Num domingo nublado, dia 13 de junho, M&T esteve em Minas Gerais, nos bastidores do show do Jota Quest, uma das grandes revelações pop nos últimos dois anos e que vem mantendo a saudável média de18 apresentações por mês (chegaram a fazer 23) numa época em que essa turma vem perdendo espaço para o axé, o sertanejo urbano (se quiser pode chamar de romântico que também vale) e o pagode. Apoiados na turnê "De Volta ao Planeta", (o 2º CD, lançado em 98), Rogério Flausino (vocal), Marco Túlio (guitarra), Márcio Buzelin (teclado), Paulinho Fonseca (bateria) e PJ (baixo) converteram em ondas sonoras um mix de soul, funk, rock e MPB (recebem o reforço de um eficiente naipe de metais) no estacionamento do Minas Shopping, em BH.
Como não poderia deixar de ser, entrevistamos os técnicos de som Marco Carvalho (P.A., ex-Asa de Águia) e Marcos Amorim (monitor, ex-Fernanda Abreu). Eles comentam as soluções para manter o mesmo nível das cinco guitarras usadas no show, os problemas das locadoras, a razão do in-ear monitor do cantor receber a mixagem do P.A. (e não a do monitor), seus equipamentos preferidos e ainda o input list. Cada músico também apresenta seus instrumentos e efeitos. A sonorização ficou a cargo da Stick Som, empresa sediada em Piracicaba (SP). Dentre o equipamento constavam: consoles Crest Audio Century e Soundcraft SM-16, caixas acústicas FZ Áudio (P.A.) e EAW, amplificadores Crown, gates Drawmer, efeitos e equalizadores Yamaha e Lexicon, compressores e processadores BSS etc.
Driver Instalado no Banco do Baterista Simula Subgrave
M&T: Fale sobre as particularidades da banda, o dia-a-dia na estrada...
Marcos Amorim: É o arroz-com-feijão mesmo, o som é bem simples. A maioria dos músicos usa in-ear monitor, é uma facilidade a mais. O PJ é "anti fone", gosta de pressão muito alta. São dois monitores no máximo de volume e um side fill. E isso (a mixagem) tem que estar muito equilibrado.
M&T: Os metais também usar in-ear monitor?
Marcos: Não. Os fones que eles usavam queimaram porque não eram apropriados. Voltamos a utilizar monitores até de uma forma incorreta, por trás, por causa do praticável, que faz parte do cenário. Em lugar aberto não é complicado, mas em ginásios de acústica horrível eles sentem falta.
M&T: O baterista está usando um shaker debaixo do banco...
Marcos: É uma espécie de driver (50 W/ 4 ohms) da marca Aura, que vibra de acordo com o sinal que é enviado, principalmente nas freqüências baixas do bumbo. Ele tem a vibração que eu não conseguiria com duas caixas de subgraves. Para mixar os clicks e a minha mixagem, o Paulinho usa um distribuidor de fones da Behringer (Powerplay). O Rogério usa o in-ear (Shure PSR-600) de um lado só, embora eu ache isso errado, mas ele se adaptou bem. Ele não escuta a mixagem do P.A., principalmente por causa dos delays e do equilíbrio. Eu não costumo mixar muito o palco, eu deixo como o músico está tocando para ele saber o que está certo ou errado.
Marcos Amorim (à esquerda), técnico de monitor, e Marcos Carvalho, técnico de P.A.
Console de Monitor
M&T: Você tem usado alguma microfone para captar público?
Marcos: Não precisa, principalmente porque o ruído do público é alto e tanto o Rogério quanto o Marco Túlio e o Marcelo usam o in-ear de um lado. Às vezes temos que aumentar o volume para encobrir a platéia.
M&T: Qual a sua console preferida?
Marcos: A Soundcraft SM-16, que é a de mais fácil visualização. É mais rápida e tem o detalhe do nível de cue, pois em cada endereçamento você tem um nível auxiliar que ajuda a equilibrar, assim a pré-escuta sempre fica igual. E desde a época da Fernanda Abreu eu prefiro usar o fone, que permite uma audição mais real. Normalmente a mesa de monitor está atrás do P.A., você escuta a ressonância, e com o fone eu tenho uma idéia melhor. E como a maioria dos músicos usam in-ear monitor, fica mais preciso ainda.
Mixando 29 Canais
M&T: O que mudou de um ano para cá, época em que você entrou nesta "gig", em termos técnicos e até mesmo musicais?
Marco Carvalho: É mais tranqüilo fazer o Jota Quest porque eles mandam a coisa bem tocada de lá, quase tudo pronto. São cinco canais de sampler que a toda hora tenho que pilotar, mas no geral eu acho mais fácil. Eu fazia música baiana e é difícil tentar algumas dinâmicas porque a maioria das músicas são iguais.
M&T: Quantos canais são utilizados?
Marco: Agora são 29, porque embora o Márcio use muitos teclados, ele tem uma mesinha que manda para mim um L/R e a única coisa que fizemos questão de separar foram as cordas (sampleadas).
M&T: Como é o relacionamento entre vocês e o JQ?
Marco: Todos são bem técnicos - principalmente o Paulinho e o Márcio. Perguntam como foi o show, o que pode melhorar, e é bom que eles ainda estão nessa fase... E vão continuar, pois gostam do que fazem. O Marco Túlio sempre pede para gravar o show, ele usa cinco guitarras de timbres bem diferentes e antes existia diferença de volume de uma para outra.
M&T: ...O que foi feito para resolver isso?
Marco: Resolvemos com cinco transmissores UHF, um para cada guitarra, e todos com o mesmo canal de transmissão. Na hora de trocar, o roadie liga um transmissor e desliga o outro.
Qual o Som Ideal? Igual ao Disco ou Específico Para o Show?
M&T: Você trabalhou durante nove anos com o Asa de Águia. Foi muito difícil adaptar-se ao estilo pop ou você vê semelhança entre os dois?
Marco: O Asa era bem pop, depois eles adaptaram-se ao Axé. Hoje em dia está um pouco diferente, até pelo lado comercial mesmo, já não me atraía, era um pessoal legal, mas não era prazeroso fazer o som...
M&T: Trabalhar num trio elétrico é uma tarefa bem diferente do dia-a-dia da formação "normal" do P.A.. Lá, você é obrigado a criar procedimentos bem diferentes do que num show. Com o JQ você sente falta desses desafios?
Marco: Nós tocamos num trio elétrico em Cabo Frio (RJ) no verão (risos). É um trio do Espírito Santo (Adrenalina) e me surpreendeu. O trio deixou de ser tão desafio porque houve uma época que não tinha nem microfone direito, o P.A. era adaptado...
M&T: Você é, reconhecidamente, um técnico que se destaca por utilizar muitos artifícios da mixagem ao vivo (pans, efeitos, simulações de estéreo etc). Que tipo de sonoridade é a ideal? A mais fiel ao disco ou um som específico para o show?
Marco: É mais específica para o show, porque eu nem escutei muito o disco. Eles exploram loops e, para não ficar artificial, eu faço questão de deixá-los mais baixos do que a bateria acústica. E com isso vamos adaptando alguns delays - de que eu gosto e às vezes acho que abuso - presentes no disco e outros que não existiam. Gosto de fazer isso para o pessoal sentir alguma coisa diferente.
M&T: ...Para as pessoas perceberem a mudança entre as músicas.
Marco: Você mixa cada música de um jeito. Não dá para ligar o piloto automático, a mão tem que ficar sempre na mesa e tem shows em que eu brigo com ela o tempo todo (risos)... E fico satisfeito quando a última música chegou na mixagem ideal, aí está ótimo...
P.A. Fora de Fase & Técnicos que Bebem na House Mix
M&T: Qual a sua referência para alinhar o sistema?
Marco: É o ouvido mesmo, eu não confio mais no analyzer, porque você está passando o som e alguém suspende uma talha, a iluminação, é alguém que grita... Eu prefiro usar um CD do guitarrista Ray Obiedo ("Iguana"), que uso há vários anos.
M&T: Foi muito difícil tirar um bom timbre dos metais, sem deixar que eles se misturassem com os teclados e samplers?
Marco: Não, porque isso é bem definido na banda, os teclados e samplers não soam como metais.
M&T: Quais os maiores erros que você tem percebido tanto em locadoras quanto em técnicos de som?
Marco: Às vezes nos surpreendemos com montagens de P.A.. Eu também trabalhei em firma e fazia questão de entregar da melhor maneira possível. Mas alguém entregar um P.A. insertado na mesa é um luxo, e quando você abre o P.A. percebe que está fora de fase, coisas que acontecem até em empresas grandes... O que eu odeio é o técnico da empresa beber e gritar com os amigos na house mix. Ele tira a sua atenção e esquece que você está ali trabalhando. Gosto de usar muitos compressores, não para comprimir demais, e sim para fazer uma dinâmica bem melhor. Porém, as firmas colocam oito canais de compressor e acham que é suficiente.
Efeitos
M&T: Quais os processadores que não podem faltar no show do Jota Quest?
Marco: No mínimo eu utilizo cinco máquinas (efeitos): dois para voz, um para bateria, um para guitarra e outro para metais e teclados.
M&T: Você adiciona outros efeitos além daqueles do próprio Marco Túlio?
Marco: Por enquanto a guitarra está vindo mono, então eu uso delays para dar um efeito de estéreo e para abrir para os lados.
M&T: Quer dizer, nada que vá descaracterizar o som da guitarra...
Marco: Não, nada a ver. E esse, inclusive, é o efeito suprimido quando as empresas só tem quatro máquinas para oferecer. Mas agora ele vai usar outro amplificador, esses delays virão programados em estéreo.
In-ear Monitor
M&T: Você disse que a mixagem endereçada ao in-ear do Rogério não é a do monitor, e sim a do P.A.. Porquê?
Marco: Eu mando uma via mono com o sinal do P.A. porque ele se acostumou a alguns efeitos que eu uso lá na frente. É lógico que poderia enviar só os efeitos ao Marcos Amorim, que os abriria para o Rogério, só que não é a mesma dosagem. Eu me preocupo como o som estará na frente, mas nesta hora o Marcos pode estar ligado em outras coisas... Quando um ginásio é muito crítico, tem muita reverberação, ele coloca o outro lado do in-ear - porque ele só usa um lado para ouvir o público.
M&T: Que microfone ele utiliza?
Marco: É um Shure UHF. Nos metais os Shure SM-58, porque os músicos também cantam. No bumbo, o AKG D-112, que eu gosto, e a segunda opção é o Electro-Voice RE-20. Por cima das duas caixas da bateria eu uso o Shure SM-57 comum, pois o tipo de afinação do Paulinho produz muito harmônico, e o Beta 57 realça ainda mais esses harmônicos e fica pior. O SM-57 é mais durão, mais "seco".
O Set Up de Cada Músico
Marco Túlio (guitarra)
"Uso um Marshall JCM 900 e uma caixa com quatro falantes de 12". O efeito é o Digitech Valve Guitar System 2120, que eu uso muito pouco. Tem o sistema UHF Shure, que é importante para não dar nenhum tipo de problema, com cinco transmissores, tem um Furman Power Conditioner e um afinador de rack Korg. Um footswitch da Marshall controla o JCM 900 e um footswitch MIDI controla os efeitos do Digitech. Além disso tenho um Wah-Wah e um pedal de volume da Morley. Guitarras: uma Gibson Flying V, uma Fender Telecaster reedição 1952, uma Gibson Les Paul Custom, uma Gibson SG edição aniversário e uma Gibson Chet Atkins semi-acústica. Uso delay, compressor, phaser e flanger. Em julho estarei com um Fender valvulado e trocarei o JCM-900 por um JCM-2000, que tem três canais com controles independentes de equalização e é estéreo." (ENTRA FOTO 3)
Márcio Buzelin (teclado)
"Eu levo um teclado monofônico analógico Yamaha CS-10, que é horrível, mas por tão horrível ele é bom, porque nada faz o que ele faz; e um piano elétrico Rhodes Seventy Three Mark II, é insuperável. Nas coisas mais novas tem o Roland A-90, que comanda todos os racks, funciona como um MIDI patchbay, que é ligado num computador que está com o Paulinho. Tem um sampler Yamaha A-3000, que faz as cordas, um outro sampler (Voce V-3), que simula só órgão antigo, um Roland JP-8080, em que eu faço vocoder, um JV-2080 e ainda um teclado Sirius Quasimidi. O Paulinho dispara as informações MIDI, que mudam os timbres do meu teclado, então não preciso encostar a mão no teclado - só para tocar -, o resto é mexer em filtro, essas coisas..."
Paulinho Fonseca (bateria)
"A batera é uma DW e eu uso dois samplers S-760 Roland, que são fáceis de mexer, e um computador notebook PC 486 simples com Windows 3.1 e com Cakewalk 3.1, quer dizer, é o mais básico, não dá 'pau' de jeito nenhum. Eu tenho os sequencers das músicas, as partes de teclado, de loopings e backing vocals que estão nos meus samplers. O computador gerencia teclados/ bateria e o bumbo e caixa são triggados. A intenção é nunca deixar o looping na frente, é só para dar um diferencial. Eu uso metrônomo direto, justamente porque o Behringer (distribuidor de sinal para fones) tem dois canais (um estéreo e um mono) e eu coloco o click no auxiliar e o monitor em estéreo".
Rack do guitarrista Marco Túlio:sistemas sem fio, afinador, Power Conditioner e processador de efeitos

Bateria acústica, pads e, abaixo, à esquerda, notebook PC 486 (Win 3.1 e Cakewalk 3.1) e samplers Roland S-760

Set up do baixista PJ
PJ (baixo)
"Eu uso um Warwick Pro Tube IX (cabeçote), um pré-amp Ada MB-1, um afinador de rack Korg, um Furman Power Conditioner e duas caixas. Com as válvulas o som fica mais funkeira, mais sujão, eu não gosto do som de baixo muito limpo. Uso um baixo MusicMan 77 e um Fodera Emperor (ambos de quatro cordas). Efeitos: o Bass Balls, da Electro Harmonix, que é bem antigão, de funk, lembra distorção meio Moog, um phaser de guitarra da MXR, um overdrive da MXR, um Super Phaser da Boss, um oitavador da EBS e um pedal compressor valvulado da ART."
Detalhe do shaker (Bass Actuator, da Aura) instalado no banco da bateria: simula um monitor de subgraves
André Luiz Mello viajou a convite da produção do Jota Quest.