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Revista Luz & Cena
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Onde nasce a versão brasileira
Saiba como o VTI Rio chegou a ser referência em dublagem e áudio para cinema
Catalina Arica
Publicado em 01/07/2004 - 00h00
Mauro Kury
 (Mauro Kury)
Quem no começo de um filme da Sessão da Tarde nunca ouviu a frase "versão brasileira VTI Rio"? Ou então no início de séries como Ilha da fantasia, As panteras e mais recentemente Arquivo X? A famosa frase, repetida à exaustão nas tardes de ócio, tem razão de ser. O estúdio VTI Rio, localizado em São Cristóvão, Zona Norte carioca e que completa, em 2004, 20 anos de tradição em pós-produção em vídeo, é referência nacional em termos de dublagem para cinema.

Nascimento de uma estrela
Nascido como desencadeamento natural da Network Distribuidora de Filmes, de propriedade de Victor Berbara, hoje o VTI Rio está associado a excelência em termos de edição de som, cópias e legendas eletrônicas no Brasil. A idéia da criação do estúdio surgiu da percepção da necessidade de ter um centro de acabamento para a distribuidora de vídeo, que já era um negócio da família desde a década de 60. "Daí para o laboratório de finalização foi um pulo. Do laboratório de finalização para o áudio foi um passinho", diz Roberto Berbara, sócio diretor do estúdio e filho de Victor. Embora uma empresa seja filhote da outra, hoje cada uma é independente.
No começo, as salas que compunham o estúdio ficavam no Centro da cidade. Foi somente três anos depois de sua criação, em 1987, que o VTI migrou para sua atual sede. O prédio em que se encontra já existia em São Cristóvão e foi reformado pensando especificamente em abrigar os estúdios do local anterior e mais um, de gravação. O tamanho das instalações deu um salto surpreendente, de respeitáveis 400m2 no Centro para inacreditáveis 7500m2 distribuídos em sete andares no novo bairro. "Embora, na época, o investimento tenha pesado bastante no orçamento do VTI/Network, ele foi realizado tendo em vista uma expansão futura", diz Berbara, o filho.
O primeiro projeto dos estúdios foi do engenheiro Sólon do Valle. O projeto, de acordo com Berbara, foi elaborado levando em consideração principalmente o piso, que tem suportes para impedir a vibração, e todo o revestimento acústico dos estúdios. Depois o prédio sofreu mais duas intervenções, sendo que a última teve como supervisor um técnico acústico canadense. Ele ficou no país exclusivamente para o projeto por três períodos de duas semanas cada um. Foi ele quem desenhou toda a nova sala, inclusive com a criação de alguns painéis rebatíveis. A reforma durou um pouco mais de um ano.

Além da dublagem

Hoje em dia o VTI é mais do que apenas um estúdio (de quatro salas) de dublagem. As três letras que compõem seu nome tomaram outra importância. Agora, o é possível encontrar no complexo de estúdios salas dedicadas também à edição e mixagem de áudio para cinema em geral. Referência no setor de dublagem, o VTI caprichou
em suas salas de dublagem

 
Referência no setor de dublagem, o VTI caprichou em suas salas de dublagem



o estúdio de foley é um dos destaques do VTI. No detalhe, o microfone utilizado para captar os ruídos

No prédio de São Cristóvão há um estúdio de foley - preparado com todas as superfícies necessárias para produção de diferentes efeitos físicos; uma sala de edição para cinema - com monitoração 5.1, 6.1 e facilidade para montagem de diferentes bandas de som; dois estúdios blimpados de aproximadamente 165m2 e 150m2 e com tratamento anti-vibratório; três ilhas de edição e mixagem para televisão; além do xodó do VTI, a sala de mixagem para cinema Dolby Digital Surround EX (5.1 e 6.1).
A sala Dolby é mesmo um dos orgulhos da empresa. O processo para aquisição da certificação para a sala baseia-se em suas condições técnicas. A empresa britânica exige uma série de procedimentos com acústica, reverberação e outros fatores que influenciam uma sala de mixagem. "Há também uma necessidade de aquisição de determinados equipamentos que são indicados pela própria Dolby", especifica Berbara, orgulhoso. Ainda de acordo com ele, somente quando todos os pontos foram cumpridos é que a Dolby certifica a sala com seu selo de qualidade.
O estúdio de foley é um dos destaques do VTI. No detalhe, o microfone utilizado para captar os ruídos
Outro orgulho do estúdio é a dublagem em 5.1. Com capacidade para realizar esse tipo de mixagem há dois anos, desde a época em que a sala foi aberta, ela é um dos diferenciais do estúdio em um mercado onde já tem nome reconhecido. A dublagem em 5.1 no Brasil é, em geral, apenas captada no país e precisa ser mandada ao exterior para mixagem. O VTI, ao contrário, faz a mixagem da dublagem em 5.1 em sua sede. "Já mixamos mais de dez filmes nesse formato. Entre eles está Twister", conta Berbara.

Valorizando a prata da casa
Todas as salas são baseadas em Pro Tools, com mesas de controle Pro Control e caixas acústicas Genelec. Essa plataforma proporcionaria, de acordo com Berbara "a versatilidade necessária combinada à rapidez exigida". E ele arrisca mais: "a formação dos técnicos no Brasil está seguindo esse padrão digital".
A equipe de técnicos é composta por profissionais especializados cuja formação está diretamente ligada ao trabalho no VTI. "Percebemos que não há uma quantidade muito grande de profissionais formados para trabalhar como técnicos de cinema. Para suprir isso, há dois anos, estamos investindo em nossa equipe", diz Berbara. Esse investimento é, em termos práticos, demonstrado em cursos de capacitação e reciclagem profissional, inclusive no exterior, para quem trabalha no estúdio. Além disso, há um programa de ascensão dentro da empresa que estimula os funcionários a estar em constante atualização.

Evandro Suzano, gerente técnico do estúdio; e Alexandre Freitas e Walton Mavignier, técnicos do VTI: investimentos em capacitação

Um dos elogios que Berbara faz à sua equipe é o de rapidez. De acordo com ele, o fato de a maior parte dos técnicos do VTI ter um passado de televisão traz para qualquer processo realizado nos estúdios uma agilidade muito maior. "Eles conseguem unir qualidade e objetividade em suas ações, o que acaba influindo no custo que o cliente vai ter na finalização de seu trabalho", diz. A experiência com televisão da maioria dos profissionais levou para os estúdios também, segundo Berbara, traquejo para resolver problemas considerados pequenos em curto espaço de tempo. 

 
Evandro Suzano, gerente técnico do estúdio; e Alexandre Freitas e Walton Mavignier, técnicos do VTI: investimentos em capacitação.

Participação total
O investimento tecnologia e em profissionais foi, de acordo com Berbara, decisivo para a escolha dos equipamentos. Tudo foi escolhido a dedo e em consenso entre os proprietários do estúdio, o gerente técnico (encarregado), Evandro Suzano, além de consultores externos e amigos que entendem do assunto. "Nos galgamos nesse tripé composto por assessoria externa, os técnicos da casa e o próprio fornecedor para reconhecer as necessidades do estúdio e como essas necessidades poderiam ser supridas pela tecnologia existente sempre, claro, dentro do nosso orçamento", define.
Quando a sala Dolby foi instalada perceberam que, pelo que tinham, poderiam fazer mais do que apenas dublagem para filmes. Foi então que a direção decidiu que estava na hora de desenvolver outras áreas afins: tinham a infra-estrutura, a equipe técnica, os operadores, a equipe de gravação de áudio, gravação de foley; elementos que garantiam uma boa recepção no mercado de produção de áudio para cinema e publicidade. E foi exatamente o que fizeram.
A partir do início de 2003 o estúdio desenvolveu um projeto de mercado que visava o lançamento e reconhecimento do nome do VTI na área de edição e mixagem de áudio para cinema. Por conta do sucesso dessa sala, o VTI participou da edição de pista de Cazuza - O tempo não pára e de O outro lado da rua; também fizeram todo o som (edição, mixagem, foley, dublagem de diálogos) dos ainda inéditos Araguaia e Armada.

Mercado brasileiro de áudio no cinema
Mas nem todo esse sucesso em tempo recorde tira de Berbara a visão crítica e realista sobre a indústria do cinema no Brasil - particularmente sobre a forma como o áudio para cinema é tratado no país. Ele acredita que o som de cinema no Brasil ainda é um mercado nascente. A questão não seria a quantidade de projetos desenvolvidos, mas a rentabilidade que esses projetos levam aos estúdios especializados. "No país, o áudio para cinema ainda não movimenta valores muito altos, mas já aponta para crescimento", considera.
"Mercado de áudio em cinema exige investimento pesado", diz Roberto Berbara.
Para Berbara, o mercado brasileiro de áudio enfrenta algumas dificuldades principalmente por motivos de orçamento dedicado ao som de um filme. "Geralmente, quando uma produção chega à mesa de som, o dinheiro já acabou. Quando as coisas chegam aqui elas já estão no talo da verba e do tempo. O som vira uma batata quente. Conseguir bons resultados com essa pressão é um grande mérito", comenta. E um grande desafio.
O trabalho é complexo e tem que ser feito com cuidado. De uma forma geral isso explicaria um pouco o porquê da má fama do som do cinema brasileiro mundo afora. Embora atualmente haja muito mais cuidado e atenção nos syncs, por exemplo, ainda é notória a diferença (provavelmente orçamentária) entre um filme brasileiro e um norte-americano quando a questão é áudio.
De acordo com Berbara, essa característica do som para cinema brasileiro pode mudar, embora ainda haja um desdém para com o som, já há pessoas que valorizam esse elemento e há também ferramentas mais dentro dos padrões econômicos brasileiros que permitem o bom desenvolvimento do trabalho. "Acredito que dentro de pouco tempo o som vai ser visto no cinema brasileiro como deve ser visto: como sendo a metade da experiência cinematográfica. Uma cena com som é absurdamente mais tocante que uma cena sem som", observa.

 
"Mercado de áudio em cinema exige investimento pesado", diz Robeto Berbada

Mas isso não é uma característica particularmente brasileira, de acordo com Berbara. Muitos mercados ainda sofrem com o som colocado em segundo plano. O cinema latino-americano, em geral, por exemplo.

Sensibilidade acima de tudo
Ainda que preze todo o aparato tecnológico que o estúdio possui, Berbara é consciente de que apenas isso não faz uma boa mixagem ou dublagem. Para ele um bom trabalho é escorado em um tripé composto por qualidade artística dos profissionais envolvidos no projeto - do editor ao mixador -; qualidade da sala em se está trabalhando - "trabalhar em uma sala com todos os recursos em termos de acústica, conforto, projeção, ambiente é diferente de trabalhar em uma sala improvisa"; e, claro, também dos equipamentos.
Victor Berbara: sócio diretor do VTI/Network
Um ponto que diferenciaria o VTI seria a facilidade de ter todos os componentes do tripé em um único lugar. "A grande vantagem é ser vários em um. Isso acelera processos. Se você está na edição e precisa de um ruído, é só sair de uma sala para outra", elogia.
Ele cita entre as maiores preocupações de seu estúdio ao fazer um trabalho de som: a primeira é fazer o melhor trabalho possível em termos técnicos; a segunda é fazer o trabalho dentro de uma agilidade e custo dentro da realidade. "Investir em tecnologia de ponta é sempre bom, mas também é preciso manter os pés na realidade do país", adverte.

Qualidade controlada

Manter o nome de um estúdio bem falado não é tarefa das mais simples. É imprescindível manter uma qualidade nos produtos lançados. É por isso que o VTI Rio não deixa nada sair de lá sem que uma avaliação rigorosa seja feita antes. Vários técnicos que não estiveram diretamente ligados ao projeto ouvem e checam o som dos filmes que deixam o estúdio. A dublagem também tem um copy desk. O próprio mixador faz uma checagem do trabalho do diretor do estúdio. E há uma pessoa encarregada somente da checagem, em uma sala dedicada exclusivamente a isso.
Mais além, quando o som chega com problemas à mixagem, o estúdio pode inclusive consertar pequenas falhas e/ou substituir diálogos captados por dublagens de acordo com a necessidade percebida pelos técnicos.
Berbara diverte-se quando perguntado se aconselharia a alguém investir no mercado de áudio para cinema no Brasil. "Acho que você está perguntando para a pessoa errada", diz rindo. De acordo com ele, por ser uma área em que a tecnologia de ponta é muito importante, a necessidade de investimento é também muito grande. Em resumo? Não aconselharia. "Não é possível parar de investir nunca. Você querer se manter em dia é caro, é complicado e é perigoso", avisa.

 
Victor Berbara: sócio diretor do VTI/Network  
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