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Revista Luz & Cena
Vinil
O som não pode parar
Única fábrica de discos de vinil na América Latina, Polysom é peça-chave na volta dos LPs ao mercado nacional
Jomar Schrank
Publicado em 24/05/2011 - 00h00
Daryan Dornelles
 ( Daryan Dornelles)
 
A volta dos discos de vinil em todo o mundo já é uma realidade, e ela vai muito além da cultura DJ. Os prejuízos econômicos que a indústria fonográfica tem vivenciado obrigou as gravadoras a pensar em estratégias para tentar coexistir em um planeta em que a pirataria dos arquivos de música é cada vez mais implacável. Com isso, nos últimos anos, o mercado de LPs voltou à "superfície", registrando vendas extremamente significativas. Só em 2009 houve um crescimento de 33% em relação a 2008, com 2,5 milhões de unidades vendidas apenas nos EUA.

Esses números mexeram com a cabeça do empresário João Augusto, dono da gravadora Deck (novo nome da Deckdisc). Estimulado pelo crescimento do vinil no mercado externo e pela ausência de uma fábrica no Brasil, João Augusto reabriu a Polysom, desativada desde 2006. Localizada em Belford Roxo, município do Rio de Janeiro, ela é atualmente a única fábrica de discos de vinil da América Latina. "Estamos prontos para fabricar até 30 mil unidades por mês. E se o mercado crescer, iremos crescer também". Otimista, experiente e com ampla visão do mercado fonográfico, o ex-diretor artístico da multinacional EMI no Brasil já recebeu encomendas de países como Chile, Uruguai e Argentina.



MERCADO EM CRESCIMENTO
Na lista de lançamentos mensais de discos de vinil na Europa e EUA, é possível encontrar praticamente todos os grandes nomes da música. De Paul McCartney a Lady Gaga, todos têm seus álbum editados na tradicional "bolacha". A indústria acena favoravelmente, até em função dos vinis serem um formato naturalmente "anti-pirataria". "Lá fora há um movimento muito grande no sentido da popularização. Afinal, são três experiências: tátil, visual e auditiva", explica João Augusto. E a essa experiência se somam boas edições, sempre acompanhadas por um projeto gráfico luxuoso.

Após sucessivas tentativas de manter a fábrica em atividade, o ex-proprietário Nilton Rocha, hoje funcionário, se sente feliz em presenciar o renascimento da Polysom. "O João Augusto trouxe uma boa proposta, então vendemos a fábrica completa, com todos os equipamentos. Nós mesmos reformamos três das cinco prensas e voltamos a produzir", conta.

 


PRODUÇÃO ARTESANAL/INDUSTRIAL
O processo de produção de um disco de vinil é delicado e ainda mantém boa parte da sua elaboração de forma artesanal. Funcionário da fábrica há 11 anos, o técnico de corte William Carvalho explicou como é o início dessa produção. "Inicialmente, e ironicamente, o áudio surge a partir de um CD-R tocado em um player Tascam que envia o som para ser equalizado na mesa de corte, uma Neumann SP 272. Esse som segue para o rack de corte, também Neumann modelo SAL74B, que processa o som. A próxima etapa é o envio do áudio para o torno de corte Neumann VMS 70. O som enviado pelo rack de corte chega até a cabeça de corte Neumann SX74, onde é gravado o acetato. A monitoração é feita por um par de Alesis Monitor Two de três vias, juntamente com o power Alesis RA-100".

 

Em 1979, a empresa americana Zuma Group desenvolveu um sistema chamado Zuma Disk Mastering Computer, equipamento presente nos estúdios RCA, CBS, JVC, Capitol, entre outros. Em 1998, foi lançada uma nova versão, o Zuma 2000. Assim como o primeiro, ele regula o espaço físico para não haver perdas na qualidade, coordenando melhor o espaço dos sulcos no vinil, o que garante um corte com mais volume. Sem esse equipamento, o técnico tem que redobrar sua atenção, principalmente durante o processamento do áudio para a cabeça de corte, para que não seja avariada. "Se houver excesso de determinadas frequências, ou de volume, há risco de quebrar a cabeça de corte. Para protegê-la é usado um equipamento chamado Circuit Braker, uma espécie de disjuntor, que atua conforme ajustes pré-regulados e analisa o áudio, desligando o equipamento caso alguma alteração seja constatada, e assim evitando uma possível quebra", explica William.

Esse processo todo é feito em um estúdio dentro da fábrica, que recentemente foi reformado. Todo o tratamento acústico foi refeito, tanto nas paredes quanto no piso. "A principal preocupação foi manter a acústica próxima da antiga, já que meus ouvidos se acostumaram muito, e se o som da sala fosse muito modificado, toda a minha experiência iria por água abaixo", comenta William. Os equipamentos responsáveis pelo corte do disco, todos da marca Neumann, foram comprados pela Polysom de uma antiga fábrica de discos já desativada, a Sondise, localizada no mesmo bairro.

 

Após a gravação, o acetato original segue para a galvanoplastia, etapa química onde a matriz recebe um banho de nitrato de níquel. Em seguida vai para a prensa, onde é inserida uma massa em PVC, que se tornará o disco de vinil. Cada matriz pode produzir aproximadamente 800 cópias.


O FETICHE DO PESO
O técnico William Carvalho levantou uma polêmica a respeito da relação peso/qualidade. Segundo ele, "quanto maior o tempo do vinil, mais juntos são os seus sulcos. É uma relação direta: mais tempo, menos volume e vice-versa. É possível haver discos com 120g com a mesma qualidade de cópias com 180g. Tudo depende do molde em que ele está sendo prensado", afirma.

 
Cada molde tem a sua superfície desenhada de forma a produzir discos com um peso específico. Ou seja, se um molde produz inicialmente um disco com 130g, é possível ter discos com até 160g com esse mesmo molde, sem perdas de qualidade, embora o disco com 130g seja melhor copiado. Discos mais finos precisam de mais pressão para serem moldados. "No auge da música em vinil, os discos eram feitos em 125g, 130g. A questão do peso do disco é um fetiche que respeitamos. Podemos hoje fabricar discos de 130g, 160g e 180g", comenta João Augusto.


 

CRESCIMENTO PROPORCIONAL AO MERCADO

Jogando contra o renascimento do vinil no Brasil está a alta carga tributária que incide sobre o produto. "O produto final custa 70% a mais só por causa dos impostos, e eu não tenho benefício fiscal", lamenta João Augusto, que, apesar disso, tem bons planos. "Quero relançar álbuns antigos. Tenho a ideia de licenciar discos da Warner e da Universal, mas nossa tônica é mesmo fabricar o disco e entregar para a gravadora", afirma João, que já relançou clássicos como A Tábua de Esmeralda e África Brasil, de Jorge Ben, e Todos os Olhos, de Tom Zé. Isso sem falar de trabalhos de gente como Rita Lee, Titãs e Legião Urbana, que chegam ao mercado com a aprovação de audiófilos como Ed Motta. Em recente visita à fábrica, o músico comentou que "nunca se produziu vinil com tamanha qualidade no Brasil
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