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Revista Luz & Cena
O técnico e os grandes festivais
Diferenças entre os eventos de ontem e de hoje e dicas para driblar problemas comuns
Renato Muñoz
Publicado em 03/08/2011 - 17h22
Depois de um bom tempo participando de festivais (apresentações de várias bandas no mesmo palco, no mesmo dia ou em dias seguidos) tanto no Brasil quanto no exterior, falarei neste artigo sobre os lados positivo e negativo que sempre me chamaram atenção. Isso desde os meus primeiros festivais, no começo dos anos 1990, que tinham um ou no máximo dois consoles (o segundo sempre para a banda principal), passando pelas house mix com vários consoles e equipamentos analógicos no começo dos anos 2000, e, finalmente, chegando aos festivais atuais, com seus consoles digitais, além de muitas outras facilidades.

Como veremos, várias coisas melhoraram consideravelmente, principalmente com relação à quantidade e qualidade dos equipamentos, tanto no quesito PA quanto no quesito consoles. Porém, em muitos casos a organização por parte da produção e atendimento por parte das empresas são pontos que ainda precisam ser melhorados.

Para mim, um dos aspectos mais positivos destes festivais é ter a chance de encontrar com técnicos de outras bandas para trocar informações e experiências e também ouvir shows diferentes para ver o resultado sonoro de outras mixagens, sendo que ao longo dos anos, ambas - troca de informação e técnicas de mixagem - evoluíram bastante.

O PRIMEIRO GRANDE FESTIVAL VOCÊ NUNCA ESQUECE (PRINCIPALMENTE QUANDO A EXPERIÊNCIA NÃO É BOA...)

Minha estreia em grandes festivais foi no Rock In Rio II, em 1991, trabalhando com um cantor nacional pouco conhecido que tinha sido convidado de última hora para preencher uma vaga no palco principal. Seu show seria o primeiro da noite (na verdade, da tarde). Depois de certa empolgação por ter sido chamado, com dois dias de ensaio entendi porque tal cantor andava tão sumido... Para piorar, descobrimos que os artistas nacionais de maior "peso" não estavam recebendo um dos melhores tratamentos por parte da produção e dos técnicos estrangeiros. Concluímos que, quanto menor a importância do artista, menor a atenção dada a seus técnicos.

Grande parte dos nossos pedidos técnicos foi completamente ignorada. Para completar, recebemos um kit básico de equipamento que era bem abaixo das expectativas, sem contar com a falta de tempo para uma passagem de som decente. Quando acabei de acertar a mixagem do PA, o show já tinha acabado. Para a sorte de todos, a apresentação só durou cerca de 45 minutos.

Em 1996, eu já estava trabalhando no estúdio Nas Nuvens há certo tempo quando Gilberto Gil foi convidado para ser a atração principal de uma das noites da última edição do Hollywood Rock. Como eu havia participado de todo o processo de ensaios, acabei indo trabalhar no show também. Mesmo sendo a maior atração do dia, não recebemos da empresa responsável pela sonorização tanto no Rio (Praça de Apoteose) quanto em São Paulo (Estádio do Pacaembu) um tratamento tão bom quanto o esperado. Apesar do grande tamanho da banda e da necessidade de um maior número de canais e vias de monitor, fomos avisados de que teríamos à disposição 48 canais de input e 16 vias de monitor. E ponto. Lembro de passar um bom tempo com os demais técnicos tentando eliminar canais e vias de monitor.

A realidade era bem simples: para os técnicos americanos só importavam bandas americanas e inglesas (nesta ordem, é claro). Se sobrasse algum espaço e equipamento, nós poderíamos usar (com supervisão deles).

Mesmo a barreira da língua não sendo um grande problema, a verdade era que naquele momento muitos itens técnicos ainda eram novidade no Brasil. A quantidade de consoles (foi a primeira vez que vi uma Yamaha PM4000), processadores e de caixas de PA (o sistema era o famoso S-4, com suas qualidades sonoras) ainda impressionavam bastante e estavam muito fora da nossa realidade. Apesar de tudo, foi um bom momento para perceber que, tirando a falta de costume com os equipamentos, a grande maioria dos técnicos nacionais se saía muito bem na mixagem das suas respectivas bandas. O resultado sonoro da grande maioria dos shows nacionais não deixou nada a desejar se comparado aos das apresentações internacionais.
 
Outro ponto importante para mim naquela época foi a percepção de que muitos artistas traziam boa parte do equipamento de áudio com eles, tais como consoles, microfones, monitores, cabos e pedestais, entre outros. O que para nós hoje ainda é considerado um certo luxo, há 20 anos já não era novidade para a maioria das bandas internacionais de médio e grande porte.

DE VOLTA À NOSSA REALIDADE

Enquanto isso, nesta mesma época, os festivais nacionais estavam ficando cada vez mais populares, principalmente aqueles patrocinados por rádios. O que acontecia frequentemente é que a maioria das empresas não possuía equipamento suficiente para atender a uma grande demanda de bandas ao mesmo tempo, o que impunha a divisão de um mesmo console (analógico, é claro) por algumas bandas.

Como o uso comunitário do mesmo console era inevitável, quando acabava a passagem de som de uma banda, seu técnico anotava tudo o que tinha sido feito na mesa, nos racks de efeitos e nos processadores dinâmicos, para, mais tarde, antes do show, fazer um recall, já que tudo seria alterado por outro técnico, que usaria o mesmo console com outra banda. Além disso, dependendo do número de bandas em uma noite, poderíamos encontrar problemas como a falta de microfones individuais para cada conjunto, de subsnakes, pedestais, cabos, AC...

Com o passar dos anos, lá pelo final da década de 1990, algumas poucas firmas foram se tornando capazes de atender à demanda de um festival de maneira mais decente. As maiores já possuíam equipamentos (tanto no palco quanto na house mix) suficientes para trabalhar com quatro ou cinco bandas simultaneamente. Esta grande quantidade de equipamento gerou um novo problema: o tamanho ocupado tanto pela house mix quanto pelo monitor mix. Imagine um festival com cinco consoles analógicos e seus respectivos racks de efeitos e processadores no meio da plateia, ocupando um espaço enorme, levando os organizadores à loucura. Esta situação só iria melhorar com a consolidação dos consoles digitais, anos mais tarde.

ROCK IN RIO III: UM DIVISOR DE ÁGUAS

O ano de 2001 foi muito importante para os grandes festivais no Brasil, principalmente no quesito sonorização. Pela primeira vez uma empresa nacional foi contratada para sonorizar um evento de grande porte, no caso, a terceira edição do Rock In Rio. Para aqueles técnicos que estavam acostumados a trabalhar em grandes festivais no Brasil ou no exterior, as diferenças foram gritantes. Na minha opinião, a principal era a ausência da barreira da língua, já que não há nada melhor do que discutir problemas técnicos em seu idioma. A segunda foi a maior atenção dada aos técnicos nacionais pela produção. Na verdade, o fato de todos já se conhecerem de outras ocasiões facilitou, e muito, o trabalho (acredito que o atendimento aos técnicos estrangeiros também tenha sido muito bom).

É claro que isto foi um grande avanço para os técnicos brasileiros, pois era óbvio que por melhor que a pessoa conseguisse se comunicar em inglês ou por melhor que fossem suas qualidades técnicas, sempre existia por parte dos técnicos das empresas estrangeiras um preconceito em relação à capacidade de trabalho nacional.

A partir daquele momento começamos a ter acesso aos mesmos equipamentos utilizados pelas bandas internacionais, a ter o mesmo tempo de passagem de som e a usarmos o mesmo volume do sistema. Certamente, muita coisa foi facilitada com a presença da empresa de sonorização nacional no evento, sendo que a parte da produção também se mostrou bem mais eficiente em relação aos artistas nacionais. Além disso, e tão importante quanto, foi que a empresa de sonorização contratada se mostrou bem preparada para atender às necessidades técnicas de todas as bandas, nacionais e internacionais, quebrando, assim, uma barreira que existia por parte de artistas estrangeiros e produtores daqui com relação a empresas locais.

Os técnicos das bandas nacionais estavam bem melhor preparados para lidar com os equipamentos colocados à disposição e pouca coisa naquela época era ainda uma grande novidade. Ainda neste período, ficou bem claro que o acesso a bons equipamentos já era uma realidade para as maiores empresas nacionais, e que, com técnicos bem preparados, estas empresas poderiam facilmente sonorizar quase todos os shows internacionais que começavam a chegar aqui em maior número e frequência. Além disso, em pouco tempo este know-how começou a ser exportado, pois a mesma empresa brasileira responsável pela sonorização do Rock in Rio III, em 2001, foi contratada para sonorizar a primeira edição do festival na Europa (Rock In Rio Lisboa, em 2004) e também todas as edições seguintes.

OS FESTIVAIS LÁ FORA

Em boa parte dos shows que trabalhei fora do país em festivais de médio e grande porte, se comparados com os festivais nacionais, sempre tive pouquíssimo ou quase nenhum tempo para a preparação da banda no local do show, principalmente para passagem de som. Normalmente, com exceção da banda principal da noite, os demais artistas participantes tinham, no máximo, direito a fazer um line check para ter certeza de que todos os canais estariam funcionando. E só.

A minha primeira participação no famoso Montreux Jazz Festival foi em 1994. E também foi bastante frustrante. Além do pouco tempo para fazer a passagem de som, quando terminei e recebi um pedaço de papel para fazer as anotações da mesa, percebi que todos os artistas usariam o mesmo console analógico. Nestes festivais internacionais, mesmo atualmente, como quase nunca somos a atração principal da noite, lidamos com problemas que enfrentávamos tempos atrás: falta de tempo e de acesso a alguns equipamentos de áudio usados pelos artistas principais. O segredo é mostrar para o técnico da empresa que você está preparado para trabalhar com o equipamento disponibilizado, além de demonstrar segurança em relação à mixagem da sua banda, ganhando, assim, sua confiança na tentativa de conseguir um melhor tratamento.

Como eu já tinha visto no Hollywood Rock, a maioria das bandas viaja com boa parte dos equipamentos de áudio, o que facilita muito a preparação e mixagem do show, pois quanto menos se depender da firma local, menor a possibilidade de que surjam imprevistos. Porém, quando todas as bandas utilizam equipamento próprio, o excesso de espaço ocupado pode voltar a tirar o sono dos produtores e organizadores. Veja na foto nesta página o espaço tomado por diversos consoles (analógicos e digitais) em um grande festival na Europa no ano passado.

Atualmente, até mesmo as atrações principais de um festival raramente fazem uma passagem de som completa. O que acontece, geralmente, é um line check ou um sound check virtual, que com o uso de consoles digitais é uma ótima opção.

O QUE FAZER E O QUE NÃO FAZER EM UM FESTIVAL

Em um festival com mais de três bandas no mesmo palco, é grande a chance de perdermos o controle de determinadas situações sem nem mesmo percebermos. Quando estamos fazendo o show da nossa banda sozinha no palco, normalmente temos tempo suficiente para posicionar os artistas, posicionar os microfones em relação aos instrumentos, checar se todos os canais estão chegando corretamente, checar nossos efeitos, alinhar e ouvir o sistema etc.

Em um festival, apesar de todas estas ações também serem necessárias, devendo (em tese) ser executadas da mesma maneira, contaremos com um tempo muito reduzido para tanto e nem sempre teremos a mesma liberdade. Por isso, seguem algumas dicas para evitar (ou pelo menos para tentar evitar) problemas decorrentes da falta de tempo nos festivais:

- Entre em contato com a empresa responsável pela sonorização, certificando-se de que tudo o que foi pedido no seu rider estará lá e de que será de uso exclusivo seu até o final da noite (normalmente as coisas desaparecem nos festivais entre uma banda e outra...).

- Tente chegar à montagem mais cedo do que normalmente chegaria e tente aproveitar o tempo extra para fazer um reconhecimento prévio do sistema.

- Como hoje em dia, nos festivais mais sérios, existem pelo menos dois consoles digitais (no PA e no monitor), você pode ir preparando o seu enquanto outro técnico trabalha no outro.

- Evite fazer muitas exigências em relação ao seu rider. Tente também trabalhar apenas com os canais extremamente necessários e não perca tempo acertando um canal que você sabe que não será usado.

- Passe para os roadies o posicionamento correto dos microfones de cada instrumento. Desse modo, eles podem conferir se está tudo certo quando houver a mudança de palco.

- Tenha um bom fone de ouvido para fazer o line check enquanto outra banda estiver no palco ou enquanto outro programa estiver sendo tocado no sistema.

- Normalmente o técnico da empresa de sonorização estará trabalhando mais do que o normal e poderá cometer alguma falha boba que possa prejudicar seu show. Tenha cuidado redobrado.

- Não permita que o sinal de áudio que você está mixando passe por outro console de qualidade inferior ou por outro console que será usado por outra banda. O ideal é que exista um "master" do sistema que receba o sinal de todas as mesas e o distribua pelo sistema.

- Faça uma equalização do sistema independente para a sua mixagem (de preferência, na saída do seu console digital), pois não dá para trabalhar com um único alinhamento do sistema para várias bandas diferentes.

- Certifique-se de que só a sua mesa está aberta no PA, muitas vezes o técnico do sistema esquece outra "liberada", podendo, assim, interferir na sua mixagem.

- Assista um pouco do show anterior ao seu (ouvir uma mixagem diferente é sempre bom). Além disso, você pode checar o sistema para ver como ele está soando.

- Uma das grandes vantagens de participar de festivais é encontrar com outros técnicos e trocar informações sobre o nosso trabalho. Aproveite a oportunidade e faça isso.

O QUE MUDOU COM OS CONSOLES E OUTROS EQUIPAMENTOS DIGITAIS

Com a implementação das mesas digitais pelas firmas de som nos últimos cinco anos, ficou bem mais fácil participar de um festival - tanto para as empresas quanto para os técnicos e produtores. Primeiro, porque para as empresas não é mais necessário colocar quatro ou cinco consoles à disposição das bandas, dependendo do número de apresentações por noite, já que duas boas mesas digitais (de preferência da mesma marca e modelo) serão suficientes.

Para o técnico, a mesa digital é a certeza de que tudo o que ele precisa para fazer a sua mixagem estará disponível. O grande cuidado que o técnico deve ter é exatamente checar se o console disponibilizado atende a todas as suas necessidades. Além disso, é sempre bom conferir as versões de softwares e, principalmente, o endereçamento de saída do patch bay (que não é necessariamente o mesmo que estamos acostumados a utilizar). Outro cuidado que deve ser tomado pelo técnico da banda é no momento de se loadear, ou salvar, a sua banda na mesa, certificando-se de que este processo está sendo feito de forma correta.

O surgimento no mercado dos gerenciadores digitais de sistemas, como o Dolby Lake, o dbx DriveRack, Galileo e outros, proporcionam uma melhor comunicação com os consoles de mixagem do PA. Já para os produtores e organizadores, o menor espaço físico que estes equipamentos digitais ocupam significa menos carga a ser transportada, assim como um espaço infinitamente menor a ser ocupado, tanto no palco quanto na plateia, sobrando, neste segundo caso, mais espaço para o público (ou seja, mais ingressos à venda).

Por mais que os consoles digitais tenham sido recusados por alguns técnicos quando começaram a chegar ao mercado nacional, é quase unânime a opinião de que seu surgimento trouxe muito mais facilidades do que problemas, principalmente se considerarmos os aspectos citados acima.

CONCLUSÃO

Um festival é um acontecimento que foge bastante à rotina de um show normal de uma banda, já que algumas práticas normalmente utilizadas serão deixadas de lado em prol do evento como um todo. Muitas vezes, até por causa do tempo menor e limitado, a banda pode não precisar de todos os canais que utiliza em suas apresentações, sendo comum que artistas mais experientes possuam um setlist especial para festivais (com um apanhado de seus maiores sucessos). De posse desta lista, será possível eliminar os canais que não serão utilizados (já que determinadas músicas não serão tocadas), possibilitando a otimização do pouco tempo disponível.

Como mudanças de palco são inevitáveis nos festivais, devemos ter o cuidado de marcar a posição no palco de todos os praticáveis, monitores e amplificadores após a passagem de som, para posicioná-los novamente quando voltarmos com a banda.

Um bom line check antes de liberar a banda para entrar no palco também é fundamental para se ter certeza de que todos os canais estão conectados corretamente. Sempre verifico se os mais importantes estão soando corretamente no PA, sendo que não existe a menor possibilidade de eu iniciar um show, principalmente em um festival, sem checar o canal de voz com o PA aberto. Nada é mais frustrante do que começar a apresentação com um problema sério no canal da voz.

Mesmo com o tempo limitado de um festival, é sempre bom ter uma música pré-show preparada para ser tocada, permitindo que a plateia possa entrar melhor no clima da banda, "apagando" um pouco o som deixado pelo grupo anterior.

Como alguns festivais podem ter transmissão para rádio ou TV, é importante acertar previamente os detalhes entre a produção da banda e a produção do evento, eliminando quaisquer dúvidas existentes. Caso haja outro técnico fazendo esta mixagem separada, tenha sempre um setlist com anotações (indicação dos instrumentos utilizados em determinadas músicas, em quais músicas existem solos...) que auxiliem o trabalho dele.

Festivais são situações atípicas que merecem bastante cuidado. É de extrema importância a capacidade de adaptação, sempre pensando no evento como um todo, sem, é claro, prejudicar a performance da banda para a qual trabalhamos. E repito: o maior ganho será o intercâmbio com outros técnicos e bandas, algo que sempre nos aprimora profissionalmente.
 
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