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Revista Luz & Cena
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DJs
O Mundo Dança e os Adora
Pedro de Abreu Cidade
Publicado em 01/05/2001 - 00h00
Divulgação
 (Divulgação)
Eles não são mais somente aqueles que ficam no canto dos salões de festa animando a família e os amigos, nem só quem coloca um sucesso da moda atrás do outro nas boates. Os DJs ganharam destaque no cenário da música nacional, se destacando no exterior e cada vez mais fazendo a diversão das pessoas. Hoje a noite gira em torno deles. Está nas mãos dos DJs, na habilidade de mixar uma batida atrás da outra, o sucesso de grande parte da indústria da música atual. Hoje a festa é deles.


O Começo da Vida de um DJ
A maioria começou da mesma forma: eram crianças e quase todos sempre foram apaixonados pela música ou ficaram encantados quando pela primeira vez viram um DJ se apresentar. Depois de resolver investir nessa paixão, as festas para os amigos eram montadas nos playgrounds, ruas ou em casa mesmo, para mostrar para a família. E aí vieram as festas de 15 anos, formaturas, bailes, concursos e por fim, as boates. Alguns deles até se utilizaram do dom para vencer certos problemas. É o caso de Memê, que sempre gostou de música, mas era muito tímido, e quando sentiu necessidade de se socializar, começou a fazer festas no prédio. Isso foi em 1977. Com 11 anos ele começou a comprar discos e aos 12 começou a fazer festas.
O mesmo aconteceu com o DJ Patife. Ele começou a se interessar com 11 anos depois de ir a uma matinê. Vindo de família pobre, começou a juntar dinheiro para comprar equipamento. Foi DJ de uma banda de rap e sempre fez formaturas e festas em geral. Já Anderson Soares começou a fazer cursos de eletrônica em 1986 e para testar, fez um rádio-transmissor. Gravou tantas músicas que acabou se interessando mais pela música do que pela eletrônica.
"O primeiro passo para mim foi ouvir. É ir até a casa e ouvir o DJ. O segundo é ter o material" - diz o DJ Celso Badauê, que em 1984 mudou para Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e conheceu um assistente de DJ de um clube. Em dois meses o assistente se tornou o DJ da casa e Celso virou assistente. Depois de um ano, Celso se tornou DJ e lá trabalhou por quatro anos. Com a experiência, se tornou técnico - de tanto consertar e arrumar os equipamentos. Leu muito e quis ser mais profissional.

Conquistando o Seu Espaço
A vontade de crescer e acreditar no sonho é talvez o maior incentivo para que cada vez mais pessoas queiram se tornar DJs. Porém, nem todos eles são apenas DJs. Depois de se envolver de tal forma com o mundo da música, seus ritmos e emoções, outras vontades surgem, podendo muitas vezes trazer bons frutos para quem sabe abraçá-las na hora certa. Memê, por exemplo, tocou em várias casas noturnas a partir do início dos anos 80 - sua geração de DJs foi formada nessa época. Em 1986 ele começou a trabalhar em estúdios, já fazendo remixes, mas nunca deixou sua face DJ de lado, conseguindo incorporar uma coisa na outra. Trabalhou nas rádios Transamérica, RPC e Rádio Cidade. Depois de transformar a rádio RPC (que originalmente tocava rock) em uma rádio dance, em 1993 Memê começou a produzir discos.
O DJ Cuti, que já trabalhou com Tijuana, Vinnie, Tony Platão, Twister, Corona e outros, também experimentou o lado produtor. Seus remixes foram feitos mais com a intenção de remodelar músicas já prontas; mas com o sucesso, começaram a divulgar seu nome nas rádios e estas pediram por mais. Cuti sempre teve o apoio de seu pai, músico experiente, para tudo que envolveu sua formação como DJ profissional. Todo dinheiro que ganhava era destinado à montagem de um home studio. Cuti começou a investir em aprendizado técnico, sem nunca deixar de divulgar seu trabalho. Até que uma gravadora o chamou para fazer um remix. Com isso, seu lado produtor começou a aparecer mais do que o lado DJ. "Eu conquistei o meu espaço sem pisar em ninguém. Foi com talento, amizade e humildade. É muito difícil encontrar isso". O trabalho de Cuti pode ser visto na internet: www.cutidj.hpg.com.br.
Diversos Caminhos a Seguir
Hoje em dia Cuti tem um estúdio profissional graças aos remixes, pois seu lado DJ ficou mais parado do que o lado produtor, mas o nome DJ Cuti não deixou de ser divulgado. Cuti continua fazendo festa do tipo apresentação, como se fosse um show, que é o que a maioria dos DJs faz. Mas nem todos caem para o lado da produção. Eles preferem sentir o público vibrando nas pistas de dança, pedindo as músicas e nunca pararam de se apresentar. É o caso de Celso, que em 1988 fez três meses de curso de DJ com Memê e nunca quis ser produtor.
Há ainda quem consiga conciliar muito bem as duas coisas: apresentações e produção. Em 1994, o DJ Patife, que já trabalhou fazendo remixes de Otto, Max de Castro e outros músicos, conheceu o DJ Marky e ambos começaram a tocar drum ´n´ bass. Patife já está lançando o segundo CD pela gravadora Trama com músicas próprias e alguns remixes. Ele assumiu seu lado de produtor quase que por insistência. Falavam que ele devia tentar, devia ter um computador e chamar músicos para tocar com ele. Hoje em dia, até na rua ele tem inspirações e compõe ritmos para futuros trabalhos. Está em seus planos fazer um curso de teclado para ajudar na composição.

A Confirmação
Muitos deles, mesmo quando crescem dentro do mercado e conquistam nome e posição, ainda demoram a acreditar que podem sobreviver trabalhando como DJs, fazendo festas, remixes para gravadoras, produzindo músicas e discos ou simplesmente se apresentando. "A coisa vai acontecendo e você não percebe. Quando vai ver, aquilo já é a sua profissão. Eu passei anos achando que ia ter que arrumar outro trabalho para ganhar dinheiro. Só em 1993 eu tive certeza de que estava realmente vivendo daquilo", confessa Memê.
Mas não é fácil ser um DJ de sucesso. É preciso muita confiança e dedicação ao trabalho para se manter "por cima", principalmente com a alta competitividade que existe no momento. Ainda existem os que trabalham muito e ganham menos do que merecem. Uma coisa que acontece é que pessoas menos preparadas pedem para ser DJ, não cobram nada por isso e ainda tiram o emprego de quem sabe trabalhar. "Tudo por causa de um cara que não precisa do dinheiro do trabalho de DJ e só quer aparecer para os amigos", desabafa Anderson.
Patife só teve certeza de que podia viver apenas como DJ em 1998, quando largou seu antigo emprego de vez. "Mas mesmo assim tem seus altos e baixos. Tem épocas que você não toca nada e épocas que você toca bastante", diz Patife. É necessário sempre se destacar. O prazer em tocar é fundamental. Mas ainda assim, o nome "DJ" ainda está meio escondido. Alguns músicos mais tradicionais têm um certo tipo de preconceito quanto aos DJs. Eles acham que se trata de pessoas que ficam arranhando os discos ou num canto escuro apertando botões e trocando músicas, esquecendo que o DJ é uma figura importante dentro do cenário musical. "Os DJs viraram ídolos, eles modificaram a música internacional. Criaram sua própria música", enfatiza Memê.
Mas mesmo com todas as dificuldades e preconceitos, a "cena" dos DJs no Rio de Janeiro está melhorando. A mídia está dando mais espaço e valor. Com isso, é inevitável uma superlotação. Muita gente que não tem parâmetros é enganada por maus profissionais, que passam uma falsa idéia de qualidade de trabalho. Uma coisa que a maioria dos DJs afirma é que existe um número de pessoas querendo ser DJ muito maior do que antes. "Se antigamente a gente tinha cem DJs no Rio e só vinte eram ruins, hoje a gente tem mil e duzentos são ruins. A parte ruim da coisa aumentou muito" - afirma Celso. Mas como sempre, a tendência é que o próprio mercado faça a sua "seleção natural" e que somente quem é bom mesmo permaneça. "O problema hoje é planejar. As pessoas planejam ser DJs de sucesso. Há muitos que sabem o que estão fazendo, mas outros só querem fama e dinheiro. O negócio é o seguinte: a música te escolhe" - define Memê.
Outro fator que preocupa a maioria dos DJs é a condição do local onde eles são chamados para tocar. Por pior que seja a casa, a culpa sempre vai para o DJ. Quem está dançando não quer saber, quer mesmo é se divertir. Se o mixer não funciona, se as caixas de som são de péssima qualidade ou se a pickup está quebrada, quem não sabe trabalhar é o DJ. Nessa hora é que ele precisa ser o melhor possível; mixar sem pitch e fazer outros malabarismos. "A pior coisa que pode acontecer com um DJ é quando ele chega numa casa ou clube e nada funciona. A agulha está quebrada ou o som é péssimo. Eu já toquei sem fone de ouvido" - conta Celso.

Tocar no Exterior
De vez em quando, a oportunidade bate na nossa porta tão baixinho que quase não conseguimos escutar. É preciso estar sempre atento e não ter medo de encarar o estilo de vida que se ama para que os sonhos se realizem. De uns tempos para cá, vários DJs brasileiros estão sendo chamados para fazer remixes ou tocar no exterior. Para eles é a confirmação de sua competência e reconhecimento de um trabalho bem feito. Fora do Brasil o DJ tem status de artista. Hoje em dia o mercado está começando a tratar os DJs como profissionais. Mas mesmo assim não há o devido reconhecimento.
O DJ Patife, por exemplo, teve a oportunidade de ir para Londres fazer um intercâmbio musical. Sua rotina atualmente é bem agitada, diferente do que era há alguns anos. Ele precisa quase se "dividir em dois" para dar conta de apresentações em Porto Alegre, Goiânia, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e ainda ter que viajar para Amsterdã, Canadá, Escócia, Miami e Londres. É o sucesso do Brasil pelo mundo, divulgando a nossa cultura e maneira de ser. "Lá fora eles têm um outro olhar para a gente, bem diferente do daqui. Eles gostam do jeito que a gente toca, estamos sempre sorrindo, dançando e cantando. Eles sabem que nós amamos o que estamos fazendo" - conta Patife. Uma coisa que está ajudando a sua carreira a deslanchar é um EP (Extended Play, um disco normalmente com número bem reduzido de músicas, usado para divulgação) que está saindo por um selo de Londres e que vem com dois remixes seus e uma música do DJ Marky.
Em 1995 Anderson Soares começou a trabalhar no Departamento Internacional da gravadora Continental East West. Numa oportunidade, em 1996, viajou para a Winter Music Conference, em Miami, onde todos os DJs mais importantes do mundo aparecem, além de donos de selos independentes e até managers de grandes gravadoras. Depois de fazer um remix para uma gravadora de fora, recebeu vários pedidos de outros trabalhos. Ele ganhou nome e foi convidado para tocar em Santiago do Chile. Em 1999, Anderson ganhou dois programas de rádio no exterior: em Londres e em Houston. "Lá fora, os DJs brasileiros são muito bem aceitos. Os gringos sempre se interessam pela nossa música" - orgulha-se Anderson.

CD ou Vinil?
Não há como negar que o CD substituiu o vinil. Será mesmo? Se você for pensar em termos de consumo de massa, sim. O CD tomou o lugar dos velhos "bolachões" oferecendo tamanho, qualidade e durabilidade bem maiores. Mas pelo lado dos DJs, o vinil é insubstituível. "Eu não conheço as razões de usarem CD. Eu uso vinil há 24 anos" - afirma Memê.

Fotos: Divulgação
Anderson Soares

Todo lançamento de dance music é feito primeiramente em vinil. O CD é voltado mais para um mercado de consumo. Algumas músicas nem são lançadas em CD. O preço de um lançamento em vinil no exterior é de cinco dólares, aqui no Brasil sai entre trinta, quarenta reais ou mais. Um dos motivos para muitos DJs brasileiros usarem CD é que acaba saindo mais barato copiar um CD do que comprar um vinil. Principalmente com todo o mercado de pirataria que existe hoje, além dos programas que "baixam" música pela internet. É muito prático e econômico comprar um CDR, que custa entre três e quatro reais.
Muita gente pensa que ser DJ é fácil. É só baixar as músicas pela internet, copiá-las para CD e arrumar um local para tocar. Não é bem essa a política dos DJs, mas muitas vezes, para fazer uma economia, alguns deles são quase que obrigados a tocar com CD. "Eu amo o vinil, sou viciado e não troco por nada, mas infelizmente hoje eu tenho que tocar com CD. Se você for tocar numa casa no interior, não se encontra uma pickup. Fora a estrutura financeira, pois o vinil está mais caro do que o CD", diz Celso, que morou durante três meses em Portugal, conheceu a maioria das casas noturnas de Lisboa e diz que na Europa só se usa vinil.
Já o DJ Cuti faz parte de um time que não tem nada contra a utilização do CD, mesmo tendo começado a tocar em vinil: "Muitos DJs que estão começando, chegam num camelô e compram um CD pirata porque ouviram a música na rádio. Isso não é legal para um DJ". Anderson Soares tem a mesma opinião: "Eu acho que o DJ tem tocar com tudo. Não importa se é CD ou vinil". A tecnologia está avançando de tal maneira que recursos como o "scratch", antes exclusivos do vinil, hoje já podem ser simulados nos aparelhos de CD.

Foto: Marcos Amorin
DJ Patife agitando a noite da Bunker 94
 
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