho de bebê já dava seus primeiros acordes no violão da mãe, aprendia a discotecar com o equipamento de audiófilo de seu pai e fazia grooves em sua bateria, incomodando os vizinhos. Mazzei e AM&T sempre se encontraram na estrada, mas um bate-papo merecidamente mais detalhado sobre sua carreira sempre ficava para depois. "Culpa da falta de tempo", diz ele, sendo esta provocada pela agenda cheia do profissional que, nas inúmeras vezes em que tentamos entrevistá-lo, estava trancafiado em estúdios de gravação e, em outras tantas, percorria o Brasil com artistas operando PA e monitor.

Na tão esperada conversa, feita no final do ano passado, Mazzei contou um pouco de sua história, falou da aplicação ao vivo do conhecimento musical adquirido em estúdios de gravação e da necessidade de ser ágil em estúdio como se é nos shows, salientando que o estudo e a dedicação são sempre necessários - até mesmo para aqueles que já conquistaram o sucesso.

AM&T: Luizinho, você começou sua carreira no áudio no início dos anos 1990, quando estagiou no Mosh Studios, em São Paulo. Como entrou nessa? Já existia um desejo ou foi obra do acaso?

Luizinho Mazzei: Foi obra de Deus! Eu trabalhava na bolsa de valores e estava super insatisfeito, pois meu amor à música sempre falou mais alto. Até que, num belo dia, durante um churrasco de amigos de infância, fui apresentado a um "cara" que era amigo do dono da casa e assistente do Mosh. Ficamos conversando sobre música. Ele contou algumas histórias do estúdio e me encantei. Poucos meses depois, ele me liga dizendo que o estúdio estava precisando de estagiário. Não pensei duas vezes. Fui lá conversar. A Paula, que era a gerente do estúdio na época, gostou da minha empolgação e me deu a vaga. Até hoje sou muito grato a ela e, principalmente, ao Enrico Romano e ao Oswaldo.

Foram pouco mais de três anos de muita ralação, entre estagiário, assistente e técnico. Muito estudo e noites perdidas, porém felizes. Comecei a trabalhar no estúdio mais simples, enrolando cabo. Não conhecia microfones, patchbays, nada, mas sempre fui muito curioso e observador, então perguntava tudo a todos. Consequentemente, as oportunidades foram pintando de acordo com o grau de conhecimento que eu adquiria, e, em pouco tempo, já era o assistente que mais trabalhava na sala principal, juntamente com o engenheiro que mais mixava discos de sucesso na época, o Luis Paulo Serafim. O "LP" é outro cara com quem também aprendi muito. Ele tem um jeito sensível de entender a música e me ajudou bastante. No Mosh, participei de centenas de projetos. Trabalhei com artistas como Roberto Carlos, Jota Quest, Skank, B.B. King, todos os sertanejos, Chico Science & Nação Zumbi e Edson Cordeiro, entre muitos outros. Foi uma época bem bacana.



Como e por que você saiu do Mosh?

Meu último disco como funcionário do estúdio foi um trabalho da Daniela Mercury. Nele, gravei três bases, todos os metais, todas as vozes e participei da mixagem com o LP, deixando tudo pronto para que ele colocasse apenas seu lado artístico. Dias antes do término da mixagem, fui convidado pela Daniela para acompanhá-la na estrada como operador de monitor e também para gerenciar o estúdio que ela mantinha em Salvador. Fiquei como gerente do estúdio por quase um ano e também como sub de Vavá e Kalunga, que eram os técnicos de show. Na verdade, eu caí meio que de paraquedas, pois não entendia de show e, na época, não existia in-ear, a banda era enorme e meu conhecimento de alinhamento era inexistente. Vavá, sempre paciente, deixava tudo pronto para que eu apenas colocasse minha mix. Também sou muito grato pela parceria e paciência dele comigo.

E como era o estúdio da Daniela?

Ele servia basicamente para seus ensaios de tours, suas gravações e as de alguns artistas que eram gerenciados pelo seu escritório. Lá, gravei Márcio Mello, Gal Costa, Carlinhos Brown, entre outros. O som da sala era muito bom, mas o estúdio em si não tinha tanto equipamento, especialmente por não ser um estúdio de locação. Logo, não justificaria um investimento tão alto. Ainda assim, o pouco que tinha era do bom e do melhor.

E a mudança para Salvador foi determinante para que você mergulhasse no universo da axé music, trabalhando com diversos outros artistas do gênero?

Certamente. Ainda no Mosh, cheguei a trabalhar com alguns deles, mas depois que saí do estúdio, acho, sinceramente, que trabalhei com todos eles. Estive muito presente no mercado baiano até, pelo menos, 2006, trabalhando em discos e turnês pelo mundo. Naquela época eu tinha um pouco de receio de excursionar fora do país, pois só escutava histórias ruins de amigos, mas acho que naquele momento a axé music já era respeitada pelos contratantes. Tanto é que, sem exagero algum, posso afirmar que em 99% dos shows que fiz no exterior os equipamentos disponibilizados eram de ponta e o tratamento que recebíamos era excelente.

Você participou da sonorização do carnaval na Bahia por muitos anos. Quais são as principais dificuldades em fazer este tipo de trabalho?

Mixar um trio elétrico é algo para poucos. Poucos fazem bem! Conto nos dedos de uma mão os grandes engenheiros de trio. As dificuldades são as mais diversas: deslocamento de som e reflexão variando de acordo os obstáculos encontrados no caminho, como, por exemplo, mato, vidro, azulejo, cimento, mar e madeira, que respondem em frequências diferentes, são os mais comuns. Mas eu sempre me preocupei com acoplamento, fase e alinhamento, pois acho que esses são os princípios básicos. Se você consegue um equilíbrio entre eles, seu trabalho de mixagem fica fácil, podendo até ser feito em fone de ouvido de alta resolução.

Durante o percurso de um trio, o que muda não é a mixagem nos faders, e sim o alinhamento. Por isso, tento manter ao máximo a minha mixagem equilibrada, pensando em disco, e vou mudando as frequências dos PAs para que não exista nenhum tipo de realimentação e reflexão, causando desconforto e possíveis delays para quem está em cima, cantando ou tocando. É um trabalho bem difícil, porém, a meu ver, mais correto, pois a música não fica prejudicada. Mas isso não serve como regra. Às vezes você precisa aplicar essa técnica e ajustar algo na mixagem, variando de lugar para lugar.

Outra dificuldade que encontro é o alto e incômodo ruído causado pelos geradores. Até me acostumei, mas acho que, por estar ficando velho, é o tipo de situação que talvez não suporte mais. Apesar dos "contratempos", continuo sendo apaixonado pela música, pela cultura e pelo carnaval da Bahia.

Você acha que nossas locadoras de equipamentos para sonorização são bem equipadas ou a estrada ainda está cheia de "roubadas"?

Olha, pergunta delicada. Locadoras de verdade temos poucas, e essas poucas são do mesmo nível das maiores do mundo. Mas o que encontramos no dia a dia da estrada é uma realidade bem distante disso. Infelizmente, a quantidade de locadoras cresceu. Digo infelizmente porque também cresceu muito a falta de mão de obra e de manutenção. O problema é que, cada vez mais, os empresários, produtores, técnicos e aristas estão aceitando essas empresas.



Ter uma boa mesa não significa ser uma locadora de ponta. Eu prefiro um equipamento simples, mas em perfeita manutenção e com mão de obra especializada e eficaz, a um sistema dos sonhos na mão de um incompetente ou despreparado. Hoje posso dizer que essas são as "roubadas". Ou seja, empresas com profissionais mal qualificados, mas não os culpo! Culpo os empresários donos de empresas, que pagam mal seus funcionários, que não oferecem treinamento direcionado e acabam tendo que aceitar qualquer pessoa respondendo por um sistema de milhões de dólares. É um absurdo!

Depois da fase na Bahia, você passou quase quatro anos na estrada com o Jota Quest, que estava no auge de sua carreira. Como foi a experiência?

Pois é. Fui convidado pelo Marcos Soares, produtor da banda na época. Apesar de não me conhecer, tive a indicação de dois nomes de peso. Um deles o Hélber Luiz - na época, produtor da banda, hoje, empresário - e o outro o próprio Rogério [Flausino], que tinha se encontrado comigo meses antes, durante o carnaval de Salvador, onde paramos para conversar e trocamos telefone. Esse encontro no carnaval foi, na verdade, um reencontro, afinal de contas eu gravei o primeiro disco dos caras, em 1996, quando ainda eram independentes. De início, o convite havia sido feito para assumir o PA. Além disso, eles me pediram um nome para o monitor. Porém, como o profissional que eu indiquei estava ocupado, eles resolveram me deixar no monitor e manter o operador de PA, que já conhecia muito bem a sonoridade da banda.

Durante esse período, além dos shows, eu fazia todas as gravações no estúdio, ajudava no planejamento da turnê e, eventualmente, quando tocávamos em casas menores, nas quais não havia condição de se colocar duas mesas, operava o PA. O legal é que eu sempre gostei muito da banda, e tinha a mão e o ouvido para o que eles gostavam de ouvir, logo trabalhar com eles era algo muito prazeroso. Criamos uma relação muito boa dentro e fora dos palcos. Tanto é que até hoje somos bons amigos. O Rogério, inclusive, é meu padrinho ausente de casamento, pois no dia em que casei, ele teve que fazer um show com a banda.

Você falou da gravação do primeiro disco do Jota Quest, lançado em 1996, época em que saíam de cena os ADATs e entrava o Pro Tools. Na sua opinião, qual era o real valor da tecnologia para as produções que vinham sendo feitas?

Na real, essa mudança veio antes. No próprio disco do Jota, produzido pelo [Dudu] Marote em 96, o Logic já era uma realidade. E como gravei quase o disco inteiro, acabei aprendendo por osmose a trabalhar com o programa, mas confesso que depois disso não cheguei a praticar. Em 2001, acabei fazendo toda a pré-produção de outro disco da banda e iniciei suas gravações, mas tive que sair do trabalho.

Acabei indo fazer uma tour com a Britney Spears. Entre gravação, mixagem e masterização, foram cerca de cinco meses, tempo que me dediquei integralmente aos shows com a cantora. Toda a parte de produção do disco (do Jota) foi feita no Logic e no Pro Tools, no qual acabei apanhando um pouco, pois estava enferrujado das gravações, ainda mais com o adendo do digital, já que, durante essa transição, me encontrava, especialmente, na estrada.

Alem da turnê com a Britney, você trabalhou com o grupo Concrete Blonde. Essas experiências mostraram diferenças muito grandes do ponto de vista tecnológico entre a estrutura de shows do exterior e a dos nossos daqui?

Na Britney, eu fazia monitor da banda. Ela tinha um engenheiro exclusivo pra ela. No Concrete, fazia monitor e ajudava o técnico de PA a desenvolver o sistema de gravação para toda a turnê, o que resultou em um disco duplo ao vivo. A estrutura do Concrete Blonde era simples, pequena e funcional. Nada de extraordinário. Usávamos duas PM4000, uma no monitor e outra no PA, de onde via direct out, em um gravador Alesis, eram gravados os shows.

Na Britney eu não fazia nada! Na verdade fiz durante os ensaios, que eram puxados e totalmente sincronizados. Isso resultou em uma tour em que tudo funcionava exatamente igual em todos os shows, o que nos dava uma segurança, uma tranquilidade.

A equipe era fabulosa. Um tomava conta de um setor e entregava tudo pronto para o seguinte. A gente trabalhava com dois assistentes, um de sistema e um com a banda. Meu trabalho era somente mixar. Não precisava cuidar de rack, fone, pilha, nada. Eu era um músico e meu instrumento uma console Midas XL4, com alguns compressores Empirical Labs, Tube Tech, Summit, API, Neve e DBX, que utilizava para bateria, baixo, guitarra, violão, vocais e os dois microfones dela, mais o piano, já que o restante vinha do Pro Tools. De efeito, usava uma 480 e uma PCM70, da Lexicon, um M5000, da TC Eletronic, e um Harmonizer 3000, da Eventide.

Apesar de utilizar os 48 canais de entrada, era um trabalho tranquilo, pois o que variava de volume já tinha automação pronta dentro do sistema, então os grupos que recebia já estavam sempre prontos. Isso facilitava a nossa vida. Da minha mesa eram gerenciados todos os in-ears da banda - ao todo, eram oito músicos - e o side fill, utilizado para o ballet, somente com o Pro Tools e as vozes da Britney. A mão de obra lá não é melhor ou pior - é diferente. Aqui, somos poucos e fazemos de tudo e tudo acontece bem rápido. Lá, não: cada um faz somente o seu, e o que cada um se propõe a fazer é feito com maestria.

No exterior, aprendi como realmente se faz um show de verdade. Lá, tudo é muito levado a sério, pois se trata de uma grande indústria de entretenimento e show business. Em termos de sonorização, estamos no mesmo patamar. O que nos falta aqui são projetistas e engenheiros de sistema. Acho que temos uns cinco de verdade no Brasil e um deles não é brasileiro. Onde perdemos e feio é na parte de negócios, logística e palco. Nossos palcos são medíocres perto dos utilizados pelos americanos, por exemplo. Aqui, demoramos semanas para montar um palco ruim. Lá, são horas para montar um mega palco. A visão empresarial dos caras é bem distante da nossa. Aqui, empresário quer ganhar. Lá, empresário quer investir para ganhar depois!


Uma vez, no cathering do Festival de Montreux, estava conversando com o tour manager do Aerosmith e perguntei por que uma estrutura tão grande e se eles levavam aquilo pro mundo inteiro. Ele foi simples e objetivo. Disse: "aqui a gravadora investe e o empresário também. Por que? Se eu fizer um show bonito, o consumidor que não tem o CD vai amanhã na loja, compra e se torna mais um fã da banda. O consumidor que é fã conhece o CD e quer ouvir ao vivo o que está no álbum do jeito que está no álbum, somado a isso o atrativo do visual. Então, precisamos nos preocupar com um som perfeito e um visual que chame sua atenção, para que continue fã e que justifique seu investimento". Isso foi em 1999. Naquela época, as gravadoras, já visando uma possível crise de mercado, investiam em shows para que pudessem ganhar através deles também.

Por que você decidiu parar com a estrada em 2003 e retomar as gravações e mixagens?

Estava cansado. De 1997 a 2003 trabalhei com a nata dos artistas nacionais e internacionais, mas fiquei sem saco. A paciência foi embora. Fiquei com saudade de passear com o cachorro domingo às oito da manhã e de ficar perto da minha família. Mudei meus valores, sabe? Mas quando se gosta de verdade, fica difícil se ausentar por muito tempo.

O Kiko Zambianchi era meu vizinho e, um dia, ele me convidou para viajar com ele. Por gostar do seu trabalho e ser um baita cara bacana, acabei aceitando. As viagens eram mais um lazer do que trabalho mesmo. Nós ficávamos tocando violão, jogando video game, conversando, era divertido. Aí surgiu o convite do Maurício Manieri para assumir os seus monitores, que, na época, eram comandados pelo [Paulo] Farat, que estava de mudança para o Capital [Inicial]. Acabei aceitando, e como o Maurício tinha uma agenda tranquila, resolvi voltar para os estúdios. Mesmo porque se não aprendesse o novo formato de trabalho e de mercado teria dificuldade em voltar mais tarde e me adaptar. Durante o tempo em que fiquei no Manieri, acabei fazendo de tudo: monitor, PA, gravação, mixagem, produção de show e de disco.

A equipe de produção era o Maurício, o Marcelo, seu irmão, e o Igor Arthuzo, que acabou saindo logo que finalizou um de seus discos. Como eu era muito próximo ao Marcelo, acabei assumindo a parte técnica da produção deles. Meses depois, com o falecimento do Marcelo, o Maurício me convidou para ajudá-lo na parte de produção juntamente com um parceiro deles das antigas, o Fabrício Miguel. Eu sempre fui do pensamento que som de disco tem que ter o mesmo som ao vivo, então, como o Maurício sempre gostou muito do meu trabalho, sugeri que levássemos a sonoridade do disco para a estrada, com todos os seus efeitos e timbres. Ele curtiu a ideia. Então projetei isso e deu certo.

Viajava com um rack com sete máquinas de efeito, tudo muito dinâmico, e o que não tínhamos no palco, coloquei dentro do Pro Tools. Em pouco tempo, o som do PA era 100% o som do disco. Era maravilhoso! Com essa interação toda, acabei sendo convidado pelo próprio Maurício e pelo Fabrício para produzir o disco com eles. Foi um disco em homenagem ao Marcelo, um trabalho muito emocionante e recompensador. Fazer parte de tudo aquilo ali foi, acima de tudo, um grande presente.

Foi nessa época, que você passou pelo Nossoestúdio?

O Nossoestúdio sempre foi e será sinônimo de excelência em captação. Nunca ouvi nada próximo. A sala tem uma sonoridade única. Os artistas que por lá passavam eram super exigentes e conhecedores de arte. Acho que em todo o tempo em que fiquei na casa, mais da metade dos trabalhos eram com artistas internacionais, de instrumental e jazz. Era um presente para os ouvidos. A história da "Família Nossoestúdio" é muito forte com os grandes músicos de fora. A Carla Pop foi produtora de shows internacionais. O Dudu Souza foi produtor da Chaka Khan, diretor da Columbia Records, tocou com Steve Gadd e John Patitucci, e a Luciana Souza é uma das maiores cantoras do mundo. O Farat gravou com ela um trabalho que foi indicado ao Grammy americano. Dois anos depois, foi a minha vez.

No estúdio, você era indicado a Grammys e, na estrada, viajava com diversos artistas. Lembro que nos encontramos muito por aí, quando você operava os monitores da Margareth Menezes.

Verdade! Minha passagem pela equipe da Margareth foi bem engraçada. Fui convidado para fazer o monitor do DVD dela e, faltando poucos dias para o show, também acabei assumindo a gravação. Imagine, em um DVD, você se desdobrando em dois, tomando conta de gravação, banda, artista e convidados. Foi loucura, mas deu certo. Acabou que também mixei o DVD e entrei para a equipe fazendo monitor.

É interessante como tenho muito esse lance de fazer os discos dos artistas para os quais também opero monitor. Acho que o meu lado musical somado ao técnico ajuda muito nesse aspecto. Eu acabo, no fundo, passando uma segurança maior para o artista, o que é fundamental, acredito. Na Margareth, fiquei exato um ano, mas como ela tinha uma agenda cheia e eu havia acabado de me casar, resolvi ficar por São Paulo e saí da equipe. No entanto, eventualmente, fazia shows esporádicos no Rio e em São Paulo. No ano seguinte, acabei sendo convidado para fazer seu monitor durante o carnaval e fiquei fazendo os seus shows por alguns meses.

Mesmo resistente a uma volta para a estrada, você ainda trabalhou com Lulu Santos, um artista que parece não se cansar de fazer shows.

Pois é! Tive o prazer de trabalhar com o maior hitmaker da história da música brasileira, que tinha ao seu lado músicos excepcionais e uma equipe super afinada! Fora a vantagem de viajar sempre com um sistema nosso. No fundo, não tocávamos muito, e isso me possibilitava continuar fazendo projetos em estúdio. A organização e união da equipe era o ponto alto do trabalho. Fazendo com que a tensão do show ficasse de lado. O Lulu é um cara muito esperto e observador. Fala e pede com pertinência. É um pouco difícil lidar com ele, mas a experiência em si é enriquecedora, por se tratar de um artista exigente. Ele arranca tudo que você sabe e tem de melhor. Isso é muito bom! Acabei saindo de lá, pois, simultaneamente, comecei a fazer o PA do NX Zero e estava envolvido como DVD da Cláudia Leitte, que me consumia bastante.


Voltando bastante no tempo, de onde vem sua paixão por equipamentos? Quando começou a comprar coisas e quando montou seu primeiro sistema de gravação em casa?

Tudo isso vem de criança. Meu pai, apesar de engenheiro civil, era um maníaco por música. Meu primeiro presente, ainda bebê, foi um radinho AM, que vivia pendurado no meu carrinho. Quando passeávamos pelas ruas do bairro, o radinho tinha que estar ligado, e sempre com música. Quando aparecia um locutor, um comercial, eu começava a chorar. Até o meu pediatra disse um dia: "é, Seu Luiz... hoje o senhor deu um radinho de pilha, amanhã terá que dar um estúdio de presente".

Meu pai tinha um sistema Sansuy com equalizador digital, reverb de mola, gravador K7 de quatro canais, 1/4 de polegada de oito canais, amplificadores robustos e potentes e pickups Technics. Todo final de semana era música das oito da manhã às oito da noite. Depois, pegava um rádio que ele mesmo havia montado, ia para a cozinha, colocava uma antena enorme do lado de fora da janela e ficava buscando rádios estrangeiras. Era divertido. Com isso tudo, fui ficando curioso e aprendendo a mexer. Mais tarde, "roubei" esse equipamento e comecei a dar as festinhas no prédio e no bairro.

A primeira "mesa de som" que comprei foi uma Wattsom, de oito canais, que era, justamente, para as festas. Entrava ali o K7, as pickups, o gravador de rolo. Tinha tanta música que era possível tocar por uma semana inteira sem repetir nenhuma track! Eu comprava muitos discos e muitas fitas K7. Fora que já tinha uma bateria, dois violões, um teclado e um contrabaixo em casa, além do acordeon da minha mãe, que também sempre foi amante de música. Minha família sempre foi apaixonada por música. Já profissional, meus primeiros equipamentos foram um G3 Blue, uma Digi001 e um par de monitores Attack. Comprei para ajudar um "amigo" em um disco e acabei me ferrando. Ele vendeu uma música para a Xuxa que eu havia mixado junto com ele e não recebi um centavo por isso. Ele tinha sempre uma desculpa. Se ele estiver lendo isso, vai se lembrar. Só que hoje ele está quebrado e a gente "tá aí!".

Tendo vários equipamentos e possuindo experiência no gerenciamento de estúdios, não foi muito difícil parar na sociedade da unidade móvel do NaCena, correto?

Exatamente. Já tinha a experiência de gerenciar o Canto da Cidade, da Daniela, e o Nossoestúdio, do qual fui sócio por dois anos. Na verdade, eu já era parceiro do NaCena, sempre levando meus trabalhos para lá, onde sempre fui bem atendido e gostava da equipe e dos equipamentos. Um belo dia, um dos sócios do estúdio, o Hebert Motta, me pediu um orçamento para montar uma unidade móvel. Ele estava fechando um projeto e me pediu essa ajuda. Meses depois, me comunicou que havia fechado e que me queria à frente dos negócios. Foi aí que o outro sócio, André Hamoui, sentou comigo para, juntos, desenvolvemos um planejamento e abraçarmos a ideia.


Começamos, e, em pouco tempo, gravamos os DVDs do Pato Fu, vencedor do Grammy, da Pitty, com seu projeto Agridoce, e da dupla Allan e Alisson. Fora a gravação e a transmissão ao vivo dos shows de bandas como NX, Cine, Restart, Chimarruts, Fresno e Skank. Hoje, somos os responsáveis pelo projeto Rumos Música, em parceria com a Polar Filmes, de Joana Mazzucchelli e Gisa Locatelli. O André responde pelas áreas comercial e técnica e eu pela parte artística e técnica.

Atualmente, como é a sua vida? Você se divide entre a estrada com o NX, o NaCena e suas produções?

Hoje, graças a Deus, posso dizer que vivo o melhor momento da minha carreira. Não consigo ter dois dias de folga seguidos há muito tempo. Atualmente, opero os monitores do NX, que tem uma média de seis shows por mês, e fico trabalhando no NaCena, tanto na UM quanto no estúdio e nas produções dos meus trabalhos. Tenho feito discos pelo Brasil inteiro, e é impressionante como temos artistas talentosos ainda no anonimato. Também montei uma sala de produção em casa, na qual posso fazer toda parte de produção e arranjo. Meu sistema também me possibilita realizar as mixagens que chamo de E-mix, quando o cliente não tem a possibilidade de acompanhar tudo de perto, devido a distâncias geográficas. Utilizo Logic Pro e Pro Tools para produção, edição e mixagem, e hardwares Avid, Mytek, Apogee, Neve, API e SSL customizado pela Canil Audio, que, diga-se de passagem, é melhor do que o original.

Resolvi montar uma estrutura tão grande, primeiramente, pela paixão. Depois, pela demanda em edição. Aí, pesquisando, comecei a ver que o mercado americano já estava dessa forma, que muitos engenheiros e produtores tinham seus estúdios e que faziam trabalhos à distância. Nessa mesma época o Carlinhos Freitas já trabalhava muito com sua E-master. É impressionante a quantidade de artistas de fora de São Paulo que trabalham comigo, mas poucos têm orçamento para passagens, hotéis, sala de mixagem e mais o engenheiro. Então, ofereço isso aos meus clientes. Tudo o que um grande estúdio tem, eu tenho em casa.

Na sua opinião, o que faz diferença na vida de um profissional do áudio, ser bem informado tecnicamente ou entender de música?

Penso que todo técnico de som, engenheiro ou produtor deveria ser músico ou, no mínimo, musical. Numa gravação, a versatilidade faz toda a diferença, afinal de contas, nem sempre os mesmos microfones, pré-amplificadores e compressores servirão para estilos de músicas diferentes. As compressões que utilizo, por exemplo, são "musicais". Costumo aplicá-las de acordo com a "respiração" das músicas, então acabo mudando tudo o tempo todo. O bom técnico, aliás, precisa estar sempre atento a isso. Particularmente, não sei nem soldar um cabo e não tenho o menor interesse pela parte eletrônica da coisa, mas gosto de gravar acompanhando a partitura, de saber o que está acontecendo na música, até mesmo para melhor utilizar as minhas ferramentas.

E como é a sua relação com a música dentro e fora dos estúdios?

Gosto de música, respiro música e vivo para ela. No meu iPod tem de tudo um pouco, e mesmo que eu não ouça tudo o que tenho guardado nele, sempre que sou convidado para gravar algo que não conheça ou com o qual ainda não tenha tido experiência, já chego preparado, familiarizado com os timbres, com a sonoridade. Esse conhecimento é útil para as partes técnica, operacional e artística de uma gravação.

Teria alguma dica para os novatos?

Acredite em seus sonhos. Tudo é possível, desde que exista determinação, fé, estudo e comprometimento.


 
Conteúdo aberto a todos os leitores.