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Revista Luz & Cena
Lugar da Verdade
O Preço da Qualidade
Enrico de Paoli
Publicado em 01/05/2001 - 00h00
Não tem jeito. Já aconteceu com todos nós. E quem não passou por isso ainda vai passar. Entramos em um estúdio de grande porte  (World Class) com uma mesa que, sozinha, pode chegar a um milhão de dólares e... chegamos à infeliz conclusão de que nosso home studio não presta!
Eu costumo trabalhar nas duas situações e já passei pelos mais variados dilemas. Semana passada aconteceu de novo. Pela primeira vez, com uma mesa digital. Estava sendo treinado por um engenheiro da SSL na nova Axiom MT Digital. Até então, suspeitava de quanto melhor um sistema digital poderia se tornar, dos que já conhecemos. Já temos sistemas super acessíveis de 24 bits e até mesmo de 96kHz. Então, para quê investir tanta grana em uma mesa digital de grande porte? A resposta é que o som que eu ouvi era realmente incrível.
Durante um almoço que tive com um representante da SSL, perguntei por quê o simples som de um CD player, quando conectado na Axiom soava tão bem. A resposta foi ótima. "Porque você sabe que está ouvindo um CD passando por meio milhão de dólares"! Rimos bastante e sabemos que há uma parte que realmente é psicológica, mas não pode ser só isso.
Há onze anos atrás, fiz esta mesma pergunta a um professor na Grove School, na Califórnia. Ainda estávamos na era pré-digital e a resposta que obtive foi a seguinte: "Mesas como Neve e SSL seguem um controle de qualidade tão grande, que cada um de seus componentes tem mínima margem de tolerância, usando componentes muito mais caros". Por exemplo, quando compramos uma lâmpada de 60 watts, aquele valor representa uma média. Umas podem gerar mais, outras menos de 60W. Se quiséssemos uma precisão de 60W, teríamos talvez que aproveitar apenas alguns por cento de várias lâmpadas testadas.
Essa questão diminuiu consideravelmente em sistemas digitais, já que a multiplicação de componentes é feita, na maioria dos casos, virtualmente dentro do sistema. Mas temos um novo problema: sistemas digitais dependem totalmente do clock que os comanda, e como esse clock é levado a cada segmento do sistema. Pequenas imperfeições nesse "timing" são suficientes para degradar o som, de forma cumulativa. A SSL Axiom MT opera em 48 kHz. sempre. Qualquer periférico digital conectado a ela - é automaticamente convertido para 48 kHz - independente da sua freqüência de amostragem (sample rate). Considerando que são inúmeros conversores, já dá para sacar que eles não economizaram em nada.
Outra grande diferença de sistemas de grande porte como este é que o sistema se adapta aos costumes do usuário. Ao contrário de home-setups, onde o usuário tem que se adaptar ao sistema. Portanto, não espere usar tudo o que uma mesa dessas oferece. É claro que é bom saber de todas as possibilidades, para escolher a que mais se adapta à sua maneira de trabalhar.
Vale a pena? Não estou nem questionando se vale a pena comprar, que não é o caso. Mas vale a pena pagar de 150 a 200 reais por hora a um estúdio desse porte para um projeto? Se a dúvida é o som, vou já adiantando... o som é melhor. Sem dúvida. Mas isso não quer dizer que o resultado final do projeto será melhor.
Falando de fidelidade... Um leitor me escreveu questionando sistemas 24 bits/48 kHz. A dúvida era: já que o que todos querem hoje em dia é pouca dinâmica, por que 24 bits, quando o melhor seria ter mais amostragem (sample rate), para ter melhor resposta de freqüência? Bem, do meu ponto de vista, os dois são importantes. Se formos analisar, o CD que ouvimos só tem 16 bits de resolução e 44.100 samples por segundo. Por que devemos gravar com mais, então? Eu acredito na teoria de que sons que não ouvimos interferem e alteram os que conseguimos ouvir. Portanto, sistemas de alta fidelidade, que se mantêm hi-fi até o "estágio CD" soam diferente dos que já nascem limitados. Da mesma forma, acredito que controle de dinâmica (compressor) soa completamente diferente de uma limitação dinâmica técnica, por falta de mais bits de resolução. Acredito ainda que um som completamente comprimido (sem nenhuma dinâmica, com resolução de 24 bits), soa diferente de um com resolução de 16 bits, mesmo sem  precisar daquela faixa de dinâmica oferecida pelos 24 bits. Este era o princípio dos sistemas Neve. Eles tinham uma resposta de freqüência altíssima, muito maior do que podíamos ouvir, porque o Sr. Neve acreditava que aquelas freqüências alteravam as freqüências que podíamos ouvir.
Conclusão... Voltamos à questão do custo-benefício. Eu tenho um home studio, e não é por nada disso que ele vai se aposentar. Há projetos que não têm orçamento para ter tempo ilimitado em um estúdio de 200 reais por hora. E ainda os que têm orçamento, muitas vezes podem ter a criação intimidada pelo custo do taxímetro. O que podemos ganhar com a tranqüilidade de um estúdio em casa pode, em alguns casos, ser positivo musicalmente no resultado final.
Talvez o mais inteligente seja combinar os dois casos. Aproveitar o melhor de cada estúdio... som e tranqüilidade. Afinal, de que adianta um projeto com um som incrível, e falta de esmero na parte musical por correria no estúdio? Se o seu projeto vai ficar em casa durante todo o tempo, sem problemas. Já fiz vários desses, incluindo mixagem. E são fantásticos! Assim como já fiz alguns em estúdios grandes, que pecam na parte musical. Mas que vale a pena conhecer como soam todos aqueles milhões de dólares, vale! A partir daí, a opção é sua.

Enrico De Paoli é engenheiro de gravação e áudio formado pela Grove School of Music e pelo Musicians Institute, na Califórnia. Seus créditos variam de CDs independentes a Djavan, Ray Charles e Marcus Miller. E-mail: enrico@rio.com.br . Site: www.rio.com.br/~enrico.
 
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