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Revista Luz & Cena
Tecnologia
Som com pressão
Os usos e abusos de compressores de áudio
Fernando Barros
Publicado em 04/12/2011 - 08h30
Divulgação
 (Divulgação)
Alvo de muita controvérsia, a compressão tem sido uma pauta cada vez mais recorrente nas discussões técnicas da área, principalmente após a digitalização de todo o processo de produção e reprodução de músicas e outros conteúdos sonoro. Seja ao vivo ou em estúdio, nos iPods ou na guerra de volume das rádios, os compressores sempre estarão presentes, cabendo aos profissionais fazer bom uso da ferramenta, tanto estética quanto tecnicamente. A AM&T conversou com alguns nomes do áudio nacional a fim de esclarecer alguns pontos importantes sobre a questão.

NA FONTE

Os compressores são ferramentas muito mais complexas e poderosas do que pode imaginar quem pensa nelas apenas como simples niveladores de volume. O técnico de áudio Enrico De Paoli, que atua tanto em estúdio quanto na estrada, admite que em som ao vivo não é possível perceber todas as nuances dimensionais que um compressor causa em um canal de áudio. "Um compressor ao vivo tem realmente mais a função de ajudar a nivelar a dinâmica de um instrumento ou voz. Já no estúdio, as possibilidades, sim, são infinitas", afirma o profissional, que assina a seção Lugar da Verdade, da Áudio Música & Tecnologia.

Para Álvaro Alencar, técnico que já trabalhou com nomes como Maria Rita, Lobão e O Rappa, compressores são, principalmente, as ferramentas que permitem levar "para a frente" detalhes do som de um instrumento ou voz. "Detalhes que existem ao natural, mas que por força da soma de elementos em um espaço reduzido, de omni para estéreo, se perdem na gravação", ressalta. Para ele, o uso do compressor é a forma mais natural de trazer grão e riqueza para uma mix, sendo que ainda existe outra, e, inclusive, melhor compreendida, aplicação para o uso do recurso.

"A grosso modo, os compressores têm um papel no controle da dinâmica de um instrumento, grupo ou até de toda a mix. Isso permite manter a clareza do som mesmo em momentos de dinâmica mais baixa, sem que o outro extremo gere distorção. No geral, os técnicos procuram a valorização de timbres, clareza de performance, respeito à dinâmica da faixa e, é claro, volume."

Mesmo com essas vantagens, Álvaro faz questão de alertar sobre os perigos do abuso na utilização desta ferramenta. "O uso abusivo pode trazer a pasteurização dos timbres e das dinâmicas, tornando a faixa sem vida. A perda de graves, que é uma consequência natural da compressão, deve ser administrada", afirma, lembrando que eventuais perdas sonoras podem simplesmente destruir a "alma da performance" de uma gravação.

Em relação ao emprego em diferentes estilos musicais, na opinião do técnico não há razão para não fazer ritmos como o jazz e o blues se aproveitarem dos benefícios que o uso equilibrado de compressores pode trazer. "Sem falar que na música pop e no rock é essencial", afirma. "Nem sei qual veio primeiro em matéria de compressão."

Fernando Sanches, que além de técnico, também é músico (Fernando é guitarrista da reformada banda HC O Inimigo e ex-baixista do CPM22), comenta que costuma usar pelo menos um limiter quando grava instrumentos nestes estilos mais tradicionais. "Quando o som da banda é muito livre, improvisado, e eu estou gravando direto para o computador, costumo usar um limiter em algumas coisas para não perder nenhum take por causa de uma clipada. Quando gravo para fita, quase nunca uso. Talvez um pouco na voz, no bumbo ou quando eu realmente quero escutar a compressão", destaca Sanches, que é um dos donos do estúdio paulistano El Rocha.

Já para estilos mais modernos, ele afirma ter nos compressores grandes aliados, principalmente em plataforma digital. "Gosto de escutar bons compressores e seus artefatos. Me agrada muito o som do 1176LN, LA-2A, LA-3 da Universal Audio e o Empirical Labs Distressor."

É muito comum serem aplicados compressores já no momento da gravação. Em fita analógica, instrumentos como bumbo, caixa, baixo e a voz acabam passando por este periférico. "Quando é direto no computador, quase sempre uso um limiter ou uma compressão de ratio bem alto, como 10:1 ou 12:1, no bumbo e na caixa, com algo mais suave no baixo, na guitarra limpa e na voz. Às vezes, gravo os microfones de ambiência da bateria com muita compressão. O Led Zeppelin é um exemplo clássico de como um bom limiter num violão de blues pode ser ótimo", afirma Fernando.

Mas Sanches também sublinha a existência do lado negativo ao destacar que, se feita de maneira errada ou diferente do gosto do profissional, a compressão pode trazer prejuízos graves. "Uma compressão errada no microfone da caixa pode acabar com seu som de bateria, trazendo muito vazamento de hi-hat. Geralmente, quando sei que não vou mixar o material que estou gravando, sou muito mais 'mão leve' na compressão, pois aquilo que funciona para mim pode não funcionar para o outro técnico."

CORREÇÃO E ESTÉTICA

Para Carlos Mills, técnico de áudio que já trabalhou com Gilberto Gil, Milton Nascimento e Erasmo Carlos, os compressores podem ser usados em uma mixagem tanto com o objetivo corretivo quanto estético. "No primeiro caso, busca-se manter o material dentro de uma faixa dinâmica adequada para a música. O material comprimido, por exemplo, a voz de um cantor, deve ficar audível nas passagens mais suaves, com plena compreensão da letra que está sendo cantada. Nas partes de maior pressão, não deve ficar excessivamente alta", explica.

Ao conter as partes de maior pressão sonora, o compressor mantém o material gravado dentro da faixa dinâmica ideal. "Um exemplo de compressor adequado para este uso, por sua característica de eficiência e transparência, é o existente no channel strip Avalon 737 SP", exemplifica Mills.

No segundo caso, quando a ideia é o uso estético, ele aponta que são mais valorizadas as características de timbres de determinados compressores para dar uma sonoridade especifica às fontes comprimidas. "Por exemplo, o compressor analógico UA 1176, utilizado para dar ênfase em alguns casos, pode emprestar uma sonoridade roqueira às fontes aplicadas."

Para Mills, no jazz os compressores normalmente são utilizados de modo a interferir minimamente no timbre dos instrumentos. "O ideal é utilizar uma compressão transparente, que apenas mantenha o programa em equilíbrio estético. Em geral, o jazz comporta uma grande faixa dinâmica, indo do piano ao fortíssimo em uma mesma canção. Já no blues, compressores valvulados são bem-vindos para atingir a sonoridade clássica do estilo."

Do ponto de vista prático, a compressão pode ser aplicada de diversas maneiras durante a mixagem: por insert, ou seja, direto no canal; em paralelo, somando o sinal comprimido ao não comprimido; ou mesmo o ducking, quando o som de um canal é usado para mudar o nível de outro canal, o que é muito usado para criar efeitos interessantes em reverbs e delays prolongados. Fernando Sanches comenta que durante a mixagem sempre busca um som diferente, além de utilizar a etapa para regular as dinâmicas. "O buss compressor na saída do console me ajuda a grudar mais um instrumento no outro", aponta.

ENTENDENDO A COMPRESSÃO

Todo material musical possui variações de dinâmica, ou, em outras palavras, algumas passagens em que o som é fraco e outras em que é forte. Isto acontece também em áudio não musical, como locução. Em estilos como a música clássica e o rock progressivo, a dinâmica é parte fundamental do contexto, mas em outros, como a música eletrônica e o rock mais pesado, há pouca ou quase nenhuma variação de dinâmica. Como a nossa percepção auditiva "tira uma média" do nível sonoro ao longo do tempo, quando ouvimos certas músicas temos a sensação de que o som está mais alto.

Dependendo da situação, as variações de intensidade podem ser indesejáveis. Por exemplo, um palestrante que não mantém constante o nível da sua voz talvez não seja ouvido corretamente pela audiência. Em outros casos, pode ser preciso reduzir a faixa dinâmica do áudio para adequá-lo a um meio de transmissão (ex.: transmissão de rádio).

O compressor é o dispositivo eletrônico (ou recurso de software) que é usado para diminuir as discrepâncias de nível no material de áudio. Ele reduz a faixa dinâmica, diminuindo proporcionalmente os níveis mais altos, e com isso permite que sejam aumentados os níveis mais baixos. A aplicação do compressor pode ser global, isto é, na mixagem inteira, ou individualizada, em instrumentos e vozes. No processo de compressão, o nível do sinal de áudio é medido na entrada do compressor, e sempre que ele ultrapassa um determinado limiar (threshold), o ganho do sinal na saída é reduzido, obedecendo uma proporção (ratio) previamente ajustada. Por exemplo, com um ratio de 2:1, quando o sinal de entrada estiver acima do threshold, o sinal de saída só aumentará a metade do aumento da entrada.

Quando usado individualmente em instrumentos, os resultados do compressor podem ser mais complexos se é tirado proveito do seu tempo de resposta. Com diferentes ajustes de tempo de ataque (tempo que o compressor demora para atuar), pode-se obter não só diferentes nuances de dinâmica, mas também destacar ou suavizar transientes e alterar a qualidade tonal do ataque do instrumento.

COMPRESSÃO NÃO É REGRA

Outro campo de atuação da compressão é a etapa final da produção da música: a masterização. Fernando Sanches comenta que costuma usar alguns estágios de compressão multibanda e um brickwall limiter no fim de tudo, mas mais uma vez aponta para o perigo do uso inadequado. "É muito comum você escutar discos atuais em que o excesso de compressão deixou tudo sem vida, sem dinâmica. O Death Magnetic, do Metallica, é um bom exemplo disso. O metal não é um estilo com muita dinâmica, mas ali eles passaram do ponto", afirma.

Mills destaca que em arte não existem regras e que o mais importante é utilizar o bom senso e o bom gosto. "Dependendo do estilo musical, pode acontecer compressão na master. Em meus projetos pessoais não comprimo na masterização. Há, inclusive, um artigo de Bob Katz, traduzido por mim e publicado na AM&T, que esclarece bastante a questão da compressão na masterização", reforçou o técnico. "Não masterizo, mas diria que, seja compressão, seja limiting, masterização implica em um controle de dinâmica. Quanto à compressão prejudicar, na minha opinião, a masterização é onde não dá pra enganar. Não sabe, não faz", completa Álvaro.

A BARULHENTA GUERRA DAS RÁDIOS

Outro assunto muito comentado hoje em dia é a compressão cada vez maior das transmissões das rádios. O preço desse aparente ganho de volume pode ser o comprometimento da qualidade musical, algo que também se pode notar em álbuns, principalmente em estilos mais comerciais, justamente por serem "feitos" para soar "radiofônicos". É importante notar que existem outras maneiras de tornar uma faixa mais "radiofônica" sem que seja necessário abusar da compressão. A automação, cortes de frequências específicas e o correto uso do panorama estéreo podem ajudar.

Para Fernando Sanches, existe uma ideia errônea de que uma música supercomprimida soa melhor na rádio. "Na verdade, ela vai soar pior, pois a rádio vai passar tudo para MP3 e mandará para um limiter insano, fazendo com que o pouco da dinâmica do som que restava seja perdido. Se você mandar a coisa super 'amassada', a rádio vai amassar ainda mais. Se você preservá-la, principalmente na master, todos os processos da rádio serão menos prejudiciais. Basta escutar alguma música dos anos 1980 ou do começo dos 1990 no rádio e constatar como soam mais agradáveis do que as de hoje", explica.

Carlos Mills concorda que material muito comprimido não soa bem no rádio e afirma que as músicas podem acabar soando mais baixas e distorcidas. "Na verdade, a melhor forma de se fazer boa música para rádio é não comprimir nem limitar exageradamente. Esta boa prática mantém os picos típicos e os volumes médios tradicionais que vêm funcionando há quase 100 anos nas transmissões radiofônicas", completa.

Marcelo Roma, supervisor de operações do Sistema Globo de Rádio, conta que as rádios de notícias costumam ter processadores com compressão bem mais suave, diferentemente das rádios musicais. "O compressor na CBN, por exemplo, é aplicado apenas para segurar um pouco os picos de vinhetas. Os microfones já têm processadores no estúdio e os locutores estão sempre prestando atenção no VU meter para manter tudo em 0 dB. Um processador multibanda como o Orban Optimod tem o papel de segurar o que vem muito alto dos estúdios e levantar o que ficou um pouco baixo, mas também tem muitas outras funções, como ajustar o timbre da rádio."

Marcelo reconhece que algumas músicas chegam à rádio já com muita compressão e acabam sofrendo mais um impacto na hora da transmissão, mas lamenta a impossibilidade de aplicar uma compressão individual para cada tipo de faixa. Para ele, é uma questão de estilo de rádio, além de gosto pessoal. "Existe a briga das rádios em estar com o som mais alto no ar. Se você sintoniza uma rádio com um som mais baixo, a tendência é falar que o som não está bom. Na verdade, isso para mim é um grande mito. Particularmente, acho que se você afrouxar um pouco mais, fica com uma dinâmica mais solta, um som melhor no ar."

Sempre que a direção de todas as rádios em que trabalhou permitiu, Marcelo aplicou este conceito. "Por mais que seja mais agradável a compressão mais suave, existe sempre o receio de que a rádio fique com menos pressão do que a concorrente".

O equilíbrio entre uma melhor qualidade dinâmica e uma pressão sonora competitiva é muito delicado e, infelizmente, não se pode ter os dois plenamente. "Uma rádio com pouca compressão tem mais picos. Uma com mais compressão tem menos picos e, consequentemente, pode ter aumentado o seu volume médio. Como a CBN toca notícia, seu processamento é bem diferente do que é usado na Beat FM, que é musical e, inevitavelmente, como as outras do mesmo estilo, existe mais compressão", complementa o supervisor.
 
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