Depois de já termos visto longa e detalhadamente o processo de mixagem, vamos agora estudar como podemos fazer para conseguir resultados mais rápidos com menos trabalho. Sinceramente, esta época romântica de "virar a noite mixando" já perdeu seu atrativo. Verbas e tempo estão cada vez mais curtos, e a objetividade está virando o artigo mais cobiçado.
O meu recorde pessoal de horas ininterruptas gravando é 25. Entrei no estúdio num dia às 9 da manhã e saí no outro às 10. E querem saber? A música não valeu. E não sou o único, pois antigamente trabalhar longos períodos era uma necessidade. Não dava pra automatizar tudo numa mix. Se parasse, tinha que voltar praticamente do zero na outra vez. Se você acha que as sessões do Pro Tools demoram muito pra abrir, pense em como era antigamente.
Fique bem claro desde já que otimizar o tempo e a quantidade de trabalho não tem nada a ver com perder qualidade. Qualidade é algo que não se deve perder nunca. O nosso objetivo é manter o nível do resultado consumindo menos tempo e menos neurônios.
O QUE É MIXAGEM
Na verdade, vejamos primeiro o que uma mixagem não é. Mixar não é ser pago para conseguir o resultado que você acha melhor. Mixar é ser pago pra conseguir o resultado que o cliente acha melhor. Isso é realmente complicado. Daí a primeira coisa que deveria acontecer em uma mixagem é uma conversa. Trocar um pouco de ideias vai economizar muito tempo. Para mim, que praticamente só trabalho como freelancer à distância, o início de uma mixagem é sempre problemático, porque não sei qual a expectativa do cliente. Coloco reverb e ele não queria reverb; coloco a guitarra alta e ele é o tecladista, e por aí vai.
Porém, existe o outro lado da moeda, pois há uma parcela considerável de expectativa do cliente quanto ao que você poderá acrescentar ao trabalho. Assim, se for possível um bom papo antes, melhor. Quanto a referências, normalmente elas não são diretamente úteis. Elas acabam sendo uma forma da gente entender o que o cliente queria pra ele, e não necessariamente algo que seja aplicável. O melhor orientador que tenho observado tem sido na verdade a cópia de monitor (as versões que o cliente tem com ele). No mínimo é o jeito como a música estava sendo ouvida, e há uma probabilidade muito grande de este equilíbrio nos dar uma ideia útil dos objetivos.
É preciso, todavia, resistir à tentação de competir com a cópia de monitor. Procure usá-la apenas pra fornecer um jeitão de pra onde as coisas vinham vindo até agora. Em alguns casos, o cliente se apaixona de verdade por sua cópia - a famosa "monitorite" -, e esses casos são complicados, mas na maioria das vezes existe espaço para trabalhar.
Uma parte delicada da relação mixador x cliente é a questão da opinião. Imagine que você tenha certeza de que a guitarra está alta demais, mas o cliente, que por acaso é o guitarrista, pede para aumentar mais ainda. O que fazer? Esse é o verdadeiro ponto delicado. Afinal, o cliente é o dono do trabalho, e teoricamente pode fazer o que quiser. Por outro lado, espera-se que o mixador seja o responsável por essas coisas, e uma coisa nitidamente ruim pode afetar sua reputação. Para estas situações, embora eu não tenha uma solução geral e 100% eficaz, posso dar alguns conselhos.
Antes de mais nada, o que nunca se deve dizer: "ok, afinal é seu rosto que está na capa...". Isto, além de ser muito mal educado, demonstra falta de comprometimento da gente com o trabalho. O bom mixador é, acima de tudo, um parceiro. É aquele jogador que entra aos 30 do segundo tempo pra decidir a partida e precisa se integrar ao time rápida e competentemente.
A primeira coisa que a gente deve fazer é ver se realmente estamos certos ou se só preferimos assim. Mixar é tomar decisões o tempo todo. Precisamos decidir se a equalização já está boa, se é preciso comprimir mais, o tipo do reverb, os volumes, tudo. E é praticamente impossível que todas as nossas decisões sejam as únicas certas. Existem infinitas soluções possíveis para uma mixagem e muitas delas boas. Precisamos, então, primeiro relaxar e desapegar. Afinal, para quem consegue enxergar as coisas por outros ângulos o infinito é apenas um oito deitado.
Outro método que uso frequentemente é possuir argumentos. Pra quem leu os Guias de Mixagem, não é novidade que para tudo o que afirmo no livro eu apresento um motivo. Se estendermos nosso pensamento, escrever sobre mixagem é justamente convencer as pessoas usando bons argumentos. Por exemplo, vejamos o caso clássico onde o arranjo tem dois instrumentos que conflitam. Uma das sugestões mais comuns que ouço é a de abrir os dois no pan. A guitarra está brigando com o piano? Joga um pra cada lado e pronto. Só que as pessoas esquecem que ainda existem situações em que se ouve em mono ou com o estéreo mal balanceado. Rádio AM é mono, por exemplo. E no carro, então? Que tal se sua guitarra soasse só no alto-falante que está do lado da sua perna? Usando esses argumentos, qualquer um vai concordar que separar no pan pode não ser bom. E aí vem a outra parte da argumentação, que é a de oferecer soluções. Podemos tentar equalizar diferentemente os instrumentos para que se separem na mix. É possível até considerar (dependendo de sua ousadia) que se desligue um dos canais conflitantes.
Assim, quando alguém perguntar por que você fez alguma coisa, tenha sempre uma resposta pronta. Não há problema se o motivo foi só pra ver como ia soar, afinal, não se deve nunca abandonar a experimentação e o gosto pelo inusitado. Só que se o tecladista perguntar por que você tirou o grave do pad, se você responder que foi porque brigava com o grave do baixo, não só é verdade (o que faz toda a diferença), mas soará razoável.
Finalmente, vem o caso mais perigoso, que é tentar convencer o cliente de que você está certo porque, apesar de não haver uma justificativa técnica, "fica mais legal assim". Eu evito isso com todas as minhas forças. Às vezes acontece da gente ouvir a pergunta clássica: "assim está bom pra você?". Ela é boa porque já demonstra, por um lado, confiança, e, por outro, a disponibilidade para o diálogo, mas se assim não está bom pra mim, por que eu colocaria lá?
Qualquer que seja o jeito, o que buscamos é uma mixagem em que todos terminem felizes. E na maioria das vezes isso acontece quando os mixadores conseguem se colocar no lugar de seus clientes. Entender o que procuram, o que esperam e o que é esperado deles normalmente funciona muito bem. Nunca perca a chance de aprender com algo e com alguém.
UMA BOA MIXAGEM
Mixar é uma manifestação artística. Por isso não há como esperar que haja valores pré-estabelecidos do que se considera uma boa mix. Vejamos alguns fatores que influenciam o conceito de qualidade:
Fatores prévios
Qualidade do arranjo, da microfonação, dos instrumentos, da execução e da gravação. Ora, se tudo isso foi feito com habilidade, fica muito fácil se chegar a uma boa mix. Até mesmo quando há qualidade na gravação às vezes isso pode ser um problema, porque pode acontecer de que o responsável pela gravação tenha conseguido um belo resultado, mas que não nos dá nenhuma margem para mudanças. Por exemplo, receber para mixar uma bateria que já foi gravada muito equalizada interfere decisivamente no resultado da mix. O mesmo pode acontecer quando o guitarrista já grava o som pronto, principalmente com eco (delay). O tempo do delay pode até estar correto, mas a proporção de eco em relação ao som direto é algo que só pode ser decidido adequadamente quando os outros instrumentos estiverem já nivelados, durante a mixagem. Vozes gravadas com compressor também podem ser problemáticas.
Sendo um pouco egoísta, posso afirmar que o ideal é quando tudo chega ao mixador sem nenhum processamento na gravação. Quando se usava a fita analógica, havia realmente vantagem em se gravar mais próximo ao som "ideal", mas hoje em dia isso é quase totalmente desnecessário. Em uma gravação de 24 bits, o som que entra no gravador é tão próximo do original que, para todos os efeitos, tanto faz equalizar na gravação ou depois. A exceção pode ser quando existe um equipamento físico (não um plug-in) do qual se queira a sonoridade. Daí, realmente é melhor passar por ele ao gravar.
Fatores intrínsecos
Relacionados à mixagem em si, como espectro de frequências, faixa dinâmica, equilíbrio e originalidade. Em geral, quanto mais amplo o espectro de frequências que conseguirmos ocupar, melhor. Nosso cérebro é exigente e gosta que a informação que recebe seja rica em harmônicos (há os que defendem que é justamente esse o atrativo da distorção de guitarra). Já a faixa dinâmica é um fator muito discutido hoje em dia quando se fala na "guerra dos volumes". De fato, se a música está no máximo de volume o tempo todo, não há dinâmica, mas, por outro lado, se há muita dinâmica - pontos de volume muito baixo e em outros muito alto -, corre-se o risco de o ouvinte não ouvir tudo bem no carro ou em outras situações em que o ruído ambiente seja alto.
O equilíbrio é justamente a habilidade que o mixador tem de estabelecer o volume de cada canal ou instrumento a cada instante. A situação ideal ocorre quando os volumes direcionam a atenção do ouvinte para os diferentes elementos de um arranjo ao longo da música. Por exemplo, na hora de um solo de guitarra, é normal que se traga o volume à frente, mas depois que a voz retorna, se o guitarrista continua solando, é preciso abaixá-lo um pouco, mas sem tirar totalmente a atenção dele, pois se ele está no arranjo, supõe-se que deva ainda ser ouvido.
E a originalidade é quando a gente consegue imprimir um toque pessoal em uma mix. Não é um fator necessário, mas, quando acontece, torna mais desafiadora a audição do trabalho como um todo. Neste caso também há limites. Corre-se o risco de a mixagem chamar mais atenção para ela do que para a interpretação dos músicos e para o arranjo. Tudo bem que em alguns momentos o trabalho do mixador se destaque, mas quando eles são poucos e bem escolhidos, se revelam mais duradouros, na minha opinião. Afinal, quantos consumidores compram um CD pra ver qual filtro fulano usou na voz?
Fatores Externos
Estilo, tecnologia, público alvo. Mixagem tem moda. Tem época que todo mundo usa reverb, outras em que ninguém usa reverb. Normalmente a gente consegue identificar a data de uma gravação pelo som das coisas. Com a instrumentação também é assim. Som de piano elétrico do DX7? Então provavelmente é de meados dos anos 1980, por exemplo. Este tipo de coisa normalmente é ditado pela tecnologia, e o normal é que algo novo seja superutilizado e depois a coisa se normalize. Assim é que justamente foi quando surgiram os bons aparelhos processadores, como o REV7 ou a 480. As pessoas passaram a encher tudo de reverb. E isso se estende culturalmente até as pessoas que escutam o estilo. Como seria recebido um pagode sem surdão alto? Ou um "trio" sertanejo?
Resumindo, não existe uma única boa mixagem, mas muitas opções, que dependem de muitos fatores, mas que acabam resultando em muitas possíveis mixagens. Pensar nisso com objetividade pode economizar muitas horas de dúvidas tensas. O fato de que há vários caminhos não pode nos tirar o foco. No momento em que se está tomando decisões - o que acontece praticamente o tempo todo -, temos que agir como se aquela fosse a única decisão correta. Não há problema se dali a cinco minutos mudarmos de ideia. Ou seja, se você partir pra equalizar um bumbo e pensar que só ficará feliz quando testar todas as possibilidades sonoras que pode extrair dele, você vai perder a novela hoje à noite.
Lembremos sempre do seguinte: A experimentação é louvável, mas se a cada canal eu for testar tudo o que é possível, o prazo vai acabar e eu ainda não vou ter chegado no contrabaixo.
Na segunda parte, veremos então uma série de dicas bem práticas para se chegar aos resultados em menor tempo. Desde já, porém, deixarei aqui talvez a dica mais importante, que é pra gente já ir aplicando até mês que vem: aprenda com tudo o que você fizer. Se você tirou 490 Hz e isso resolveu a cantada da caixa, adivinha onde você deveria começar a mexer na próxima vez em que isto estiver acontecendo? Mantenha o seu estoque pessoal de cartas na manga e evite a todo custo a sensação de que não sabe como conseguiu mas sabe que ficou bom. Mas também evite parecer o mixador-profeta, que fica avisando o tempo todo ao cliente que "se eu fizer isso que você pede não vai ficar bom porque vai acontecer isso e isso". Mostre e explique ao cliente por que não vai funcionar.
Fábio Henriques é engenheiro eletrônico e de gravação e autor dos Guias de Mixagem 1,2 e 3, lançados pela editora Música & Tecnologia. É responsável pelos produtos da gravadora canção Nova, onde atua como engenheiro de gravação e mixagem e produtor musical.
fabio.henriques@globo.com