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Revista Luz & Cena
Editorial
Culto à despersonalidade?
Sólon do Valle
Publicado em 01/07/2004 - 00h00
Uma das evoluções da tecnologia tem sido a despersonalização.
Há vários anos, li uma crítica feita por Robert Moog - o inventor do sintetizador Moog, para quem não se lembra -, aos nomes dos então modernos instrumentos musicais. Moog lamentava que os modelos dos novos teclados não tivessem mais nomes, como Mini Moog, Prophet ou Juno, mas sim expressões alfanuméricas, como DX7, OBXa, D50 e outras do gênero.
Outros instrumentos também tinham - ou não - personalidade. As guitarras Fender sempre tiveram, e ainda têm, bonitos e sugestivos nomes, como Stratocaster, Jaguar, Mustang, Jazz Bass e Showmaster. A Gibson alternou entre expressões (que aliás marcaram épocas!) como ES335, ES175, L5 e Super 400, nomes próprios lindos como Birdland, Hummingbird, Explorer e Flying V, e ainda nomes emprestados de artistas como Les Paul, Trini Lopez e Tal Farlow. A Gretsch idem, com 6120, Country Gentleman, White Falcon e outros. Outros fabricantes de instrumentos e de equipamento seguiram e seguem essas linhas de conduta. Para alegria de Bob Moog, parece que os fabricantes perceberam, e vêm até sendo lançados teclados - reais e virtuais - com nomes como Fantom, Motif, Absynth e Triton.
Mas o que preocupa, pelo menos a este editor, é o desaparecimento progressivo dos grandes nomes do áudio. Les Paul, Leo Fender, Rupert Neve, Leo Beranek, George Massenburg e outros gurus, sejam vivos e saudáveis ou já desaparecidos do mundo material, não vão sendo substituídos por novos nomes. A criação vai-se tornando impessoal, fruto do trabalho de afinadíssimas equipes, enfurnadas em laboratórios ultra-hi-tech, usando computadores avançados e conhecimentos armazenados em gigantescas bases de dados. Tudo muito preciso, muito higiênico, muito linear e perfeito. Risco zero.
Às vezes sinto certa saudade do tempo do empirismo. Não do falso "empirismo" ou do "achismo" daqueles que não têm qualquer base; falo do experimentalismo da velha guarda, daquela antiga paciência de passar horas no laboratório, tentando tirar leite de pedra, melhorando o que já estava satisfatório; enfim, satisfazer ao ego e ao ouvido. Falo da criatividade dos inventores que, se não dispunham de fartos conhecimentos nem de laboratórios que mais pareciam de ficção científica, dispunham de mentes férteis e de criatividade sem auto-censura.
Não sabemos como ficará o mundo tecnológico daqui a algumas décadas, quando todos os antigos gurus tiverem desaparecido da face da Terra. Mas vamos torcer para que haja um Renascimento, que o Áudio volte a ser tema de sonhos menos racionais.
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