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Revista Luz & Cena
Teste
GR-20, o novo conversor MIDI para guitarra da Roland
Edição de timbres é ponto forte
Saulo Wanderley
Publicado em 01/02/2006 - 00h00


Se nas décadas de 50, 60 e 70 elas reinaram nos palcos do mundo inteiro, no começo dos anos 80 eles começaram a deixar os estúdios e também foram para a boca de cena. Calma leitor, Música & Tecnologia não está inaugurando uma seção de comportamento dos artistas. Elas são as guitarras, e eles são os teclados...

Mas o que eles traziam de novidade? A partir dos anos 70, os teclados deixaram de ser simples imitações do piano e do órgão para adquirir o status de controladores. Mas controlar o quê? Resumindo, controlar o timbre, a quarta propriedade do som, primitivamente definida nos velhos livros de teoria musical como "a origem do som". Além da altura (grave-agudo), duração (tempo) e intensidade (força com que se toca), o timbre era o parâmetro sonoro mais obscuro, e muita gente boa até hoje se complica na hora de defini-lo.

O fato é que os sons conhecidos pela música popular, que de cara revelavam os instrumentos que os originavam, começaram a enganar os ouvintes. Quem acha, por exemplo, que a flauta na introdução de Stairway to Heaven do Led Zeppelin é um instrumento de sopro foi enganado. Trata-se de um instrumento chamado Mellotron, um teclado em que cada tecla controlava uma fita magnética com os mais variados sons gravados. As extremidades das pequenas fitas eram coladas, de forma a reproduzirem os sons em loop, sem parar, e cada som gravado tinha uma altura correspondente à tecla.

Esses artifícios, na verdade iniciados na década de 20 pelos vanguardistas da música, atingiram seu ponto máximo quando a comadre informática começou a tagarelar com a comadre tecnologia musical para facilitar a invenção de novos timbres - vistos como verdadeiros novos instrumentos - e resultaram em acordos entre os maiores fabricantes de instrumentos musicais eletrônicos para elaborar um sistema que permitisse aos computadores se comunicarem com os teclados e vice-versa. Nascia assim o sistema MIDI - Interface Digital para Instrumentos Musicais - que reunia equipamento, transmissão de dados e formatos de arquivos de som.

Observe aqui o guitarrista - ou violonista - que o MIDI foi bastante baseado na ação de um teclado, com seu mecanismo simples de interruptor. Acionar uma corda com os dedos ou com uma palheta envolve mover essa corda de quatro formas diferentes, e contar com captadores que reconheçam pelo menos uma boa parte dos sons produzidos dessa maneira. Captar o som de uma corda é algo bem mais complexo do que captar um liga-desliga para cada tecla. Afinal "elas" sempre foram mais complexas do que "eles". Sabe como é, vai entender as mulheres...

O sistema MIDI é o que se convencionou chamar de protocolo MIDI. Envolve um formato de arquivo, softwares e hardware, e foi como que deixado em um injusto segundo plano pelo formato MP3, que reduzia o tamanho dos enormes arquivos WAVE. Por que segundo plano? Porque o MIDI não permite a inclusão da voz - por exemplo - em uma gravação apenas no formato MIDI. Qualquer som que não seja gerado pelo MIDI, ou seja, gravado por microfone ou outra tomada de som, ficava excluído da seqüência MIDI, daí o sucesso do MP3 e, mais recentemente, do MP4.

A primeira guitarra-sintetizador

Em 1978, a Roland lançava seu sistema de guitarra-sintetizador batizado de GR-500, que consistia em um módulo controlador ligado a uma guitarra Ibanez baseada no design da Gibson Les Paul. Essa ligação era feita por um cabo de 24 vias, e a guitarra tinha vários captadores e controles no tampo. Já em 1980 era lançado o sistema GR-100, que podia ser disparado por três modelos de guitarra: o G-505, um modelo Telecaster com três captadores simples; o G-303, semelhante a uma Gibson SG; e o modelo mais incrementado, o G-202, no estilo Stratocaster com dois humbuckers. O cabo de 24 vias continuava no pedaço.

O cabo que transmite as informações MIDI é uma das partes do sistema que até hoje gera controvérsias. Antes das portas USB e FireWire, o cabo MIDI reinava com seus cinco pinos, o famoso cabo DIN, muito parecido com o usado pela Philips em seus gravadores desde a década de 70, mas com conexões diferentes. Fabricantes desenvolveram cabeamentos exclusivos, como alternativas para as portas seriais, paralelas e até entradas para joysticks que eram usadas para transmitir informações MIDI a baixo custo desde a década de 80. Em novembro de 2000, o protocolo MIDI se adaptou aos sistemas de 32 bits, padronizando as portas FireWire.

O cabo desenvolvido pela Roland tem como função levar o som de cada um dos seis polos do captador dividido para serem processados. Logo, tem 13 pinos, sendo 6 para as 6 cordas e os demais para controlar os captadores normais, o volume MIDI, um sem uso e mais dois pares para parâmetros MIDI (switch 1 e switch 2, + fonte e - fonte).

Com a separação de captadores, os guitarristas podiam endereçar cada corda para um timbre diferente, em canais MIDI diferentes, o que permitia, por exemplo, tocar uma linha de baixo nas cordas 6 e 5, um cello e uma viola nas cordas 4 e 3 e violinos nas cordas 2 e 1.

Quando foi lançado o GR-30, a Roland, a Fender e a Cakewalk entraram em parceria para lançar uma guitarra modelo Stratocaster já com o GK-2A instalado e os comandos no escudo. O corpo era de uma madeira propícia à ressonância - Alder -, braço em Maple e escala de Rosewood. A Cakewalk lançou o software Guitar Studio com direito a plugin com mais de uma centena de presets de efeitos e uma ferramenta para criar acompanhamentos (Song Wizard). Na época, a Roland já voltava suas atenções para os guitarristas, como dizia seu gerente de produtos Paul Youngblood: "Nós gastamos anos aperfeiçoando a arte da síntese na guitarra e oferecendo aos guitarristas métodos para expandir suas opções musicais".

O ponto fraco da guitarra sintetizada era o atraso no ataque das notas. Para entender o problema, vamos comparar o sistema da Roland com uma guitarra comum, ligada a um pedal de wah-wah e num amplificador. A guitarra seria o gerador de som (VCO, Oscilador de Voltagem Controlada), o pedal seria o VCF (Filtro de Voltagem Controlada) e o amp o VCA (Amplificador de Voltagem Controlada). O oscilador gera o sinal, o filtro o modifica - através do movimento do pé alternando entre o grave e agudo do pedal - e o amplificador faz o que seu nome indica.

A forma mais simples de descrever um envelope é compará-lo com um gatilho, composto por ataque, fim do ataque, começo do recuo e recuo. Nos teclados o ataque é definido por um interruptor em cada tecla, mas na guitarra é preciso "extrair" um controle de voltagem de cada nota, tocada em cordas soltas ou presas. O sistema MIDI traduz as variações de voltagem. A Roland apresenta no seu mais recente gerador de som MIDI para guitarra as últimas inovações nesse sentido, reunidas de modo prático e ao alcance dos guitarristas "normais".

GR-20, o novo gerador MIDI da Roland



O Roland GR-20 se parece com um pedal de efeito mais incrementado, e à primeira vista nota-se um grande pedal de volume (cujo parâmetro pode ser outro que não o volume) e dois pedais menores que vêm de fábrica com os controles de glide e hold, que também podem ser personalizados quanto aos parâmetros. Tem uma polifonia (capacidade de gerar sons simultâneos) de 48 vozes e vem com nada menos do que 469 timbres, com uma memória em banco que permite personalizar e salvar 99 deles, além de efeitos, chorus e delay/reverb.

O GR-20 extrai o som da guitarra - qualquer que seja ela, desde que com cordas de aço - através do captador GK3, evolução dos anteriores GK2. Dele sai um cabo MIDI (adeus aos cabos de 24 vias, que se aposentaram no lançamento do antigo GR-300) plugado ao módulo e um pequeno cabo de guitarra que deve ser ligado na saída normal do instrumento. Detalhe: é possível plugar esse cabinho não só para ter o som da guitarra pura ou com efeitos tradicionais mixado com os timbres MIDI mas também para aterrar seu instrumento com o terra do GR-20, diminuindo ruídos estranhos.


O captador dividido GK-3 e seus acessórios para montagem

Grande passo foi dado desde o primeiro sistema da Roland que permitia modificar e criar sons, o GR-700, com seus 64 timbres somados a outros 64 em um cartão M-16C. O GR-700 permitia associar a cada corda um timbre diferente. Uma função de dinâmica permitia ao guitarrista controlar a atuação dos osciladores e dos envelopes criados pelo filtro e amplificador de voltagem controlada. Isso acontecia no ano de 1984 e, logo em seguida, a Roland lançaria um trio de guitarras de design futurista com captador MIDI, captadores normais humbuckers, alavanca e 24 trastes. Estávamos em pleno nascimento do MIDI.

Comparando o GR-20/GK3 com o que eu conseguia com minha velha G-707 preta, a sensação que se tem é de sair de um fusca para um new beetle. Mesmo em relação aos outros GRs como o GR1, GR-30, GR-33, alguns avanços são notáveis no GR-20, que tem dois anos de idade (nasceu em 2003, 20 anos depois da invenção do protocolo MIDI). Um desses avanços é o design simplificado por comandos que, para o guitarrista acostumado com pedais analógicos, é mais intuitivo. Mesmo abrindo mão de um excesso de leds - sinônimo de topo de linha - para knobs rotativos nas funções principais.

Outro avanço são as possibilidades de adaptação do captador GK3. O kit vem com inúmeras opções de fixação em guitarras de superfície plana ou abauladas como as semi-acústicas. Pode ser fixado por fita adesiva, parafusos, braçadeira e combinações, com espaçadores e outras peças muito bem pensadas quando se trata de colocar os captadores alinhados com as cordas, etapa fundamental da tomada de som do sistema. A guitarra precisa estar afinada, com ajuste de oitavas e tudo, senão a extração da freqüência fica comprometida.


Captador GK-3 instalado em uma guitarra tipo Stratocaster®

Mixagem de sons MIDI e normais

Uma das preferências dos guitarristas foi percebida pela Roland ao deixar no aparelho a possibilidade de mixar o som MIDI com o som da guitarra normal, com ou sem efeitos fora do GR20. Um guitarrista com G maiúsculo não abre mão de um bending, que, puro, tem características que nenhum timbre emulado imita, por exemplo. Logo, existem saídas Mix e Output diferenciadas, sendo que na Mix você tem o som do GR-20 mais o som da guitarra, desde que o cabo de sinal esteja conectado ao input do GK3. O casamento de timbres de guitarra com efeitos tradicionais junto com timbres MIDI é o bicho do GR-20.

Uma solução caseira para estudar com o GR-20 é plugar um CD player, por exemplo, na entrada Mix In, para tocar junto com a gravação. Plugando no Mix In direito, a entrada é mono, dá pra usar um simples gravador, ou sistemas estéreo usando os Mix In direito e esquerdo. Uma saída Guitar Out permite mandar o sinal da guitarra para efeitos e da saída do processador de efeitos retornar via Mix In. Fones de ouvido podem ser conectados às saídas; se for estéreo, use o Out Left. Para amplificar em amp mono, use a saída Out Right.

Tudo conectado, alimentação e sinais, você liga o GR-20 no Power do painel traseiro, ajusta o nível de saída em um knob também na parte de trás, ajusta o GK3 que também tem um knob de sensibilidade, além de uma chave de três posições: guitarra pura, mix e GK puro. O led de Signal indica que o captador está enviando sinal para o módulo. Logo abaixo desse led, o comando Sens ajusta a sensibilidade de cada corda em cinco estágios, e esse ajuste pode ser feito no próprio GK, nas teclas Down e Up. Esse ajuste também é importante para o funcionamento geral do sistema.

Você pode usar o recurso de afinação do GR-20, que usa as luzes centrais do painel. A afinação padrão é de 440 Hertz (Lá), mas varia entre 427 e 452 Hertz. Dá também para otimizar a saída do sinal do GR-20, optando entre amplificador de guitarra ou linha, essa última opção quando plugamos em sistema estéreo. Muitos patches MIDI soam diferentes em amplificações mono ou estéreo. Os patches podem ser escolhidos pelo knob rotativo do painel ou através dos espertos Down/S1 e Up/S2 do GK3, ou ainda pelos pedais Glide e Hold, que podem ter seus parâmetros personalizados.

Se você usa processador de efeitos, pode configurá-lo para acessar os efeitos, ou seja, o canal de transmissão do processador endereçado para o canal de recepção do GR-20. Use para isso o botão System Edit até chegar na opção MIDI CH / PLAY FEEL. Os patches do processador podem disparar os patches do GR-20, mais uma sacada do fabricante pensando nos guitarristas que vêem o timbre MIDI como um timbre de efeito, e não como uma emulação de outro instrumento. O que não deixa de ser uma simples questão de timbre.

Edição de timbres

Chegamos agora ao ponto forte do GR-20, a edição de timbres. Ainda que um tanto limitada pelos controles de Attack, Release, dos efeitos de Chorus e Delay/Reverb, os comandos de edição permitem modificar ainda a freqüência de corte e a ressonância do filtro do gerador de som. Além disso, há o comando Play Feel, com quatro opções: variação de volume, mantendo volume mais alto mesmo tocando leve, volume fixo, ou supressão de notas tocadas de leve. Todas as edições podem ser salvas a partir de qualquer patch e armazenadas no banco User.

Os pedais Glide e Hold também têm comandos interessantes. O Glide pode variar de meio tom a uma quarta justa. O Hold permite sustentar notas que já estejam soando enquanto você toca outras. Esses comandos permitem usar o som da guitarra com ou sem efeitos em conjunto com os timbres MIDI. Você pode tocar acordes e melodias usando um e outro timbre, mais um recurso pensado para os guitarristas e as técnicas de solo junto com acordes, harmonizando total ou parcialmente as frases. Poderíamos dizer que este é o ponto mais forte do equipamento.

Mas um dos recursos dos antigos GRs em relação a este foi deixado de lado, pelo menos se você não conta com outros timbres de módulos de som além dos bancos do GR-20. É a possibilidade de tocar cada corda com um timbre diferente. Para fazer isso só endereçando os 6 canais MIDI a 6 pistas de um seqüenciador, por exemplo. Você escolhe um canal MIDI e a partir dele são usados seis outros. Por exemplo, endereçando em modo mono para o canal 8, serão usados os canais 8, 9, 10, 11, 12 e 13 para as seis cordas.

É interessante notar que, para se comunicar com o computador, precisaremos usar uma interface MIDI que trabalhe com cabos MIDI diferentes dos usados para plugar o GK3 no GR-20. Mesmo se usarmos o GI-20, uma interface desenvolvida especialmente para o GK, com amplas possibilidades de controle, as saídas da interface para módulos externos de timbre são conectores DIN-MIDI, e a saída de dados é feita por um cabo USB. Uma padronização das portas USB está em desenvolvimento pelos especialistas MIDI, nos mesmos moldes da padronização para as FireWire.

Com todas as facilidades MIDI voltadas para o guitarrista, o GR-20 tem tudo - inclusive o preço - para atender ao crescente número de instrumentistas que não se contenta com os sons óbvios. Trata-se realmente de um desenvolvimento de um produto com os olhos e ouvidos no usuário final, e não de uma adaptação ou simplificação do que se tem no mercado para a guitarra sintetizada. A relação custo-benefício do GR-20 é exemplar, tendo em vista outros equipamentos com maiores capacidades de edição dos timbres, mas também de subtração do seu saldo bancário.   
Tags: MIDI
 
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