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Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
Tudo o que você sempre quis saber sobre comparações e tinha medo de perguntar
Enrico de Paoli
Publicado em 01/07/2004 - 00h00
Desde pequeno, lembro do meu pai dizendo que "som é comparação". De fato, ele tinha razão. A menos que o que você estiver ouvindo fuja totalmente dos SEUS padrões, para o muito melhor ou para o muito pior, você provavelmente não notará tanta diferença assim. Até que você compare.
Aliás, essa tese não se limita ao mundo do áudio. Com imagem é a mesma coisa. Quando você estiver no mercado atrás de uma televisão nova, experimente ir a uma dessas lojas que deixam dezenas delas ligadas, lado a lado, que sua decisão vai ser fácil.
Um dos hábitos mais comuns na rotina de produção de discos é levar consigo uma copiazinha de monitor, ou seja, uma mixagem rascunho, de tempos em tempos, para ir acompanhando o andamento do projeto de longe. Ir vendo, ou melhor, ouvindo, como esse projeto está soando fora do estúdio. Isso nada mais é do que comparar. O produtor, engenheiro ou artista, querendo ou não, está comparando o projeto em andamento com outros já prontos, felizes e bem sucedidos. Essa mesma mixagem de referência pode ser usada contra você no dia da mixagem final. Quero dizer que, muitas vezes, uma mix feita sem compromisso, na mais pura intuição, sem pressão (sem pressão psicológica, não sônica), sem aquela sensação de última chance... essa mix muitas vezes soa bem, natural, respeitando o que a música pede. Enfim, no dia da mix, se este dia acontecer, você engenheiro deve passar horas timbrando o bumbo, a caixa, polindo reverbs, e, quando for comparar com aquela mixagem que você fez no final do dia, cansado, dormindo na mesa como os trocadores de ônibus dormem naquela cadeirinha deles enquanto alguém quer pagar e girar a roleta, essa mix rascunho tem boas chances de soar melhor do que essa outra que você chama de a mix. E agora? Como voltar à mix rascunho? Se for um estúdio digital, espero que tenha salvado suas mixes.. ou ao menos algumas informações vitais delas. Se for um estúdio analógico, siga realmente as diferenças que seus ouvidos apontam na comparação.
Agora: por que a mix velha soa melhor? De cara, posso imaginar dois motivos. O primeiro é: se você estiver comparando a mix velha com a nova e a mix velha estiver mais alta do que a nova, ela vai soar melhor. Seja generoso consigo mesmo e nivele os volumes na hora da comparação. Outro bom motivo é: costume. Vamos mudar de parágrafo para ilustrar esse motivo, o costume.
Bem-vindos ao novo parágrafo (risos). Quantas vezes vocês já foram a um show e notaram que o som começa ruim e vai ficando bom no decorrer da apresentação? Pois é. Um dos motivos é que realmente o engenheiro de PA vai dando um tapinha pra lá e outro pra cá até ir acochambrando tudo. O outro motivo é... o costume. Tendemos a nos acostumar com o que é ruim. Aliás, tendemos a nos acostumar com tudo. O que é ruim passa a não ser mais tão ruim e o que é bom passa a não ser mais tão incrível. Então, muitas vezes o show continua uma bomba de ruim, e, simplesmente, perdemos um pouco a referência de comparação e passamos a achar até bonzinho! Faca de dois gumes, né?! Outro parágrafo então.
Aquela cópia de referência que você fez no estúdio pode não estar tão boa assim. Ao ouvi-la vez após vez, você pode ir aprendendo que aquilo é bom sem ser. O que fazer? Compare mais. Ouça em outros lugares. Compare com outros discos que você sabe que gosta. Lembre-se de que os discos que você está comparando estão masterizados e com certeza com mais ganho do que sua mix. Saiba disso na hora da comparação. Compare sua mix com outra mix do mesmo disco que você já sabe que é uma boa mix. Este exemplo não se aplica à primeira mix do disco porque não existirá outra feita antes dela, o que é óbvio! Não se guie apenas por instrumentos. Não analise uma mixagem apenas pelo meter, pelo VU ou pelo analisador de espectro. Apenas use esses instrumentos para conferir dados técnicos, não para aprovar ou reprovar.
No fim, faça o de sempre, compare e respeite seu gosto. Ele impera. Principalmente se seu gosto for bom!
Boas comparações!
Enrico De Paoli é engenheiro de estúdio e PA. Acabou de terminar o próximo lançamento de Djavan e está em estúdio com Bernardo Lobo. E-mails para enrico@rio.com.br

 
 
Conteúdo aberto a todos os leitores.