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Revista Luz & Cena
Músicos
A gerente do Pancadão
Fernanda Abreu abre as portas do seu estúdio particular
Rodrigo Sabatinelli
Publicado em 01/12/2004 - 00h00
Investindo maciçamente no futuro musical, Fernanda Abreu inaugurou no início de 2004, no Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro, o Estúdio Pancadão, de sua propriedade.
Projetado por John Patrick Sullivan - bastante requisitado para o desenvolvimento de soluções acústicas -, o espaço sediou boa parte das sessões de gravação do disco Na paz, trabalho mais recente de Fernanda, lançado por seu selo, Garota Sangue Bom, com distribuição da EMI Music.
Convidada pela anfitriã, M&T esteve lá para conferir o empreendimento e descobriu que por trás da cantora existe uma verdadeira amante do áudio e suas aplicações. Ela revelou dados da gravação e falou de suas preferências e aversões à tecnologia.

Na paz foi gravado também aqui no Estúdio Pancadão. Como foi esta experiência?

Este disco começou a ser concebido em maio de 2003, no estúdio de Rodrigo Campello e começou a ser gravado em outubro de 2003, período em que John Patrick finalizava a obra das salas. Mas, antes mesmo de quebrarmos uma parede sequer, discutimos muito sobre a realização do projeto, pois o imóvel [que abriga o local] não me pertencia. Para suprir minhas necessidades, foi preciso fazer um contrato de aluguel extenso e um acabamento acústico que me permitisse tocar bateria, por exemplo, por um dia inteiro, sem atrapalhar a vizinhança.

O que foi acordado com a proprietária do imóvel?

Primeiramente, assumi o compromisso de não sublocar o espaço, destinando-o apenas para criações particulares. Depois solicitei sua autorização para iniciar as reformas necessárias. Claro que as portas de meu estúdio estarão abertas a amigos, mas jamais será utilizado com fins comerciais. Se um dia estiver em condição financeira suficiente, farei uma proposta de compra do espaço, mas, por enquanto, está sob contrato de locação, renovável ou não.

Como foi gravar o disco em meio a essa reforma?

Como tinha um prazo estipulado para entregar o tape para a gravadora, passamos a utilizar o Estúdio B do Nas Nuvens, até que as obras do Pancadão fossem finalizadas. O taxímetro rodava alucinadamente enquanto eu dirigia a produção ao lado de Rodrigo [Campello]. A primeira etapa das gravações foi bem objetiva: registramos as participações de Pupilo e Lúcio Maia, integrantes do grupo Nação Zumbi, no YB [estúdio], em São Paulo e de lá seguimos para o Estúdio Mega, no Rio, onde gravamos as cordas da faixa Brasileiro. Aí o Pancadão ficou pronto e foi uma verdadeira festa.

Que profissionais do áudio já fizeram o test drive do estúdio?
Ronaldo Lima, que também opera meu PA; Márcio Gama, técnico que gravou o álbum Raio X; Evaldo Luna, que trabalha comigo desde 1989; e Florencia Saravia, entre outros. Acho que o resultado foi satisfatório para todos nós.

Quais são as características básicas desta sala de gravação?

Quando começamos a projetá-la solicitei a John que fizesse uma sala bem seca, pois é mais fácil colocar reverb que tirar. Desta maneira, fizemos o local com uma reverberação bastante controlada - utilizamos alguns painéis rebatedores, totalmente flexíveis. John assumiu o projeto por completo, do desenho à medição. Ele me perguntou se desejava que alguma parte da sala fosse mais viva, mas optei por um conceito único de sonoridade, embora soubesse que para gravar instrumentos como bateria certamente seria interessante tê-la mais vibrante.

 


Como foram decididas as questões de dimensões do espaço?
Antes de estipular o tamanho das salas, escolhi alguns equipamentos como, por exemplo, os monitores Genelec 1037 B. Optei por estas caixas, pois, para mim, é muito importante ter uma boa monitoração. Hoje temos muitos estúdios pequenos de boa qualidade, mas a maioria ainda tem uma monitoração tímida. Após passar o dia gravando sob a referência de uma Yamaha NS-10 - que tem aquele som chato de rádio de pilha - ou com caixas Near-Field, limitadas tanto no volume como nos graves, eu gosto de escutar tudo na pressão. As NS-10 acabaram, infelizmente, virando padrão nos estúdios de produção, porém acho que cada vez mais essas referencias estão mudando.




Você chegou a testar outras marcas e modelos?

Sim, até trouxe um par de monitores Mackie, que também são excelentes, mas acabei ficando com as Genelec mesmo.

E o que achou do resultado?

De início percebi que, apesar de um grave incrível, elas tinham uma certa defasagem nos médios. Então chamei o técnico Renatinho Luis, que me indicou a compra de um equalizador gráfico e tudo se resolveu. Faremos ainda uma nova sintonia para ajustes maiores do sistema, mas o som já está bem agradável. Confesso que, enquanto gravávamos o disco, ficamos realmente inseguros, pois não sabíamos se o som que ouvíamos era o mesmo que estava rolando no record. No final tudo saiu como planejado.

Que microfones utilizou durante a gravação do disco?

Para captar o som da bateria utilizei aquela cabeça [KU 100, da Neumann] do Chico [Neves]. Rodrigo e Florencia também trouxeram umas opções, uns KMs muito bacanas. Mas precisava de um microfone bom para gravar vozes. Até pensei em gravá-las no Nas Nuvens, com aqueles clássicos Telefunkens do Liminha, mas optei por gravar aqui mesmo.

Fale um pouco sobre a aquisição de periféricos e plataforma de gravação para o Estúdio Pancadão.

Eu sabia que poderia adquirir poucos equipamentos, pois já tinha gastado uma grana preta com o projeto do estúdio. Até poderia ter um Pro Tools HD, mas era como comprar uma limousine sem direção hidráulica (risos). Desta forma, optei por um Mix Plus, que era ao meu ver um fusquinha todo incrementado e que me serviria perfeitamente (risos). Hoje esta plataforma está abastecida com uma grande biblioteca de plug-ins. Além disso, comprei um bom compressor, um pré-amp estéreo - para gravar teclados - e duas interfaces, que são suficientes para gravar instrumentos volumosos como a bateria, por exemplo. Também tinha alguns prés, como o Neve, modelo 97, que acabei trazendo para cá. Para a gravação de baixo, a Music Mall [loja carioca de instrumentos e equipamentos musicais] também me emprestou um bom pré-amp.

O que não pode faltar em sua biblioteca de plug-ins?
Não abro mão do Mooger Fooger, além, é claro, das clássicas distorções do SansAmp e do AmpFarm. Geralmente deixo a utilização dos plug-ins sob o comando de Rodrigo, que é quem coordena toda essa parte de programação e utilização de periféricos e softwares do estúdio. Enquanto gravava suas guitarras no disco, Lúcio Maia não utilizou amplificadores, apenas plug-ins. É incrível o domínio que tem com este tipo de ferramenta. Ele já entra no estúdio com todas as idéias ordenadas. Já sabe o que utilizar em cada faixa, em cada trecho.

Você também investiu em cabeamento?

Claro, não adianta estar com tudo ok - plataforma, periféricos, monitores - se a via que transporta o som não é bem cuidada. Embora soubesse desta necessidade, eu vivia reclamando dos custos. Não acreditava que teria de gastar tanto em cabos. Na verdade eu sou uma chata com essa coisa de dinheiro (risos).




 

E por que adquiriu um CDJ 1000, da Pioneer?

Para manipular - através de scratches - os sons de violões, guitarras e percussões que registrava durante as gravações. Já tinha essa idéia pré-concebida e a utilizei em média escala no trabalho. O CDJ é uma mão na roda.

Você tem preferência por microfones para voz?

Escolher um bom microfone é sempre um grande problema. Nessas horas, nada como recorrer aos amigos. Fui até o estúdio de Frejat, que me deu um baita suporte. Ele tem tudo do bom e do melhor: um bom monitor, um Pro Tools HD, os melhores prés, o must do must (risos). Eu contei que havia comprado as interfaces 888 e ele me disse que a Apogee era melhor. Quase chorei de desespero (risos). Ele me apresentou diversos tipos de microfones - embora só pudesse comprar um único modelo - e operou a mesa enquanto eu promovia os testes individuais. Frejat e [o DJ] Memê, na verdade, me ajudaram muito. No fundo eu queria, para meu estúdio, um som igual ao do estúdio de Memê, com todos aqueles graves fantásticos que tem. Muito do que tenho aqui foi copiado dele, exceto o console, pois não queria uma Mackie daquelas. Queria apenas uma mesa escrava do Pro Tools.

E, dentre as opções de microfone, qual foi o modelo escolhido?

Acabei optando por um C 12 VR, da AKG. Adquiri este microfone e já saí gravando as primeiras vozes do disco, que, por sinal, ficaram terríveis (risos). Felipe Abreu, meu irmão e produtor vocal, Rodrigo Campello e Márcio Gama até acharam bacana, mas eu não concordava. Eles diziam: "Fernanda, você tem um C 12, sua sala é ótima, não pode estar tão ruim assim", mas, no fundo, estava. Aí paramos as gravações. Então levamos o maldito microfone para o Nas Nuvens, já achando que o problema poderia ser da minha sala - embora não acreditasse muito nisso - e, lá, o som continuou muito ruim. Quando ligamos o [C 12] do Vitor [Farias], para fazer o comparativo, veio aquele petardo de voz, bacana, redonda. A partir daí, todos concordaram que meu microfone estava ruim.




E qual era o verdadeiro problema?

Liguei para o cara que me vendeu e reclamei com ele, que me orientou a colocar o microfone em sílica, pois achava que havia entrado umidade na cápsula. Eu estava preocupadíssima porque, naquele momento, cada dólar utilizado era realmente muito precioso. Quando trocamos a fonte, o som já veio completamente diferente. Incrível como pequenos detalhes podem fazer uma tremenda diferença.

Que cuidados costuma tomar com sua voz durante as gravações?

Bem, eu tenho um problema de sibilância que é muito difícil de se controlar. Existem plug-ins como o de-esser, por exemplo, que, ao meu ouvido, não funcionam. Seu efeito é até bastante suave, no entanto, não me agrada muito, pois consigo captá-lo facilmente. Então utilizamos alguns plug-ins alternativos que cortaram todas as sobras de esses de minha voz. Eles atuavam direto na freqüência, escrevendo a linha que desejávamos e considerávamos adequada.

Você tem alguma preferência por periféricos?

Depois de anos de estrada, posso afirmar que mudei algumas de minhas concepções sonoras. Hoje não curto mais gravar as vozes num pré Avalon, por exemplo. Não curto mais esse som padronizado. Não quero mais isto para mim.



Se pudesse escolher um profissional, quem gostaria que mixasse Na paz?

Num arroubo de maluquice, pensamos no Mike Stipe, engenheiro que mixou os discos de Madonna. Eu gosto do timbre que ele tira dos instrumentos, principalmente dos violões, mas o que me chama mesmo a atenção em seu trabalho é a maneira como equaciona o som e o silêncio das canções. Isso ele faz muito bem. Entramos em seu site, mas sua agenda estava lotada até 2005. Além disso, seria totalmente inviável contratá-lo. Então chegamos à conclusão de que havia pessoas mais próximas e de igual talento aqui no Brasil. Nomes como Tom Capone foram citados, mas optei por Vitor Farias e pelo Nas Nuvens. Vitor é um excelente técnico e uma ótima pessoa para se trabalhar, além de conhecer muito bem meu trabalho. Afinal, mixagem é sempre um quebra pau danado. Alem disso o Nas Nuvens era um porto seguro em relação à monitoração como referencia sonora.

Este disco soa como interseção entre o samba e o funk, não é?

É verdade. O andamento do disco, em geral, ficou mais para trás, até mesmo porque introduzimos alguns instrumentos como o violão de sete cordas, que tem uma cadência que não dá para se tocar rapidamente. Acontece que, ao vivo, é tudo muito diferente. Esses BPMs serão alterados, obviamente, assim como alguns tons de determinadas canções. Gosto muito da região do disco, mas, em shows, prefiro cantar um pouco mais acima [do tom]. Fica mais inteligível. Eu e Rodrigo Campello já estamos fazendo o transposer destas canções para o time e a tonalidade adequada.

De onde vem todo este conhecimento de áudio?

Não é tanto assim. É mais de orelhada mesmo. Tive contato com diversos estúdios; do convívio com profissionais qualificados e do acesso a equipamentos de qualidade. Creio que o grande problema da maioria das salas de gravação esteja relacionado ao sistema de monitoração. Sei o quanto é cansativo para os técnicos trabalharem com o som alto o dia inteiro, exceto o Vitor Farias que já começa a mixagem, às dez da manhã, com o volume no máximo (risos).
Você se mostra sempre muito ligada à qualidade de som que escuta...
Pois é. Gravei a faixa Eu vou torcer, de Jorge Ben, numa sala nova do AR Studios que dispõe de uma monitoração Genelec maravilhosa. Estas caixas são um pouco maiores que as minhas e o som é algo realmente incrível. Além disso, eles têm a NS-10, padrão, e um par de caixas midfield, em que tudo soa bem. Para gravar no Nas Nuvens, experimentamos uma monitoração Mackie, além da tradicional NS-10 (todas Near-Field), que nos foi cedida pela Music Mall. Procuro sempre ter muito cuidado com minha referência. Detesto surpresas.
 

 
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