Nossa edição de número 167, publicada em agosto de 2005, teve em sua capa a imagem de um DJ manuseando apenas um par de toca-discos e um mixer. Hoje, seis anos depois, cenas como aquela já não são vistas com a mesma frequência nos redutos da música eletrônica, seja no Brasil ou no exterior. Afinal de contas, laptops, tablets, controladores e uma infinidade de softwares estão, aos poucos, ganhando espaço ao lado destes equipamentos, que, por muito tempo, foram os verdadeiros - e quase únicos - ícones da discotecagem.
E se o setup dos DJs vem mudando de tamanho e, principalmente, de formato, não é de se estranhar que a maneira de tocar as músicas também esteja passando por "mutações". Diferente do que era regra no passado, quando DJs somente executavam playlists com sucessos do rádio e da noite, agora muitos deles criam e tocam ao vivo seus próprios trabalhos.
São os casos de Mallory Knox, Lutcho, Cuti, Tony Viegas, Laima Leyton, Paulo Guedes e Glen, personagens que, reunidos nesta matéria, falam das mais modernas tecnologias usadas em suas apresentações.
LAPTOPS E PLACAS DE SOM VIRAM ITENS FUNDAMENTAIS
Pode-se dizer que a "revolução" do ofício dos DJs aconteceu quando houve a inserção dos laptops nos setups. No entanto, a chegada desses computadores ao mundo da discotecagem só foi possível porque a matéria prima do trabalho, os discos - antes transportados em enormes cases -, já podiam ser "transformados" em práticos arquivos MP3. Virtuais em todos os sentidos, esses arquivos promoveram uma inquestionável economia de espaço e peso na bagagem dos artistas, além de salvarem a vida dos desorganizados, já que podem ser facilmente armazenados em bibliotecas digitais.
"Sou uma pessoa desorganizada por natureza, e manter minhas músicas no HD tem me ajudado muito", conta a DJ paulista Mallory Knox, que começou a discotecar usando vinis e CDs. Hoje, além das pick-ups Technics MKII e do par de CDJs, ela cai na estrada com seu laptop, um MacBook.
Internacionalmente conhecido por suas performances ao vivo, o DJ de funk Lutcho, que começou sua carreira há 25 anos tocando vinil com um par de MKII, passou a usar, na década de 1990, os CDJs Pioneer. Mas foi em 2006, quando comprou seu primeiro laptop para uso profissional, que se viu diante de um mar de possibilidades.
"Ali, senti que poderia mudar muita coisa na música, principalmente no que dizia respeito às performances", diz ele, que tem, em seu set, dois MacBooks Pro. "Sou da geração do PC, uma plataforma não tão confiável quanto as da Apple. Por isso, quando migrei de universo, não medi esforços e adquiri tudo duplicado. Ter um sistema de standby não é luxo. É segurança", completa.
Mulher do ex-baterista e um dos pilares originais do Sepultura, Iggor Cavalera, com o qual fundou o projeto eletrônico MixHell, Laima Leyton utiliza computadores Mac no estúdio e na estrada. "Em casa, temos um Power Mac e uma interface Digi 003. Nos shows, tocamos com os MacBooks Pro, que rodam os Pro Tools LE e HD", conta.
Mas para que o som dessas plataformas chegue com qualidade nos PAs, é preciso escolher uma boa placa de som. Funcionário da divisão de áudio para cinema dos Estúdios Mega, do Rio de Janeiro, e DJ do projeto Quadramon, no qual toca ao lado do percussionista eletrônico Negalê Jones, Tony Viegas tem em seu set uma ScratchAmp, da Stanton.
"Essa placa é a garantia que tenho de que as mix terão pressão e definição. Às vezes, as pessoas se preocupam em ter bons softwares, mas esquecem da importância de alguns elementos físicos como esse", diz ele.
Para Cuti, DJ idealizador da Rio Parade, a maior parada de música eletrônica da América Latina, a placa Dakota é, dentre as opções, a ideal para uso em estúdios de gravação. "Ela grava simultaneamente 16 canais digitais, algo raro hoje em dia", diz ele, justificando sua escolha pelo item. "Tomara que a Frontier Design continue atualizando seus drivers", completa.
Segundo Lutcho, outra opção interessante é a Firewire Solo, da M-Audio, que, nas palavras do DJ, "melhora consideravelmente a latência de PADs auxiliares, como os do Trigger Finger". Por sua vez, o DJ Glen, que baseia suas apresentações no som techno, aponta a Firewire 410, também da M-Audio, como sua favorita. O modelo, que possui quatro entradas e dez saídas pré-amplificadas, é indicado para estúdios portáteis e também para a criação de um sistema surround 7.1.
SOFTWARES AJUDAM NA CRIAÇÃO E VALORIZAM EXECUÇÃO
Sonar X1 Producer, Sound Forge 10, Ableton Live 8, Battery 3, Traktor Pro 2 - são muitas as opções em termos de softwares para criação e execução de músicas. Na opinião de Cuti, o Sonar é, dentre eles, o mais completo, já que pode ser usado da produção à gravação de tracks. Já o Sound Forge é utilizado pelo profissional apenas em finalizações e pequenos ajustes.
"A versão nova do Traktor é, sem dúvida, a melhor para apresentações ao vivo, pois é fácil de ser manipulada e conta com uma série de novos acessórios. Outra boa opção é o Live, que utilizo para disparar samples em projetos com músicas 100% autorais", diz o produtor, que já criou remixes de artistas como Madonna, Backstreet Boys e Lighthouse Family.
Lutcho afirma que três softwares são fundamentais em um set: os já citados Traktor Pro 2, Ableton Live e o Battery 3. "Mas, além desses", diz, "é interessante ter, ainda, um Track DJ Pro, programa de grande utilidade para disparar arquivos MP3 enquanto as bibliotecas do Ableton e do Battery estão sendo 'carregadas'".
Tony também usa o Live para disparar loops, tocar samples e criar arranjos em tempo real sem a necessidade de renderizar as sessões. "Com o software, é possível criar novos tipos de performances", afirma, de forma resumida.
Fundador do projeto Sinapse, o DJ Paulo Guedes é outro que utiliza o Ableton em seu live PA. Porém, foi com o Logic 5.5.1. que ele começou a produzir. "Criava muito em casa e comecei a frequentar estúdios, sempre com o objetivo de conhecer equipamentos profissionais. Com isso, aperfeiçoei a mixagem e a potência das minhas faixas", diz.
Por algum tempo, Glen usou o Ableton. Nos canais de send do programa, o DJ fazia toda a dinâmica de suas apresentações, trabalhando muito com reverbs e filtros, essenciais para o estilo de música que toca. "Eu roteava minha master em três canais de send, com master presets individuais do próprio Ableton, para deixar o programa bem leve na hora da execução. Depois que parei de usar, transportei alguns de seus synths para o meu setup, que, hoje, conta com dois toca-discos, entre outros equipamentos", destaca ele.
Laima, que produz seus tracks utilizando softwares como o Massive e o Baterry, não opera nenhum programa ao vivo. Ela toca CDs e usa uma MPC, da Akai, para fazer intervenções com samples avulsos. Como complemento, a DJ tem nada menos do que a bateria de Iggor, sempre presente em meio a beats sampleados ou pads da Roland e da Simmons. Essas batidas digitais, tocadas ao vivo, são as responsáveis pelo "ar" eletrônico na mistura com os sons da bateria acústica.
"Nos shows, os beats vêm sempre dele [Iggor]. O improviso, a capacidade de fazer batidas incríveis é algo da sua natureza. Na verdade, nem planejamos muito. As coisas acontecem", diz a DJ, que, eventualmente, também recorre aos muitos efeitos do mixer Pioneer DJM 800 e a um filtro Sherman Rodec.
CONTROLADORES E PROCESSADORES GANHAM ESPAÇO
Na linha de controladores, modelos como Remote 25 SL e LaunchPad, ambos da Novation; Kontrol X1, da Native; V7, da Numark; APC 40, da Akai, e Axion 49, da M-Audio, são alguns dos que mais figuram sobre as mesas dos DJs.
O Remote 25 SL, por exemplo, tem como diferencial o exclusivo recurso Automap, que proporciona controle automático de qualquer plug-in. Um pouco mais robusto que o Remote 25 e com teclas mais "pesadas" ao toque, o Axion 49 é, na opinião de Cuti, o mais indicado para compor. Para apresentações ao vivo, no entanto, as opções do DJ são pelo Kontrol X1 em conjunto com o Traktor 2 Pro e pela "dobradinha" APC 40-Ableton Live.
"O Kontrol X1 controla os efeitos nas músicas no Traktor, e os toca-discos, ligados no Audio 8, disparam as músicas no Traktor via time code. Como resultado, mantenho o prazer de tocar no vinil, agora associado aos recursos de efeitos do Kontrol X1. Já o APC 40 dispara os loops no Ableton Live e o Remote 25 SL serve para tocar elementos e synths junto com os samples", detalha Cuti.
Lutcho e Tony também não abrem mão de seus APC40. Na opinião do primeiro, que voltou de sua última viagem ao exterior com duas unidades na bagagem, o controlador da Akai - desenvolvido em conjunto com a Ableton - é item fundamental para quem trabalha com o Ableton. "Os 64 pads dão muita autonomia ao DJ", afirma Lutcho. Já o segundo conta que utiliza a ferramenta como mesa, controlando samples, alguns parâmetros do Ableton e, claro, os toca-discos.
"Com os seis inputs e seis outputs da placa de som, faço toda a conexão do setup: toca-discos em um input estéreo e os efeitos em um canal de efeitos com send e return, além do master out e do fone de ouvido, todos 'sincados' via MIDI, com exceção do toca-discos, claro", explica. "Posso estender, encurtar ou manipular uma música, tornando mais divertido e dinâmico o processo de construção do que toco", resume.
O Serato, outro controlador que faz a cabeça dos DJs, também vem sendo utilizado na manipulação de vídeos ao vivo. Glen, que, recentemente, adquiriu o equipamento, destaca que, como ele, tudo é feito em tempo real. "E a sensação de controlar os vídeos com o vinil é maravilhosa", diz.
Dentre os processadores, alguns dos mais usados atualmente - além de serem os mais citados pelos DJs entrevistados - são o Kaoss Pad 3 e o Kaossilator Pro, ambos da Korg. Usado por boa parte dos personagens da matéria, o segundo modelo é apontado como o ideal por Glen. "A razão para que seja meu favorito é o fato dele ter desde os drum kits até os efeitos controlados por um pad XY, com LEDs que deixam o setup bem high-tech", comenta.
Tony Viegas engrossa o coro e afirma que o equipamento, compacto, oferece infinitas possibilidades para as execuções. "Cada toque na tela permite ao DJ inserir um efeito diferente em qualquer pista e momento da música", acrescenta.
OS ESSENCIAIS BANCOS DE SAMPLES
Na era da recriação, da cultura do remix, os DJs não abrem mão de ter em seus HDs um bom banco de samples. Nestes bancos, geralmente estão compassos inteiros ou frações rítmicas e/ou harmônicas de músicas, sejam elas conhecidas ou não da grande massa. Normalmente, os trechos sampleados das músicas conhecidas correspondem a riffs de guitarra, fraseados de teclados, vozes e até mesmo batidas. No entanto, há quem crie suas próprias amostras.
"Para as apresentações ao vivo, uso loops e samples criados por mim mesmo, pois como todas as faixas que toco são próprias ou remixes meus, já possuo todos os elementos separados, o que facilita a construção e divisão das músicas", diz Cuti, que, quando precisa recorrer a bibliotecas prontas, busca sons na Vengeance (www.vengeance-sound.com) e na Loopmasters (www.loopmasters.com).
Laima utiliza bancos como o Mutteki (www.mutekki-media.de) e compilações de amigos, como a coleção de sons de sintetizadores analógicos produzido pela equipe da Soulwax. No entanto, os principais bancos usados pela dupla são os pessoais. "Temos uma compilação de sons de bateria gravadas em estúdio pelo Iggor", diz a DJ.
Lutcho também é adepto dos samples. Com eles, inclusive, o artista mostra que a criatividade no Live PA é um desafio a ser superado. "Para ser diferente, principalmente no funk, é preciso reinventar a roda. Procuro, então, brincar o máximo possível com os samples, que, geralmente, são úteis para rearranjar alguns clássicos. Com um riff de um sucesso internacional, um tamborzão loopeado e uma gravação 'a capella', a gente faz 'miséria'", comenta.
Já Mallory gosta de samplear beats de variados tipos de músicas. "Podemos samplear pedaços de músicas de qualquer gênero musical. Sample é, simplesmente, uma pequena parcela. Ninguém vai saber de onde veio. Basta trabalhar em cima dele e tirar o melhor proveito", afirma a DJ, que diz valorizar produtores e marcas que disponibilizam seus bancos de samples para download. "A própria Numark liberou um pack de samples em sua página oficial do Facebook", completa ela.
Mais um adepto das amostras, Sinapse geralmente trabalha com pacotes de samples com edições inéditas. "Esses samples são produzidos pela BPM Arte (www.bpmarte.com.br) e têm 24 bits de resolução. São de alta qualidade", diz ele.
IPADS NA NOITE
Os tablets, em especial os iPads, foram tema de nossa capa de junho deste ano (edição 237), quando mostramos a utilidade deles no controle de mesas digitais de PA e monitor e na produção de música. Como se não bastasse, estes equipamentos também estão sendo absorvidos pelos DJs para o que alguns chamam de "performance wi-fi".
Laima, por exemplo, tem utilizado um tablet no lugar de sua MPC. "O tablet se mostrou um grande aliado tanto na criação quanto na execução musical. Ao vivo, o usamos para tocar algumas coisas, rodando nele o aplicativo Beat Maker 2, que tem funções semelhantes às do equipamento da Akai", diz a DJ.
Sempre de olho nas novas tendências, Lutcho é um grande entusiasta do uso da ferramenta. Prova disso é um de seus números mais aguardados na noite, em que deixa a cabine em direção à plateia, de onde toca sua percussão eletrônica. "Desço da cabine com o tablet e fico tocando no meio da galera. O iPad 2 é o ideal para esse tipo de performance, pois tem um processador melhor que o de sua versão anterior. Sem nenhum sinal de latência, ele é uma boa opção para quem quer enriquecer sua performance", explica o DJ, que "desenha" pads no tablet e direciona a eles uma série de samples e batidas.
O resultado, ainda segundo o DJ, parece mesmo fazer a cabeça do público, até daqueles que não consideram o funk o melhor dos ritmos musicais. "O que eu mais escuto é gente dizendo que, apesar de não curtir funk, gosta do meu show. Quando começo a tocar com o iPad, noto que até quem estava disperso para e presta atenção. É algo que, realmente, chama a atenção", garante.
Para encerrar, Lutcho dá um recado aos aventureiros. "O live PA veio para mostrar quem realmente entende do negócio. Fazer um show performático não é algo simples. É preciso ter e saber utilizar uma infinidade de equipamentos. Por conta disso, aquele cara que, há algum tempo, comprou um par de CDJs e se disse DJ, não tem mais espaço. Hoje, está no mercado aquele que se modernizou, que conhece tecnologias e tem noções rítmicas e harmônicas". Fica a dica.