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Revista Luz & Cena
Tecnologia
Som de Verdade
Tecnologia Digital Traz Realismo Máximo Para Salas de Cinema
Rodrigo Ceva Nogueira
Publicado em 01/05/2000 - 00h00
divulgação
 (divulgação)
O cinema já não é mais mudo há muito tempo. Mas só agora ele pode ser realmente bem ouvido. Devido às novas tecnologias sonoras que vêm aparecendo com a era digital, o sistema sonoro de cinema utilizado hoje é o que mais se assemelha às características da audição humana. Introduzido para o público em 1992, com o filme "Batman - O Retorno" através dos laboratórios Dolby, o som digital de cinema é um sistema de processamento de sinais sonoros mais realista que existe. Depois do Dolby DigitalT (AC-3), foram lançados o DTS (Digital Theatre Sound) juntamente com o filme Parque dos Dinossauros e o SDDS (Sony Digital Dynamic Sound) da Sony, todos mantendo uma reprodução extremamente fiel aos sons reais.

Nos anos 70, a Dolby revolucionou o som de filmes com o sistema Dolby StereoT. Este sistema trouxe quatro canais de som para as salas de cinema, sendo que três na frente (esquerda e direita para música e efeitos e centro para diálogo) além de um canal surround para efeitos e atmosferas de ambiente nas laterais. Depois, nos anos 80, o Dolby Spectral Recording (SR), usado até hoje, também promoveu melhoramentos no som de cinema. Com este sistema analógico, a Dolby aprimorou o Dolby StereoT, reduzindo o ruído do som através de uma técnica que grava o agudo em um nível muito alto, e depois o reduz durante a reprodução, abaixando também o ruído. Mais tarde, esta técnica foi aprimorada e estendida para as outras freqüências, grave e médio.
A reprodução do Dolby StereoT é feita por um decodificador eletrônico que transforma os dois canais gravados na película em quatro canais na sala de cinema. No filme, a banda sonora analógica tem forma de duas faixas lineares - uma para o canal Esquerdo Total (LT) e outra para o Direito Total (RT) - que percorrem toda a película ao lado dos quadros. Os canais de reprodução são divididos em três da tela (esquerda, centro e direita) e um canal para o auditório (o surround, que se posiciona no fundo e nas laterais) além do subgrave que é extraído destes canais e direcionado para uma caixa.
O Dolby SRT trouxe também uma leitura óptica bem mais aprimorada, utilizando LEDs. Antes deste tipo de leitura, lâmpadas convencionais ficavam à esquerda da película, iluminando as duas faixas, no canto do filme, que continham a informação sonora. No sistema SR, no lugar de lâmpadas que enviam as informações do som para fotocélulas, a leitura é feita por LEDs, que jogam uma luz mais fraca na película e ficam à direita do filme, junto a um bloco com um pré-amplificador e a fotocélula.
A vantagem do sistema analógico SR é que a decodificação eletrônica fica praticamente perfeita. O assessor de áudio da Rede Globo, Carlos Ronconi, explica que, por ser mais coerente no espectro de freqüência luminosa, a luz dos LEDs envia informações mais precisas, que são lidas com a ajuda de um pré-amplificador mais potente. "Quando a decodificação sonora era feita com lâmpadas, elas "espalhavam" (modulação cruzada entre as trilhas) muito o som. O LED tem uma leitura bem mais precisa" - explica ele. As lâmpadas do sistema anterior possibilitavam uma mistura dos dois canais durante a leitura pelo pré-amplificador.
O sistema Dolby DigitalT 5.1, que é o precursor dos digitais, possui seis canais de som. Além dos canais de tela convencionais (esquerda, centro e direita) o som digital transformou em dois o canal surround lateral, dividindo-o também em esquerda e direita. Fora os cinco canais, há mais um sexto canal, o subgrave, para os efeitos de baixa freqüência, chamados de LFE (Low Frequency Effects). A grande diferença do subgrave no digital é que toda a informação deste canal está impressa na película, juntamente com as dos outros canais, em vez de simplesmente extrair os graves de todos os canais e enviá-los para uma só caixa, como era feito no som analógico. Os efeitos do canal ".1" (como é chamado o subgrave) são muito mais sentidos do que ouvidos pelos espectadores, por ter uma resposta a freqüências muito baixas. O subgrave digital é o causador dos tremores ("chacoalho") que sentimos no centro do peito.
A divisão dos surrounds e a presença de um subgrave "de respeito" não são as únicas vantagens do som digital. O novo sistema conta uma resposta em freqüência muito maior do que o som analógico e uma faixa dinâmica compatível ao Compact Disc. Os canais surround cobrem toda a amplitude audível pelo ser humano (de 20Hz a 20kHz) enquanto que a resposta do som analógico, com somente um canal surround, é muito limitada (de 100Hz - 7000Hz). Além de aumentar o realismo, a tecnologia digital dá à mixagem de som mais liberdade de criação.
Hoje em dia os dois tipos de som, o analógico e o digital, são largamente utilizados. Em ambos os sistemas de som, as trilhas são gravadas opticamente na película, a chamada banda sonora. A vantagem disto é que quando se copia a película o som é gravado automaticamente. Mesmo quando é utilizado o som digital é necessária a presença de um sistema analógico, sendo o de leitura reversa o mais indicado deles, para que a projeção não perca o som quando o sistema digital "sair do ar". Quando há falhas de som, o novo sistema é capaz de corrigi-las através de um circuito de correção de erros, já que a informação é digital. Mas quando a margem de erros vai além da capacidade de correção do digital, o sistema comuta para o analógico, para que o cinema não fique mudo. Quando a margem de erros é aceitável e possível de ser corrigida, o sistema volta para o digital automaticamente.
No Dolby DigitalT, foi utilizado um algoritmo de compressão que compactou os dados sonoros em arquivos digitais gravados do lado direito e entre a perfuração do filme, em forma de pequenos pontos. Há um leitor que emite luz de LEDs para projetar informação sonora digital em uma placa que possui um chip CCD. Este é o dispositivo que faz a varredura da imagem e decodifica os bits em som. Depois disso cada trilha segue para seu canal separadamente

Teoria das Compensasões

O sistema DTS, que tem como sócios o diretor Steven Spielberg e os estúdios Universal, possui os mesmos seis canais que o Dolby. A grande diferença é que em vez de gravar o som na película, grava-se apenas uma codificação, como se fosse em código de barras, que permite sincronizar o filme com um aparelho. O aparelho, por sua vez possui o som do filme gravado separadamente em um CD-ROM. Assim, o DTS torna-se mais caro e menos prático. Por esta razão, teoricamente deveria compensar em qualidade, o que é verdade já que o DTS possui uma aparelhagem muito mais complexa que os outros siste-ma. Mas segundo Albert Besso, diretor de marketing da Transisom, empresa carioca que instala sistemas de som nas salas de cinema, este ganho de qualidade é discutível. "Muitas vezes o DTS falha, então você tem que acabar trabalhando no sistema analógico e no final sai no prejuízo" - observa.
Já o SDDS é uma tecnologia licenciada pela Dolby para a Sony, e por isso muito é parecido com o Dolby DigitalT. A diferença é que o som fica gravado na parte externa dos dois lados da película, depois da perfuração. Como a área de gravação é maior, mais informação sonora pode ser colocada no filme aumentando o número de canais de cinco para oito. Os dois canais adicionais seccionam ainda mais som da tela ( que passam a ser direita, centro-direita, centro, centro-esquerda e esquerda) o que torna a trilha do filme muito mais fiel. Para tanto, são necessários dois leitores que decodificam os cinco canais de frente além dos dois surrounds e do subgrave.
Há, ainda, um processador de som que é acoplado às salas que já possuem o sistema digital. Trata-se do Surround EX, desenvolvido pela Dolby e lançado juntamente com o filme "Guerra nas Estrelas - Episódio I, A Ameaça Fantasma", de George Lucas. O surround, no sistema EX, possui dois canais de som laterais que passam por um decodificador. Depois disso, o som é tripartido em esquerdo, direito e centro, no lugar dos dois canais convencionais. O canal central fica posicionado em uma caixa na parte de trás da sala. Se o filme é digital e não é EX, há um comando que bloqueia o som traseiro, fazendo com que a sala volte a funcionar com o sistema digital convencional. Quando este disposi-tivo é acionado, a caixa central do surround passa a fazer parte da esquerda e da direita. O EX é uma extensão compatível com o Dolby, o SDDS e o DTS.
Para Albert Besso, é complicado dizer qual sistema tem o som mais fiel, já que a acústica influi muito no som. Entretanto, o Sony, além de ter canais a mais, possui um de-codificador muito mais sofisticado. "É um equipamento pesado, muito sofisticado com muita eletrônica, mas não pegou. O padrão da indústria de hoje é o Dolby." O diretor de marketing da Transisom diz ainda que sempre esperou-se que o Dolby DigitalT dominas-se o mercado. Isto porque o DTS é vinculado a Steven Spielberg e o SDDS é de propriedade da Sony, dona também da Columbia Pictures. Sendo os Laboratórios Dolby completamente desvinculados de qualquer empresa associada à produção de filmes, fica mais fácil para as salas de cinema trabalhar com seu sistema, justamente porque ele é neutro.
Carlos Ronconi confirma o favoritismo do Dolby no mercado. Ele acrescenta que o sistema DTS pede a compra de um equipamento extra (o leitor do CD-ROM) e que o SDDS exige maiores mudanças e adaptações nas salas de cinema já que utiliza oito canais. O Dolby DigitalT, por sua vez, não utiliza nenhum equipamento além da aparelhagem digital convencional, e as adaptações necessárias na sala são bem mais fáceis de ser feitas, ao contrário do sistema da Sony. "A Dolby foi esperta ao projetar o sistema digital." - diz Ronconi.
Cabe aos grupos que gerenciam salas e multiplexes escolher o sistema de som que desejam usar. A maioria dos filmes vêm com o sistema Dolby, mas nada impede que mais de um sistema seja gravado na mesma película, já que o local onde a informação é gravada na película muda de sistema para sistema. O filme "Orfeu", por exemplo, tinha os sistemas DTS e Dolby DigitalT simultaneamente.
Ao contrário do que se pensa, nem todos os cinemas que têm som digital possuem este sistema em todas as salas. Muitos complexos de cinema têm som digital em uma ou duas salas e acabam mudando o aparelho de uma sala para a outra.

Mono, Bi e Tri

Existem três formas diferentes no som de cinema. Na mono-amplificação, as caixas da tela possuem um divisor de freqüência passivo de graves e agudos dentro de cada caixa, separando os médios-agudos em uma corneta e os graves no alto-falante de grave. No sistema bi-amplificado há um amplificador para o grave e para o médio-agudo em cada canal da tela. A divisão destas bandas é feita através de um divisor eletrônico que fica dentro da cabine de projeção. O sistema tri-amplificado tem todas as três bandas separadas: grave, médio e agudo. Albert alerta para o fato de que há todo um planejamento em relação a amplificadores devido à dinâmica presente no som digital. Por isso, se os amplificadores não suportarem a grande amplitude sonora, eles começarão a distorcer muito.
Os cinemas do complexo UCI New York City Center, no Rio de Janeiro, possuem todas as salas com som Dolby DigitalT e SR, além de ter EX e tri-amplificação em algumas delas. As caixas utilizadas no UCI são da empresa KCS, especializada em salas de cinema. Em relação à potência das caixas é impossível dizer exatamente quanto cada uma tem, já que tudo isto é variável de acordo com o tamanho da sala e o posicionamento dos amplificadores. Mas sabe-se que os cinemas 3, 4 e 13, do UCI, chegam a um total de quase 12kW de potência. Além disto, estas salas têm tri-amplificação nos surrounds. Isto quer dizer que cada caixa do surround é um alto-falante de 15" com uma corneta para médios e outra para agudos. Isto faz com que o som seja cada vez mais decupado e por isso mais fiel e realista.
O mercado do som digital tem melhorado muito com a chegada dos multiplexes, mas ter um bom som não é necessariamente sinônimo de ter o sistema digital. Albert Besso cita as salas do Espaço Unibanco de Cinema como um bom exemplo de som analógico de qualidade: O Dolby SRT e a bi-amplificação, aliados a uma boa acústica das três salas, tornam som agradável e limpo, com uma potência adequada para o tamanho da sala. Não tem no entanto a separação dos canais do surround nem uma grande faixa dinâmica, ou seja, não possui uma amplitude sonora muito larga.
A acústica de uma sala tem o poder de potencializar o destruir um bom sistema sonoro. Alberto Azevedo, diretor da firma de arquitetura AAZ, já fez a acústica do extinto cinema Art-Barrashopping, no Rio de Janeiro. Apesar de estar afastado das salas de cinema, Azevedo ainda nutre gosto pelos projetos "Hoje me dedico mais à acústica de teatros, salas de concerto e semelhantes mas não perdi aquela curiosidade de ver um cinema novo e entrar para ver como ele está" Em uma destas visitas curiosas, Azevedo foi às sa-las do Cinemark Downtown e do UCI New York City Center, os dois maiores complexos de cinema do Rio de Janeiro.

Vazamento de Som

Segundo ele, o UCI é o cinema que possui a melhor acústica de todos que já visitou "Eu dou nota 10, o som é de extrema qualidade" - diz ele. Em sua opinião, o Cinemark, no entanto, poderia ser melhorado, embora seja superior à maioria dos outros cinemas. Seu problema está no isolamento entre as unidades. Quando se está em uma das salas, é possível ouvir resíduo de outra sala. No UCI, não há vazamento e o tempo de reverberação adequado para cada cinema é muito bom.
Quanto a um dos mais tradicionais cinemas do Rio de Janeiro, que foi reaberto há pouco mais de seis meses, o Cine Odeon, o arquiteto explica que a acústica atrapalha a sonorização. O problema do Odeon está em uma cúpula existente no centro do teto. Segundo ele, toda a forma côncava cria problemas para ambientes como salas de concerto, auditórios e cinemas. Em lugares deste tipo, é preferível o uso da forma convexa já que ela dispersa o som, ao passo que a côncava concentra o som. Um dado curioso do Cine Odeon é que quando a sala de dois andares está lotada, o som melhora consideravelmente. Nesta situação, os espectadores absorvem o excesso de reverberação provocado pela cúpula e normalizam a acústica do local.
Para Alberto, são três os pontos principais para se ter um bom som em salas de cinema. O primeiro deles é cuidar para que haja um isolamento acústico adequado entre a sala de cinema e os ruídos externos, como os da casa de máquinas, ar condicionado e outras salas vizinhas. O cálculo do tempo de reverberação é o segundo ponto necessário para evitar ecos demasiados ou uma sala seca demais, a que Azevedo prefere se referir como "sem brilho." Por último, é importante que a forma geométrica acústica ajude na difusão de som, para que todos os cantos da sala recebam o som por igual: uma difusão equipotencial para a platéia. 



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