Luz & Cena
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Edição #88
novembro de 2006
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Capa: Às escuras
Clima de mistério é a máxima na fotografia e direção de arte de Incuráveis
por Lyana Peck Guimarães 10/11/2006
foto: Divulgação
Baseado num texto de teatro, Incuráveis está centrado na atuação dos atores. Os personagens, com seus mistérios e inquietudes, geram curiosidade no espectador, fazendo-o querer descobrir sua origem e seu destino. A fotografia e arte do filme corroboram com este clima, ajudando a revelar a trama aos poucos. Para o diretor de fotografia Lula Carvalho e o diretor de arte André Weller, essa é a função de seu trabalho no filme, servir de pano de fundo para os personagens.

Mas isso não significa que ele seja inferior. Pelo contrário. A fotografia e a arte de Incuráveis foram pensadas em cada cena, em seus detalhes. Tudo deveria colaborar para que o ambiente, com os atores inseridos, formasse um todo, isto é, o filme. "A gente soube se colocar no lugar mesmo de pano de fundo. É uma postura que eu acho que esses departamentos devem ter, sem você perceber que é direção de arte, que é fotografia, mas ver como um filme", diz André Weller.

Essa humildade é rara, principalmente entre profissionais que estão começando sua carreira. Incuráveis é o primeiro longa metragem de ficção do diretor Gustavo Acioli, assim como de Lula Carvalho e de André Weller, que já se conheciam de outros trabalhos. Essa foi a primeira experiência dos dois com Acioli. Weller faz trabalhos em publicidade, televisão e eventos, como shows, e em cinema também, claro. "É um leque bem aberto", ele diz.

Filho de Walter Carvalho, um dos grandes nomes da fotografia no Brasil, Lula já havia realizado alguns curtas de ficção e um documentário, além de um longa documental, sempre no departamento de fotografia. Ele também já foi operador de câmera em alguns longas importantes na cinematografia nacional, como Veneno da Madrugada e Cidade de Deus.

O processo de planejamento e criação, na pré-produção, durou menos de dois meses. Das conversas preliminares, uma exigência foi definida. "A única idéia que o Gustavo deu diretamente quanto à fotografia foi que tudo fosse escuro", afirma Lula. A partir daí, ele começou seu processo de criação, com a premissa de que tudo seria pouco iluminado, e usando uma cor predominante na luz, o vermelho. Weller entrou no mesmo ritmo, procurando utilizar objetos que refletissem o pouco que havia de luz.


O alto contraste dá o tom do filme

Um filme de atores

Baseado na peça A Dama da Lapa, de Marcelo Pedreira, o filme se passa no quarto de uma prostituta, interpretada por Dira Paes. O ator Fernando Eiras interpreta um homem cheio de angústias, que conhece a prostituta em um bar. De lá eles partem para a casa da mulher, onde descobrem um ao outro, e a si mesmos. Ambos compartilham um sentimento de frustração, saudosismo e melancolia, um clima intensificado pela fotografia de Lula Carvalho, que, junto com as interpretações da dupla de atores, é o grande trunfo do filme.

Segundo André Weller, a equipe tomou como ponto de partida não ver aquele espaço simplesmente como o quarto da prostituta. "No meu entendimento, o espaço era uma espécie de ringue, onde os atores iam ficar duelando, num jogo de cena durante o filme inteiro. Então, o primeiro passo era não localizar esse espaço físico, ele ter uma forma um pouco atemporal, ele ficar cercado desse mistério, e que fosse, de fato, um espaço para os atores".

Assim, ele e Lula, além de conversarem com Acioli, procuraram manter um diálogo com os atores "para saber qual o entendimento deles quanto àqueles personagens", afinal, em muitos momentos eles estariam em quadro, mas seriam pouco visíveis, devido à pouca luz. "Isso para um ator requer uma maturidade muito grande, o que eles têm.", opina Weller.

Para ele, essa visão também é necessária para um diretor de arte. "Tem que entender que aquele objeto ali não vai aparecer sempre. Tem que ter uma pouco dessa paciência, (entender) que o seu trabalho vai aparecer, mas ele tem um tempo para isso. Eu fui segurando meu material, e ao longo do filme ele foi aparecendo". A gravação de forma cronológica facilitou esse processo, já que permitia que Lula, Weller e Acioli pudessem ver o espaço e os atores se descobrindo com o desenvolvimento da história, como acontece com um espectador.

Criando sensações com a ausência de luz

A idéia de mostrar o ambiente aos poucos se deve ao cenário principal, e quase total do filme, ser um quarto. "Se a gente entregasse logo de primeira, acabava um pouco com a graça. Então, o filme se divide em blocos, e a cada bloco tem uma revelação nova", conta Weller. Assim, no decorrer do filme outras partes do quarto vão sendo mostradas, aparecendo objetos distintos e, segundo Weller, "cada um deles monta uma história".

Com essa estratégia, um mesmo lugar se torna múltiplo. "Quando se está num filme de situação comum, há vários dias e lugares, o que vai complementando a história. No nosso caso, a gente precisava tentar transformar aquele quarto em vários lugares", explica Lula Carvalho. Ele completa: "Eu tinha medo de que fosse chato, que não tivesse novidade". Por isso, o quarto nunca é visto por inteiro, já que Lula procurou iluminar áreas específicas, mantendo todo o resto na escuridão.

Então, para quebrar a possível monotonia, o escuro servia como instrumento de ocultação. "Há sempre algo a ser revelado, que não está sendo dito. Não está sendo mostrado para que se queira descobrir, criando um envolvimento que faz com que se queira saber o que está dentro daquele escuro".

Dessa forma, a fotografia reflete a narrativa do filme, que não fica clara de início para quem o assiste. A narrativa não é linear, assim como o comportamento dos dois personagens. Eles vão se revelando, e a história também. "Eu vejo um pouco a vontade de ver o que está dentro do escuro como a vontade que se tem de entender o que vai acontecer com aquela história e com aquelas figuras", opina Lula.

Essa expectativa por parte do público, e seu conseqüente incentivo à imaginação, pode ser comparado ao ato de ler. O livro, apesar de conter mais informações do que um filme, deixa o leitor livre para imaginar, já que as ações e acontecimentos não são óbvios, mas apenas indicações. Para Lula, "a tendência é se gostar mais do livro, porque você imagina com ele. Então, o poder de imaginar é o maior de todos, mais do que o de ver".



Da esquerda para a direita: o microfonista
Bruno Armelin e atriz Dira Paes, atrás, em pé;
Pablo Baião, 1º assistente de direção, e Lula Carvalho,
diretor de fotografia e câmera, sentados



Inovando na revelação do filme

O segredo da escuridão está no tratamento especial sofrido pelo filme para lidar com o excesso de escuro. Durante a revelação, realizada na Labocine, Lula não fez uma das etapas, pulando um dos banhos de revelação do negativo, processo chamado de bleach by pass. "Eu pulei o branqueador, fiz 100% no bleach no negativo", ele explica.

Como resultado, o contraste ficou em um nível alto, reduzindo a latitude e o limite entre claro e escuro. Lula conta que dessa maneira "o que é branco, logo estoura, e o que é preto, fica muito preto. Então trabalhar assim é muito arriscado, porque sua margem de erro fica mínima, não tem muito como errar".

Lula trabalhou o filme de maneira totalmente ótica, não recorrendo ao telecine para a realização do preto de maneira artificial. "Ele foi um preto feito com o ajuste de luz, com o fotômetro, misturado com essa revelação diferenciada". O sucesso desse trabalho arriscado ele faz questão de dividir com Fábio Souza e Carlos Bequet, respectivamente marcador de luz e técnico de laboratório da Labocine. "Eles fizeram um trabalho maravilhoso. Ficou muito bonito o resultado".

O alto contraste também interferiu no trabalho de Weller, que precisou se preocupar com os tipos de materiais utilizados no set. "Como eu sabia que ia ser um filme de baixa exposição, que os objetos não iam estar muito expostos, eu escolhi usar muito brilho, muito vidro, muito espelho, todos objetos para justamente refletirem o pouco de luz que havia".

Outra necessidade, para Weller, foi ter em mãos uma grande quantidade de objetos no estúdio, "para poder trocá-los de enquadramento, e poderem aparecer mais". A escolha das cores em cena também foi pensada de acordo com a luz e o processo de revelação. "Como tudo que fosse iluminado ia rebater muita luz, eu optei por cores mais fechadas, para não estourar e trazer saturação. Para que fosse iluminado, tinha que ter cor, tinha que ser presente". Isso valeu para vestido utilizado por Dira Paes, as paredes e a colcha da cama, até os móveis do quarto.



Luzes pontuais iluminam o quarto da personagem de Dira Paes


Luzes bem colocadas

Em contraponto com o clima tenso de mistério, há a sensação de aconchego proporcionada pela coloração da luz, em tons avermelhados, de luzes de abajur e semelhantes. O quarto da mulher não é somente o local onde ela recebe seus clientes, mas também sua casa. Assim, o ambiente conta com um ar quase familiar. "Mal ou bem aquele lugar é a casa daquela mulher, então é um ambiente do conchego dela. E o quente sempre ajuda essa conotação", explica Lula.

Já Weller trabalhou bastante com a palheta do verde nas paredes e na maioria dos objetos no quarto. "É um método proposital. Tudo atrai, causa uma certa estranheza no lugar. E o verde é um pouco lírico, tira um pouco do real". Oura cor marcante é a do vestido de Dira. "Eu sugeri que no figurino ela usasse o azul, porque é uma cor que foge dessas palhetas".

O grande contraste em relação à luz quente é a luz azulada vinda da janela, da noite. Segundo Lula, uma luz "completamente cinematográfica, que não existe na realidade". Esses dois tipos de luz geram um conflito que, "esbarrando nos escuros, estabelece coisas a serem reveladas". Tal luz da noite foi realizada com um refletor fresnel com gelatina azul.

Iluminando aquele quarto escuro há luzes pontuais, aparentemente de fontes comuns de uma casa, como uma lâmpada de uma luminária, ou um abajur. "Isso aí é técnica de fotografia. No abajur tem um refletor fresnel enganando, com uma gelatina para dar aquela cor quente", conta Lula.

Truque semelhante é o que o fotógrafo fez nas cenas no interior do bar. O ambiente é iluminado por luminárias vermelhas, no estilo japonês, que Lula diz servir mais como objetos de cenografia do que de iluminação. "Mas foi feito para parecer que ilumina", ele diz. Weller completa: "A luminária não iluminava nada, mas criava uma profundidade que nunca mais vai ser vista no quarto." Desenhadas por Weller, elas consistem em uma armação de metal pintada, "para rebater tudo branco", revestida por um tecido de algodão vermelho, e uma lâmpada dimmerizada de 60 watts de potência.




Revelar apenas partes da cena,
mantendo o mistério e chegando quase
ao breu absoluto foi uma premissa do filme





Dificuldades que levaram à criatividade

"O bar a gente já encontrou mais ou menos pronto, e ele já tinha a predominância do vermelho", afirma Weller sobre a locação, que também deveria ser um espaço misterioso, logo, pouco iluminado. Mas havia também uma questão prática: o bar escolhido, Rio Scenarium, no Rio de Janeiro, além de ter um grande salão, é bastante conhecido entre os cariocas. "Como é um filme de baixo orçamento, a gente não tinha como iluminar o salão todo, e até se iluminasse, não ia ter figuração para ele todo", conta.

Weller queria que o quarto fizesse um contraponto com o bar. "Ele é arejado, tem objetos, mas não é entulhado. Já o quarto não é muito generoso de espaço, e é repleto de objetos". Para rechear o ambiente com pouca verba, ele percorreu diversos brechós e feiras no Rio. "Todos os objetos são usados. Eu fiquei durante quase um mês coletando".

Mas, segundo ele, a iniciativa também se deve a uma decisão artística, já que os objetos tinham que estar inseridos na história. Assim, até mesmo portas e janelas eram de reaproveitamento. Ele se preocupou com cada detalhe do espaço, já que, "quando o objeto aparece, ele aparece muito, e tem que estar, então, dentro da história". A idéia era "dar mais riqueza aos personagens".

O parque de luz de Lula Carvalho era pequeno e simples, variando em fresnéis de 125 watts a 2000 watts da Dedolight. A câmera utilizada foi uma BL Revolution, concedida pelo fotógrafo paulista Jacó, e o próprio Lula fez sua operação. Na equipe de câmera ele contou com dois assistentes e um video assist, na equipe de maquinaria com duas pessoas, e na equipe de elétrica com três pessoas.

A equipe de André Weller era ainda mais reduzida. Além dele, na direção de arte, havia um produtor de arte, uma produtora de objeto, e um estagiário. Foi Weller que assumiu também a função de cenógrafo do filme. "Eu desenhei as peças, fiz as maquetes, levei-as para a decupagem com o Gustavo e o Lula, e a partir disso levei para um cenotécnico". Apesar do trabalho concentrado, Weller diz que não teve problemas: "A gente teve um tempo generoso de preparação, um pouco mais de um mês".

Dentro do laboratório

Adotar o processo do blech by pass durante a revelação do filme não foi uma decisão feita dentro do laboratório. O diretor de fotografia Lula Carvalho optou por essa escolha ainda na pré-produção do filme, criando todo seu projeto de fotografia em cima disso, assim como o diretor de arte André Weller. Isso porque tal processo de revelação altera a percepção das cores, pois eleva o contraste, sendo necessário pensar antes das filmagens como as cenas seriam iluminadas, e quais cores seriam utilizadas, tanto em luz quanto em cenário e figurino.

Para saber como o filme precisaria ser filmado, foi necessário realizar testes, que duraram cerca de uma semana.  Lula fotografava algumas cenas nos locais de locação e mandava o material para ser revelado por Fabio Souza, da Labocine, onde também foi feita a revelação do filme final. A partir disso, Lula via os resultados e quando não lhe agradava, buscava fazer mudanças na iluminação. A cenografia também estava em teste, e Lula procurava utilizar algumas peças de Weller, para verificar como as cores iriam reagir.

Quando o filme é enviado para revelação em laboratório, a primeira etapa é a eliminação da capa protetora da película. Depois da revelação, ocorre a fixação da imagem, e logo após há a eliminação da prata do negativo. Com o processo blech by pass esta etapa que não é realizada, mantendo-a no negativo. Assim, além de maior contraste, a imagem fica com mais grãos, o que, segundo Fabio, "cria um look bem característico desse tipo de revelação".

Fabio explica que para a eliminação da prata é utilizada uma substância química especial chamada blech, e pode-se variar a porcentagem do blech no processo. "Você pode fazer blech de 50%, de 30%, mas no caso do Incuráveis foi total, 100% no blech". Apesar de arriscado, pela exacerbação do preto e do branco, o processo é reversível. "Você pode revelar novamente seu negativo, passando pelo blech, e ter uma revelação normal". Mas no caso de Incuráveis, o risco era ainda mais alto. "Nós utilizamos o negativo original, não foi uma cópia. Mas ele (Lula) estava muito seguro, e nós também".

"Foi muito corajoso da parte do Lula optar por esse processo, porque o filme é praticamente todo noturno, e a permanência da prata força o preto a ser mais opaco, a textura ser mais granulada", diz Fabio. Além disso, algumas cores aparecem no filme final com um aspecto mais brilhante, metalizadas, outras mais pastéis, opacas, e algumas mais agressivas. Fabio lembra que com o blech by pass é preciso ter um cuidado especial com a pele, pois "esse tipo de processo tende a dramatizar muito a fotografia".

Outra peculiaridade do filme foi quanto ao tempo de trabalho no laboratório. Fabio diz que geralmente leva dois dias inteiros para fazer a primeira marcação de luz de um longa metragem, com montagem cena a cena, mas em Incuráveis ele levou apenas um dia, e não completo. Além disso, o filme foi aprovado já na primeira marcação, precisando realizar apenas alguns ajustes químicos em poucas cenas. Geralmente é necessário realizar mais duas marcações de luz para aprovação final.

A rapidez se deve aos testes realizados anteriormente e, claro, ao trabalho de Lula na fotografia. "Ele foi muito cuidadoso na hora de fotografar. Ele me contou que chegou a demorar duas, três horas iluminando, até fazer a cena. Então ele realmente pintou, foi minucioso. O tempo que ele demorou lá, na fotografia, adiantou muito o trabalho no laboratório, fora a qualidade do trabalho dele, que me impressionou".
 
Apesar de demandar muito trabalho para o diretor de fotografia, o processo de blech by pass é bastante utilizado no cinema, em diferentes porcentagens. "Eu não tenho uma tabela comigo, mas se usa bastante. O pessoal de faculdade usa muito, eles estão dominando muito bem esse processo", afirma Fabio.

Mais informações em www.labocine.com.br

__________
Incuráveis tem pré-estréia de 6 de novembro, em São Paulo, e 7 no Rio de Janeiro. A estréia será dia 10 nas duas cidades. Para saber mais sobre o filme visite o site www.lavoroproducoes.com.br
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