"Faltou alguma coisa no Rock in Rio. O músico brasileiro foi discriminado em seu próprio país. Somente alguns artistas puderam passar o som. Além disso, nenhum artista ou banda nacional teve a oportunidade de se apresentar durante a noite, com céu escuro e propício para uma boa iluminação e nem um espaço privilegiado no palco. Um dos músicos contou que o palco seria móvel mas não funcionou. Por isso sobrou um pequeno espaço na beirada".
Não fosse o espírito empreendedor de empresários brasileiros das áreas de locação de som e luz, a crescente profissionalização de equipes técnicas e produtores e o desenvolvimento de um know-how para o showbiz made in Brazil, o parágrafo acima (extraído do texto de abertura da reportagem sobre o Rock in Rio 2 publicado na M&T nº 27 em abril de 1991) certamente iria se repetir nesta terceira edição do megaevento. Realizado nos dias 12, 13, 14, 18, 19, 20 e 21 de janeiro na chamada Cidade do Rock (RJ), o evento ocupou uma área de 250.000 m² situado em Jacarepaguá, no mesmo local que abrigou, há 16 anos, o primeiro festival.
Não fosse o desenvolvimento das áreas de som e luz, além da melhoria de equipes técnicas e produtores, o parágrafo acima (extraído do texto de abertura da reportagem sobre o Rock in Rio 2 publicado na M&T nº 27 em abril de 1991) certamente iria se repetir com exatidão nesta terceira edição do megaevento. A melhoria é clara, porém os primeiros dias de show não foram livres de problemas operacionais como alguns atrasos nas passagens de som (principalmente de brasileiros) no Palco Mundo.
Mais de 150 atrações musicais apresentaram-se no Palco Mundo e nas tendas Raízes, Brasil e Eletro. Para garantir aos leitores uma cobertura mais ágil, dividimos o Rock in Rio em duas partes: esta edição contém informações relativas aos dois primeiros dias do palco principal; a edição de março continuará com o Palco Mundo e contará com amostras do áudio e da produção das outras tendas.
O evento começou oficialmente na tarde de sexta-feira, dia 12 de janeiro, com a apresentação da Orquestra Sinfônica Brasileira, seguida por Milton Nascimento, Gilberto Gil, James Taylor, Daniela Mercury e Sting. A festa do dia seguinte contou com Cássia Eller, Fernanda Abreu, Barão Vermelho, Beck, Foo Fighters e REM. Os mineiros do Pato Fu e mais Carlinhos Brown, Ira! e Ultraje a Rigor, Papa Roach, Oasis e Guns 'n' Roses fecharam o fim-de-semana, com o maior público até então:190 mil pessoas se acotovelaram para conferir uma das atrações mais esperadas - a volta de Axl Rose, com sua nova banda.
Kits de PA e Monitor
A escolha das consoles de PA e monitor do palco Mundo passaram por consultas com os técnicos das atrações nacionais e estrangeiras, que optaram - em sua maioria - pelos modelos Yamaha PM-4000 e Midas XL-4. Mas também houve casos de solicitações mais refinadas como a marca Paragon, escolhida previamente pelas equipes de Sheryl Crow e Dave Matthews Band. Desta forma, a formação básica do FOH (abreviação de front of house ou PA) ficou definida com três PM-4000 e três XL-4. Também foram adotadas mesas digitais Yamaha O2R auxiliares. Uma passarela fazia a ligação entre a house mix e o palco.
Na monitoração, foram utilizadas três Yamaha PM-4000 e três Midas Heritage 3000, além dos periféricos Yamaha SPX 990, Klark-Teknik DN-6000, TC Electronic 1128 EQ/analyzer, dbx 160A, dbx 900 Series, Drawmer Dual Gate DS-201, entre outros. Os monitores de chão eram Clair 12-AM e Turbosound, mesmas marcas dos drum fills. A monitoração side fill (EAW) foi disposta da seguinte forma de cada lado: três KF-850J e três SB-1000 no palco e mais duas KF-750 suspensas. Os in ear phones eram das marcas Shure e Garwood.
"Foi uma surpresa... Eu esperava uma solicitação maior de outros nomes. Ninguém me pediu Amek Recall", disse José Luiz Silva Ferreira, o Gabi, proprietário da Gabisom. O PAzeiro tentou em vão oferecer duas mesas digitais da marca Innovason, que não atraíram os operadores. "Na primeira vez a Clair Brothers veio com duas mesas de som de PA e duas de monitor. Na segunda vez a ShowCo trouxe três mesas de PA e três de monitor. Agora eu estou oferecendo seis mesas de PA e seis de monitor", orgulhava-se.
Alinhando Caixas Acústicas de PA e Delay
Coube a Peter Racy, brasileiro de São Paulo e morador por 11 anos de Boston - onde estudou produção musical e engenharia de som na Berklee College of Music - coordenar a house mix para os técnicos estrangeiros e acompanhar o alinhamento do sistema. Valter Silva fez o mesmo trabalho, mas atendendo aos operadores brasileiros. Fernando Ricca coordenou a equipe e a montagem dos sistemas.
O Rock in Rio 3 contou com quatro PAs principais: os tradicionais L/R (left/right) e mais duas colunas (LL/RR), cada uma mais ao extremo dos lados direito e esquerdo. Caixas acústicas (de três vias) da tecnologia V-DOSC dispostas em array vertical e fly foram complementadas por subgraves EAW SB1000-E. Por causa das dimensões do evento e pela maior quantidade disponível, subs EAW substituíram os V-DOSC.
Cerca de 14 pontos de delay (instalados em postes que também abrigavam refletores de luz) foram divididos em duas linhas: seis pontos na primeira linha (a 80 metros do palco) e oito na segunda (a 160 metros do palco). A marca escolhida para estes setores foi a Meyer por mais se aproximar da característica sonora do V-DOSC. "Poderíamos tê-las concentrado num arco de três pontos, mas nos pediram para não fazermos as torres. Tivemos que pulverizar os delays em cada poste", afirmou Gabi.
No centro da primeira linha de delay, viam-se caixas MSL-5P "long throw" - que possuem uma cobertura horizontal menor - e DS-2P. Nas laterais da primeira linha, caixas MSL-6 e DS-2P. Com um "tiro" mais curto, caixas MSL-4 e DS-4 foram posicionadas na segunda linha de delay. "É mais um sound reinforcement do que uma linha de PA normal", disse o empresário.
V-DOSC: Show de Qualidade
Trabalhando nas áreas de desenvolvimento de produto e de suporte técnico da empresa L'Acoustics, o canadense Paul Bauman chegou ao Brasil dias antes do festival para cuidar do alinhamento do equipamento (não perca a entrevista na próxima M&T!). Através de um software dedicado, Bauman programou os processadores: dois XTA DP-226 e dois DP-224 atenderam aos quatro PAs (L/R/LL e RR).
Processadores BSS Omnidrive FDS 355 foram usados como zoneadores, ou seja, comandando caixas de front fill (Meyer MSL-4), instaladas na frente do palco para cobrir a "turma do gargarejo" e os vários delays (todos os sinais foram derivados a partir do mesmo L/R). Como os subgraves não eram V-DOSC, alguns presets tiveram que ser alterados para uma melhor performance dos EAW.
O técnico Peter Racy mostrou-se impressionado com a qualidade das caixas francesas, atualmente as mais comentadas no mundo da sonorização. Um projeto minucioso com altíssima eficiência sonora que engloba um índice de dispersão nas médias e altas freqüências de 90º na horizontal e 20º na vertical.
"Com o software você começa a desenhar a cobertura necessária nos locais onde é preciso focalizar mais energia. Cada caixa (ou elemento como a L'Acoustics prefere chamar) tem uma angulação que foi preparada no software. O negócio não tem chute", afirmou Peter.

Um bom exemplo foi a necessidade de fazer o PA principal alcançar com precisão o interior da house mix, mais precisamente o seu fundo, para proporcionar aos técnicos de todas as atrações uma referência sonora mais otimizada possível.
Gerenciamento de Palco
Uma equipe de oito stage managers supervisionados por Nico Gomes e Maurice Hughes, diretores técnicos do evento, foi a responsável por atender produção e técnica das atrações do Palco Mundo: Américo "Memê" Almeida, Eddie Rocha, Cesar Takaoka, Luís Porto, Andreas Schmidt, Iran Ribeiro, César Maluf e Egas "Baster" Barros.
Com boa experiência em eventos internacionais, coube a eles fazer o load in/out (entrada e saída de equipamento), coordenar as trocas e marcações de palco, comandar o posicionamento de cases, auxiliar a equipe da locadora e também zelar pela segurança, já que o vão livre necessário provocado pela própria movimentação dos palcos poderia gerar algum acidente.
Na opinião de Memê, este trabalho é vital para o bom andamento dos prazos previstos: "Nós acompanhamos as bandas desde o momento em que a porta do caminhão é aberta e começa a descarregar o equipamento, assim como durante a passagem de som, a virada de palco e o show, até o equipamento voltar ao caminhão. Você acaba dando mais segurança para o gringo, porque não adianta ele te ver de manhã e à noite dar de cara com outra pessoa". Eddie Rocha completa: "E sem esquecer dos três artistas brasileiros a cada dia, que devem receber a mesma atenção".

Eddie, que há vários anos faz parte da equipe de produção dos brasileiros do Sepultura e roda o mundo em bastidores de maratonas musicais, acredita que a grande responsabilidade pela função que ele e seus colegas ocupam no Palco Mundo deveria ser proporcional à autonomia necessária para se fazer um "ajuste fino": "o que sempre faz falta é a verba. O negócio é tão gigante, o dinheiro tem que ir para tanto lugar que no local principal às vezes falta um cabinho de aço. Ninguém dá importância e isso estraga todo o esquema. Só se lembram na hora de o show começar. A nossa autonomia é pouca para poder agilizar as coisas. Ao invés de começar na grama para chegar ao palco, deveria começar no palco para chegar na grama".
O espaço principal foi dividido em três palcos móveis de 20 × 12 metros, acionados por controle remoto. Um palco seria reservado desde a passagem de som para o headliner do dia (ele tem o chamado "direito de set up"); outro para duas atrações e o terceiro palco para os três artistas restantes.
O interessante - tomando-se como base um festival destas dimensões - foi que cada dia teve seu mapa de cronograma montado oferecendo direito a montagem de backline e sound check para todas as seis atrações diárias e - como são seis kits independentes de monitoração - a garantia de que equalizações e outros ajustes não seriam alterados entre o sound check e o show. Enquanto o último artista do dia se apresentava, o palco do primeiro artista da noite seguinte já estava sendo montado.
Opiniões
"O fato de termos três palcos e de podermos montar fora facilitou muito. Tivemos mais de três horas para a montagem. Como o pessoal do Sting ainda estava programando a luz, montamos quase tudo sem luz de serviço, o que dificultou um pouco. Mas como ele era o headliner a gente já sabia que isso era normal" - Mário Leco Possolo (técnico que operou o PA de Milton Nascimento e Gilberto Gil)
"As pessoas sempre falavam que havia boicote em shows deste tipo. Desta vez não aconteceu. Ficou tudo igual. Os camarins do Guns e do Oasis eram iguais aos nossos. O único problema é que houve uma trapalhada da direção em relação ao nosso tempo de passagem de som por causa do Papa Roach, que demorou na sua passagem de som. Quando o gringo bate o pé as pessoas ficam com medo" - Heraldo Paarmann (guitarrista do Ultraje a Rigor)
"O som estava muito bom, o pessoal do Gabi fez um trabalho sensacional. O PA realmente responde: eu 'empurrei' e ele nem modulava. Estávamos preocupados com os subs mas eles falaram direito. Por outro lado, tive muita dificuldade em chegar na house mix para operar o show, pois a minha credencial era de elenco e a segurança não queria me deixar passar" - Renato Muñoz (técnico de PA do Barão Vermelho)
"Temos que tirar o chapéu para o V-DOSC, a qualidade é impressionante. Ter uma empresa nacional fazendo o som é uma dádiva. O atendimento foi bom mas poderia ter sido melhor se houvess mais técnicos disponíveis" - Evaldo Luna (técnico de PA da cantora Fernanda Abreu)
"Achei muito bom, com o mesmo nível de qualquer festival lá de fora. Eu trabalho em festivais no exterior desde 1985. Tivemos um pequeno problema de aterramento e a equipe do Gabi - o Batata e o Fernando principalmente - foi muito atenciosa até ser resolvido. Foi muito bom ver brasileiros trabalhando daquela forma" - Inhá (técnico de monitor de Milton Nascimento)
"Fomos muito bem atendidos, embora o pessoal estivesse um pouco cansado. O line check foi feito sem maiores problemas. Todos tinham o mesmo kit de monitor. Pude trabalhar como uma Midas Heritage 3000" - Marcelo Ferreira (técnico de monitor do Barão Vermelho)
"Foi super legal. Uma das coisas excepcionais foi que o tal de V-DOSC deu um avanço no que a gente chama de sonorização. Em todos os pontos de cobertura propostos o som é igual. Outro avanço é que todos os fornecedores são nacionais. Isso não implicou em privilégios para as bandas estrangeiras. Com a Daniela Mercury eu pude ter mais volume e punch do que o James Taylor e o Sting, que tocaram no mesmo dia. O atendimento foi legal mas os técnicos estavam sobrecarregados. As equipes teriam que ser efetivamente dobradas. A gente continua pecando na acústica da tenda que abrigou o palco Mundo, pois não há como resolver isso apenas com equalização" - Nivaldo Costa (técnico de PA da cantora Daniela Mercury)
"Não tenho do que me queixar. Havia equipamento à vontade para todos; não houve restrição. Tivemos um bom resultado em relação ao que a gente planejou. O atendimento foi ótimo. Existe uma grande distância entre esta e as outras edições do Rock in Rio" - Frejat (Barão Vermelho)
Showpower e GE Energy Rentals
Conhecida como a mais experiente empresa de fornecimento de energia móvel do planeta, a Showpower completou 13 anos de fundação em 2000. Em 1991, ano em que se realizou a segunda edição do Rock in Rio, M&T conheceu de perto os serviços da locadora. A sua passagem pelo Brasil tornou-se mais freqüente em eventos musicais e esportivos até que em 1997 foi a vez do Rio de Janeiro ganhar uma filial. Virou sinônimo de energia elétrica no Free Jazz Festival, na Fórmula 1 e em encontros corporativos.
Disposta a expandir este segmento e a repetir a sua já conhecida liderança mundial, a General Eletric adquire em 2000 a Showpower, incluindo a filial Brasil. Desde então importou mais geradores e já planeja abrir mais escritórios em nosso país e na América Latina, o que a fez abrir a divisão GE Energy Rentals. O Rock in Rio 3, aliás, foi um bom motivo para a chegada de cinco geradores: três de 1250 kW e dois de 840 kW, imediatamente incorporados à "frota" daqui.
O festival mobilizou uma equipe de 30 pessoas, boa parte delas envolvida na permanente monitoração de geradores e sistemas de ar condicionado, segmento também atendido pela empresa. Como backup, a GE instalou nos principais pontos do Rock in Rio unidades que trabalham em paralelo, dividindo e assumindo a carga quando necessário. Além disso, alguns geradores possuíam disjuntores com parâmetros digitais ajustáveis.
M&T conversou com o engenheiro Luiz Braga, diretor geral da GE Energy Rentals no Brasil, numa das dezenas de contêineres/ escritórios espalhados pela cidade do Rock.
M&T: Como a GE e a Showpower se juntaram?
Luís Braga: A GE comprou a Showpower há um ano. A GE não atuava no mercado de locação, nem de geradores e nem de ar condicionado. A decisão de investir nessa área surgiu em 1999 e a expansão veio com a aquisição da Showpower. A intenção é se espalhar para outros países da América Latina.
M&T: Quantos geradores a GE instalou no Rock in Rio 3?
Luís Braga: São 42 geradores. Temos 15 mW (megawatts) instalados, incluindo a redundância e o fornecimento de ar condicionado (1 mW divididos entre a sala de imprensa, os dois Cyber Space, as duas áreas vips e a tenda Mundo Melhor). O Mundo é o palco que nós temos mais preocupação, são quase seis mW, o que representa três vezes o necessário. O fator de risco é bem baixo. A redundância está centrada nos locais de evento como o palco Mundo e as tendas Raízes e Brasil. A mesma coisa com relação a alimentação e bebidas porque a interrupção pode gerar certa confusão. No resto nós não temos redundância, e sim geradores de emergência.