Quem foi ao show sabe: Djavan está mais pop do que nunca. Alguns fãs mais antigos torceram o nariz, mas nunca suas apresentações estiveram tão cheias e tão animadas. Além disso, Djavan é Djavan, é sempre imperdível. A turnê de seu mais recente álbum, "Bicho Solto", começou em São Paulo, passou pelo Rio, no Canecão, ainda no ano passado, e em maio deste ano chegou novamente à cidade, desta vez no Metropolitan.
Foi nesta volta que fomos conferir a razão de tanto sucesso. Conversamos com Enrico De Paoli, técnico de som das últimas duas turnês de Djavan - "Bicho Solto" e "Malásia" - além de técnico de gravação dos dois discos. Enrico explica como é feito o som do show e conta o que vem aprendendo nesta e em outras experiências. "Eu sou contra os paradigmas... Por mais que se tente, é impossível estabelecer regras", diz, justificando a sua maneira de adicionar (ou não) efeitos, equalizações e novas sonoridades ao show. "Quando a música é boa, é possível ampliar o que ela faz com a sua emoção". Na segunda parte, entrevistamos Cláudio Coutinho, técnico responsável pela monitoração na qual, aliás, só são utilizados in-ear monitors.
"Eu Trago Muitas Idéias do Estúdio para o Show, Mexo na Mixagem o Tempo Inteiro"
M&T: Há quanto tempo você está trabalhando com o Djavan?
Enrico de Paoli: Desde a gravação do "Malásia", em 1996. Fui recomendado para ficar por apenas quinze dias, depois dos quais entraria outro técnico. Foi uma ótima oportunidade de mostrar meu trabalho e eles acabaram gostando - ainda bem - e os quinze dias viraram três anos. Já foram dois discos e duas turnês. Eu nem pretendia fazer show, só tinha feito uns P.A.s pequenos quando morava em Los Angeles.
M&T: Nos shows, como é processada a voz do cantor para manter o timbre e a inflexão característicos?
Enrico: O Djavan tem um sibilado característico, em torno de 5kHz, quase um assobio. O agudo que me incomoda eu tiro no equalizador gráfico. A própria eletrônica acentua o sibilado, ainda mais quando você comprime: os graves são comprimidos mais intensamente que os agudos, por causa da velocidade do compressor. Então, quando você começa a segurar a voz no compressor, aquele sibilado que antes não incomodava passa a incomodar.
O Djavan usa um AKG 5900 sem fio, que é sempre o mesmo. Em relação a compressor eu uso o que tem, que geralmente é bom, já que as boas empresas têm bons equipamentos. Gosto muito do BSS (quad compressor), que já tem um de-esse. Uso também o dbx 160, que todo mundo usa...
M&T: O estilo jazzístico do Djavan exige algum procedimento específico?
Enrico: Eu trago muitas idéias do estúdio para o show. Mexo na mixagem o tempo inteiro, é quase uma automação ao vivo, já que algumas horas você quer mais teclado, mais guitarra, ou instrumentos percussivos... Às vezes, é preciso que a base cresça - é claro que os músicos fazem isso -, mas aqui na frente ouço melhor o que está acontecendo. Então, uma parte da dinâmica eu faço no P.A.. O show tem muitas nuances mas eu apenas as acentuo, tornando-as mais perceptíveis, não só em relação ao volume, mas também à equalização.
Enrico de Paoli: "A primeira regra é não ter regra. Mas é lógico que o alinhamento do P.A. tem que estar com um som agradável
O Velho Dilema do SPL Ideal...
M&T: Como é equalizada a voz?
Enrico: É equalizada o show inteiro, porque ele canta cada música numa região; mudando a região, muda o timbre da voz e quando isso vira eletrônica fica mais acentuado ainda. Além disso, há músicas cujo arranjo é baseado na região grave, em que é preciso cortar mais por cima. Em outras músicas há muitos metais e, se você deixar a voz nessa região, há um conflito. Assim, é preciso estar sempre separando um espaço para cada um dos instrumentos no arranjo.
M&T: Algum procedimento ou efeito específicos?
Enrico: É difícil falar qual o efeito usado: eu não chego com cartões de memória, nem com tudo pré-programado. Muitas vezes o Carlos Bala, por exemplo, está passando a bateria, eu vou no SPX 990 e, dependendo do local, não uso nada porque o lugar já é vivo o suficiente. É da mesma maneira que faço em estúdio: vou passando os presets até chegar em alguma coisa próxima do que estou procurando. Acima de tudo, sou contra os paradigmas... É impossível estabelecer regras, a própria dinâmica de efeitos acontece o show inteiro. Quando a música é ruim, pode-se fazer o que quiser e ela vai continuar ruim, mas quando a música é boa, é possível ampliar o que ela faz com a sua emoção.
M&T: Nos shows do Djavan, geralmente não se usa um som altíssimo, optando-se pela qualidade, como se fosse um disco. Fale sobre isso.
Enrico: É até engraçado você falar isso porque, ultimamente, eu vinha percebendo que o volume dos shows estava alto, mas felizmente consegui voltar atrás. Essa turnê é mais alta que a anterior ("Malásia"), as músicas são mais dançantes. Após o começo da turnê eu senti que o show melhorou e acho que fui me empolgando e ele ficou mais alto. Era até legal, mas lembrei que o grande lance do "Malásia" é que era um show baixo que parecia alto. Dava para falar e ser ouvido e dava também para dançar, porque tinha o peso do show alto, mas sem agredir o seu ouvido.
In Ear Monitor: Estabelecendo um padrão, Independente da Acústica da Casa de Shows
M&T: O que muda nos shows à medida que a turnê vai acontecendo?
Enrico: Eu busco fazer no show o som do disco, e a turnê sempre que vai chegando ao final já está melhor que o disco, o que é muito fácil de explicar: o Djavan acaba de compor a música já no estúdio, a letra é composta quando ele vai gravar a voz... Eu estou mixando e ele lá compondo, até que ele fala "Tá pronta! Vamos gravar a voz?". As músicas, assim, estão ainda muito frescas quando são gravadas. À medida que os shows vão acontecendo, as músicas vão ganhando energia e ficam completamente diferentes do disco. Os músicos também brincam mais, o próprio público interage, já que as músicas estão mais conhecidas... E eu, é claro, como já fiz o show um monte de vezes, também fico mais à vontade e consigo trabalhar melhor.
M&T: No show é usado in-ear monitor. Por que esta escolha?
Enrico: O Djavan optou pelo in-ear depois de observar o que estava sendo usado no mercado nacional e internacional. Aqui, o Gilberto Gil já estava usando e lá fora, praticamente todo mundo. A mudança para o in-ear monitor foi uma questão de adaptação: eu estava acostumado a operar o P.A. ouvindo o que vinha do palco e, de repente, não vem mais nada do palco... Mas, sem dúvida, ficou bem melhor. Os músicos piraram no início, queriam desistir, mas acho que hoje em dia todo mundo já prefere o novo sistema, em que é possível estabelecer uma espécie de padrão de monitoração, independente da acústica da casa.
M&T: Você utiliza algum equipamento diferente do usual?
Enrico: Eu uso algo que trouxe do estúdio, não é um equipamento, não sei também se posso chamar de truque, porque acho que todo mundo já conhece... Eu uso um gate na mandada de auxiliar para os efeitos de bateria. Com o Bala, é impossível ficar gateando a bateria inteira, porque ele tem muitas nuances e a gente não quer perder nenhuma. Então, eu só gateio muito levemente os ton-tons - para não ter nenhum tipo de ressonância nos graves -, e seguro um pouco a esteira porque ele costuma usá-las um pouco soltas. Como eu microfono a esteira no show, às vezes ele está usando outras partes da bateria e a esteira fica vibrando e incomoda um pouco. Se eu gatear a caixa, vou perder tudo que o Bala toca. Então, como não ponho gate, na hora em que eu abro mandada para reverb, tudo que é contratempo vai para reverb e fica horrível. O que eu faço, então, é colocar um gate na mandada para o efeito, ou seja, a bateria soa toda, mas só passa para o efeito a batida da caixa.
Enrico de Paoli Já Gravou Ray Charles
M&T: Existe mais alguma coisa que você tenha transportado do estúdio para o P.A., ou vice-versa?
Enrico: O técnico de estúdio sabe mais de microfonação, arranjos, efeitos e conhece melhor as diferenças entre os equipamentos, já que no estúdio existe uma condição melhor de analisar essas diferenças, porque o ambiente não muda e tem uma acústica muito boa. Já o técnico de PA. sabe muito mais sobre freqüência - afinal ele passa o dia inteiro vendo isso. Então, aprendi a usar mais o equalizador em estúdio por causa do P.A., mas eu consigo trazer toda a "onda" de efeitos, de nuances de mixagem do estúdio para o PA..
M&T: Você observa muitas diferenças entre o técnico que trabalha em estúdio e em P.A. e aquele que só faz shows?
Enrico: Cada um tem seu método, sua maneira de trabalhar. Não tenho nada contra nenhum método: quando alguém compra um disco ou vai a um show, não quer saber de que forma foi feito, mas sim se o som está bom ou não. Ao longo do tempo fui desenvolvendo de que maneira alinhar o P.A., mixar, gravar... E cada vez vou aprendendo mais, observando as outras pessoas e incorporando ou não outras técnicas, já que o que funciona para uma pessoa não é necessariamente o que vai funcionar para outra.
M&T: O que é fundamental num técnico? Você acha que todo técnico de som deve ter um pouco de produtor?
Enrico: Muitas vezes me perguntam se é importante o técnico ser músico. Eu acho importante que ele seja musical, não necessariamente músico. É preciso ter bom gosto, um certo critério para saber o que mexe com quem está ouvindo. Além disso, não desista: se você vai em um efeito e não chega no som que quer, use outro ou dois ou três ao mesmo tempo, ou então não use nenhum. Com equalizador, é a mesma coisa: às vezes você está tirando um som - isso acontece mais em estúdio - e não chega aonde quer... Quem sabe ligando um equalizador no outro você consegue o resultado que queria? Ou então não usa nenhum! A minha primeira regra é não ter regra. É lógico que existem coisas das quais você não tem como escapar, o alinhamento do P.A. tem que estar com um som agradável, os delays têm que estar em tempo.
M&T: Você morou e trabalhou três anos em Los Angeles. Como foi a experiência?
Enrico: Eu fui para lá em 1990, com apenas 17 anos, com o objetivo de estudar áudio e trabalhar em gravação. Cursei Engenharia de Gravação e Música na Grove School of Music e, enquanto estudava, trabalhei em uma loja de equipamentos de áudio e instrumentos musicais, o que foi muito bom, porque as fábricas iam treinar os vendedores das lojas em todos os produtos. Lá nos EUA as pessoas compram equipamentos que não sabem utilizar e nem têm tempo de aprender, e contratam funcionários que saibam operá-los.
Foi assim que comecei a ter contato com os estúdios: programei muito sampler, muita automação... Depois de um ano trabalhando nessa loja, e tendo me formado na Grove, a própria escola me recomendou para trabalhar em um estúdio grande de mixagem, chamado Skip Sailor Recording. Um tempo depois, surgiu uma chance de trabalhar no estúdio do Steve Lindsay, que era um cara ligado em teclado e MIDI, uma área em que eu já tinha trabalhado bastante e gostava muito.
Nessa época, o Ray Charles alugou o estúdio para fazer todas as bases programadas do seu disco "My World" e eu passei a ser assistente e programador, até que um dia o engenheiro de som faltou, e me ofereci para gravar. Acabei sendo contratado para ser não só programador, mas também técnico de áudio do disco. Depois, foram surgindo várias oportunidades e eu deixei de ser efetivo no Steve Lindsay e comecei a trabalhar como free-lancer também. Finalmente, em 93, resolvi voltar para o Brasil, porque estava cansado de tanto trabalho e, é claro, com muitas saudades.
Novos Procedimentos no Monitor
M&T: Fale sobre o in-ear monitor. Como foi o processo de adaptação?
Cláudio Coutinho: No princípio houve resistência dos músicos e até mesmo minha, por ser uma tecnologia muito nova ainda, que não está bem desenvolvida. Agora existe uma terceira versão, que é da AKG, com uma tecnologia nova, sendo as duas primeiras versões de in-ear da Garwood e da Shure. No caso do Carlos Bala, toda aquela história do baterista que gosta de monitor muito alto não existe. Na verdade, ele foi o primeiro a aprovar o in-ear, porque conseguiu - pela primeira vez - ouvir a música toda, o show completo, o que antes não era possível em função do próprio volume de som que ele mesmo gerava. Foi a partir dele que fomos vencendo todas as resistências, inclusive as minhas. No show do Djavan, utilizamos Garwood 2 Plus, a não ser no Bala, que usa um Shure 600, com fio.
Pose descontraída para a M&T: os técnicos de som Douglas dos Santos (Gabisom), à esquerda, e Cláudio Coutinho (Djavan)
M&T: Quais as técnicas você teve que aprender?
Cláudio: Dependendo da sala eu acho necessário usar os microfones de ambiente, principalmente para o Djavan, para que ele tenha o feedback do público. Eu fico ligado para ouvir se alguém fala alguma coisa e abrir um dos dois microfones omni (omnidirecionais) que ficam na frente do palco. Quanto à mixagem, ela se torna um pouco mais complexa porque preciso enviar mais coisas para mais lugares. Eu perco, com o in-ear, a interação que havia no palco com os monitores, então a mixagem se torna mais crítica e mais apurada. A grande diferença está no uso do equalizador, que antes servia para corrigir as deficiências da caixa, depois da sala e, por último, adequar ao volume que o músico queria, por causa da microfonia. Estas três funções não existem mais. O que eu faço é, com a mixagem que ele prefere, fazer a equalização que ele faria em casa ou no carro, de acordo com suas preferências.
"O Ideal é Manter a Voz ou o Instrumento o mais Natural Possível"
M&T: As mesas Yamaha PM-4000 atendem as suas exigências?
Cláudio: O ideal para esse trabalho com o in-ear seria uma Series 5 (Soundcraft), com todos trabalhando em estéreo, que não é o caso. Eu reproduzi o que se fazia com os monitores. Com o Djavan, eu usava duas vias, mas não L/R e sim frente e fundo, e para o teclado, em que é tradicional o uso de estéreo, continua assim. Essa mesa, apesar de ter 24 mandadas, não são mandadas estéreo. Trabalhar em estéreo com essa mesa é um pouco mais complicado do que com uma mesa preparada, como a Series 5, para mixagem estéreo de monitor.
M&T: Qual a sua opinião sobre o uso de processamento no palco?
Cláudio: Sempre fui radicalmente contra o uso de compressores, gates e efeitos. O ideal é manter a voz ou o instrumento o mais natural possível. Aprendi que nunca se deve mascarar o som real, a não ser a pedido do artista. Eu acredito que a linha de pensamento do técnico de monitor deve ser a atenção ao som gerado pelo músico. Outra coisa importante é ter boa memória, porque você vai sempre encontrar em outras turnês pessoas com as quais você já trabalhou, que vão pedir - mesmo em outra banda e outro tipo de trabalho - basicamente a mesma coisa.
Djavan e banda: nada de monitores convencionais no palco