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Revista Luz & Cena
Entrevista
A vitória do astronauta
O DJ carioca Marcelinho Da Lua fala sobre carreira, equipamentos e a conquista do VMB 2005
Rodrigo Sabatinelli
Publicado em 05/12/2005 - 00h00
Se fosse somente um Disc Jockey especializado em drum'n'bass e jungle, Marcelinho Da Lua já teria dado sua contribuição para a música. No entanto, o carioca é bem mais que isso. Produtor musical, integrante de duas bandas - Bossacucanova e Tranqüilo Sound System -, engenheiro de som, instrumentista, e, claro, DJ, ele é, atualmente, um dos nomes mais solicitados quando o assunto é remix em e-music. Mas nada lhe veio tão facilmente, muito menos a calhar.

Amante do áudio e das tecnologias que envolvem o meio, ele confessa que, muito antes de sonhar em se tornar um dos DJs mais bem sucedidos do país, e que ainda pode se gabar de ter uma sólida carreira internacional, foi preciso percorrer um longo caminho. Caminho esse em que trabalhou como roadie de bandas independentes, administrador e assistente de estúdios de ensaio e gravação, e, até mesmo, animador de festas.

Hoje, menos de uma década depois, a história é diferente. Da Lua tem em sua bagagem trabalhos importantes, realizados com músicos como João Donato, Seu Jorge, Black Alien, Carlos Lyra, Mat'nália, Lenine e Mad Professor, e com os grupos Os Paralamas do Sucesso, Trio Mocotó e Os Cariocas, entre outros.

Recentemente, fez uma turnê de 40 dias pela Europa e Estados Unidos, onde se apresentou com sua banda Bossacucanova, e como artista solo. De volta ao Brasil, remixou canções de Orlan Divo, do mestre da soul music brasileira Hyldon e dos Paralamas, além de ter aberto o show de Moby, no Rio de Janeiro.

Para fechar o ano com chave de ouro, foi indicado ao prêmio de melhor clipe de música eletrônica, no Video Music Brasil (VMB), da MTV, categoria em que concorreu com Anderson Noise, Ramilson Maia & Pato Banton, Sonic Junior e Freakplasma. E adivinhe quem levou o troféu pra casa?


Seu envolvimento com o áudio começou muito antes de sonhar em ser DJ, não é mesmo?
No início, eu fazia de tudo um pouco, trabalhava em equipes de som, produzia demos de bandas de amigos, era roadie, enfim, estava sempre disposto a adquirir conhecimento. Até que me tornei administrador do estúdio de Arnaldo Brandão, o Hanói, no Rio, e, logo, tive participação de 25% na sociedade. Em seguida, Bernardo Bittencourt, filho de Raimundo Bittencourt, que também tinha um estúdio de gravação, me convidou para trabalhar como assistente. Era a grande oportunidade de aprender a gravar discos.

E como entrou para a gravadora Albatroz?
Através de meu primo Márcio Menescal, filho do mestre Roberto Menescal, que é dono da empresa. Eu, Márcio e Alexandre Moreira trabalhamos como engenheiros de som na casa e, algum tempo depois, fundamos nosso próprio grupo, o Bossacucanova. Na Albatroz, trabalhamos com grandes nomes da música como Carlos Lyra, o grupo Os Cariocas, Wanda Sá e, claro, Menescal. Houve uma época em que passava madrugadas trancado no estúdio para fuçar os equipamentos.

É verdade que você e a rapaziada do Bossacucanova são freqüentadores assíduos da convenção da AES?
Se não me engano, juntos, fomos a umas seis edições da feira no exterior. Nós ficávamos enlouquecidos com a quantidade de equipamentos que víamos e, numa dessas viagens, em 95, em Nova York, compramos um gravador digital chamado Soft Splice, uma espécie de hardware e HD num mesmo módulo, com entradas AES/EBU, conectado via SCSI. Esse equipamento foi largamente utilizado nas produções feitas para o Cucamonga [Selo interno da gravadora Albatroz, dirigido pelo Bossacucanova], inclusive em nosso primeiro disco, e tem, ainda, entradas para S/PDIF e entrada para SMPTE.

Mas, em 1995, você já discotecava em algumas festas...
É, mas estava apenas começando. Na verdade, eu pegava os discos da minha mãe e tocava pra uns camaradas (risos), até que passei a comprar meus próprios vinis e, com o tempo, produzir festas maiores, como as que realizei com a equipe de MCs do Planet Hemp [Marcelo D2, B Negão e Gustavo Black Alien]. Naquele momento eu já tocava funk, hip hop e outros gêneros musicais que curtia.


Fale sobre sua primeira experiência no exterior, em que abriu para nomes como Basement Jaxx e Fatboy Slim, no festival Transmusicales, na França, tocando um set inédito de canções produzidas pelo Bossacucanova.
Esta viagem foi bastante produtiva e engraçada (risos). Produzi um CD com cerca de sete faixas inéditas. Eram músicas muito bacanas, feitas especialmente para aquela ocasião. Acontece que, no meio da apresentação, o aparelho de CDJ começou a engasgar e o disco travou. Foi barra! Dali em diante, abandonei esse tipo de mídia e voltei a tocar apenas com vinis. Já no dia seguinte, preparei um set só com músicas brasileiras para tocar num café próximo de onde estávamos, e foi um tremendo sucesso. Toquei canções de Elis Regina, Wilson Simonal, Tim Maia, Jorge Ben, com alguns poucos vinis que levei. Ao acabar o set, fui convidado pra participar de uma compilação muito bacana chamada Samba soul 70', lançada somente na Europa.

Como você aprendeu a discotecar?
Cara, sou meio autodidata, embora tenha contado bastante com a ajuda de amigos. O DJ Zé González, por exemplo, foi quem me passou grandes dicas de como se fazer um scratch perfeito.

Que profissionais da área você destaca?
Admiro bastante o trabalho de Marky, que, na minha opinião, é um cara tecnicamente muito bom, e de Fábio Machado, um super DJ de drum 'n' bass e jungle.

O que usa em suas apresentações como DJ?
Raramente levo meu equipamento para os shows que faço. Costumo solicitar ao contratante que alugue um setup que atenda aos meus desejos. Geralmente utilizo duas pick-ups SL1200 MKII, da Technics, com agulhas Ortofon Pro Set, um mixer Pioneer 700 e um headphone Technics. Quando uso CDs, solicito um par de CDJs da Pioneer.

Você toca algum instrumento?
Mais ou menos (risos). Nos shows do Bossa, faço uns acordes em meu teclado Novation e crio umas ondas no Studio One, uma espécie de Moog, fabricado artesanalmente na Califórnia. Há tempos, tive um contrabaixo, que é um instrumento que adoro, mas que não cheguei a aprender a tocar bem. Não me considero essencialmente um músico.

Como é tocar com a banda Tranqüilo Sound System?
É uma maravilha, né? A banda se divide no palco da seguinte maneira. Donatinho toca teclados e opera os softwares Reason e Ableton Live; eu também opero alguns softwares, toco em uma MPC1000, da Akai, manipulo alguns teclados e duas pick-ups com delays, enquanto Ângelo B toca baixo, teclado e faz alguns vocais, e Rodrigo Cha toca sax, violão e teclados. Nós contamos, ainda, com a vocalista Gabriela Geluda, que assume a frente.

Como conheceu Mad Professor, o papa do dub?
Produzi Tranqüilo!, meu primeiro álbum solo, lançado pela Deck Disc, com Rafael Ramosv. O trabalho foi gravado e mixado por Rodrigo Vidal no Estúdio Tambor. Eu e Rafa fazíamos bounces diários, levávamos pra casa e ouvíamos, cuidadosamente, todo o material. Quando decidimos trabalhar nos remixes deste disco, pensamos em diversos nomes, até que chegamos ao de Mad Professor, que, coincidentemente, é um velho conhecido de uma grande amiga, Maira Guarabira, filha do compositor Guarabira. Eu e ela ligamos pra ele, mostramos alguns trechos de músicas pelo telefone e fizemos o convite. Mad aceitou de imediato e, pouco tempo depois, no carnaval, veio ao Brasil com seu HD para buscar as sessões. Ele voltou para Londres, onde fez os remixes, e nos entregou tudo pronto sete meses depois. Ficamos de boca aberta quando ouvimos o produto final.

Mad tem uma maneira peculiar de fazer os remixes, não é?
Cara, o Mad Professor é genial. Ele aperta o play da máquina e cria as ondas de dub ao vivo. Nada do que faz é muito editado. É tudo muito mais humano.

Aliás, como era produzir música eletrônica antes da chegada de softwares como o Reason, o Fruity Loops e o Cakewalk?
Tudo era muito difícil, né? Mas, no fundo, era muito mais prazeroso. Eu produzia meus trabalhos assim como os grandes rappers. Utilizava um Drumulator SP12, da EMU, uma espécie de MPC [uma bateria eletrônica da Akai] que tinha back-ups em cassete e que funcionava de maneira bem simples.

Existia um maior estímulo do processo de criação, vistas as dificuldades e condições de trabalho nem sempre favoráveis?
Certamente. Era muito mais fascinante trabalhar daquela maneira. Operei equipamentos como o A-DAM, uma máquina da AKAI de 12 canais que operava com fitas específicas de cabeças rotativas, além das tradicionais máquinas de rolo. Particularmente, não vejo graça alguma em fazer música fácil. A preguiça é o grande mal da humanidade.

E o que utiliza atualmente para produzir suas loucuras musicais?
Hoje, não abro mão de usar meus brinquedinhos, os delays analógicos como o Space Echo, que tenho em meu home studio, os pré-amplificadores externos e uns pedais de efeito antigos da Giannini.

Que sistema você tem no seu home studio?
Tenho um Mac G4, com uma Digi 002 e um Pro Tools, mas pretendo adquirir um G5, pois quero usá-lo com o software de edição de imagens Final Cut.

E você utiliza o processamento do próprio software?
Na verdade, prefiro usar parte do processamento externo, dos delays aos filtros. Os plug-ins que mais utilizo são simuladores de gate e de compressão. Na verdade, meu sonho é ter um pré-amplificador estéreo da Universal Audio e uma LunchBox, da EPI, com dois equalizadores gráficos e dois prés, além de dois microfones Neumann M-147.

O que você usou para fazer os remixes dos Paralamas do Sucesso, Orlan Divo e Hyldon?
Para as canções dos Paralamas, utilizei, basicamente, meus delays e meus pedais Giannini. O material foi editado num Pro Tools. Já no remix de Orlan Divo, busquei trabalhar com samples de vinil, misturados com instrumentos tocados, como os violões do maestro Flavio Mendes, que participou da faixa. Na canção de Hyldon, usei os mesmos delays e ainda acrescentei as guitarras de Ras André, integrante do grupo de reggae carioca Ponto de Equilíbrio.

Como foi participar do show de Moby?
Foi muito bacana, uma tremenda honra, além de ser uma oportunidade única, que valeu muito a pena tanto pra mim quanto pro Patife [DJ que também participou do evento]. Mas tive alguns problemas com o som, porque os técnicos do evento resolveram desmontar o palco justamente na hora em que eu estava tocando. A agulha não parava sobre os discos.

Você faturou, pela segunda vez, o prêmio de melhor clipe de música eletrônica no VMB. Cotidiano e Refazenda, as canções premiadas em 2004 e 2005, respectivamente, têm muitos elementos acústicos. Como é fundir os dois universos?
Pois é, essas músicas se encaixam na categoria de música eletrônica, mas, no fundo, elas são bem mais orgânicas, pois têm percussão, pandeiros, baixos e outros instrumentos acústicos. É música eletrônica, porque tem a textura eletrônica, mas soa como canção. Eu, particularmente, sempre que posso, faço essa junção de universos.


Como foi entrar para a trilha do jogo novo da Fifa Soccer?
Tranquilo! entrou para a trilha do jogo, o que me deixou muito feliz. Foi uma coisa que o departamento internacional da minha gravadora cavou e que prova que eles estão investindo mesmo no meu trabalho. Fico muito feliz com todo esse empenho.

 
 
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