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domingo, 1 de junho de 2008
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Lugar da verdade |
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A era dos mestres
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por Enrico de Paoli
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Tem algo estranho acontecendo. Com apenas 35 anos, às vezes me sinto velho em achar que as coisas não andam tão interessantes. Me lembro dos meus pais (e avós!) dizendo "na minha época era diferente.". Outro dia estava ouvindo uma música que estaria na minha lista se eu tivesse que escolher dez músicas para ouvir até o final da vida: I cannot believe it's true, do Phil Collins. Como eles fizeram aquilo? Pra mim, não tem um defeito. Não tem Auto-tune. Não tem Pro Tools. Não tem SoundReplacer. Não tem Reason, Rewire... Enfim, não tem nenhum plug-in. E tá afinado, tá no tempo, tá magnífico.. O que vem depois de magnífico? (Incrível vai soar como propaganda!) A música tem dinâmica, nada briga com nada, tem um agogô (ou seria uma garrafinha?) que toca exatamente o mesmo pattern do início ao fim e em momento nenhum perturba, pelo contrário. E os metais... Pois é, cadê essa gente?
Outra música que me faz bem, September, do Earth, Wind & Fire. Não apenas soa linda, como todo o resto também é fenomenal. Quem gravava e mixava o EW&F era um engenheiro chamado George Massenburg. Pra quem nunca ouviu falar dele, gravar, mixar, e produzir não bastam pra esse cara. Ele fabrica seus próprios pré-amps, compressores e EQs. Criou a marca GML (George Massenburg Labs) e seu laboratório principal foi um estúdio em Los Angeles chamado The Complex, onde já tive a honra inesquecível de gravar e mixar, usando uma de suas raras mesas. September não tem loops, efeitos mirabolantes ou manobras radicais de edições no Pro Tools. Em 1978 só se gravava em fita.
No Brasil, apesar de termos tido uma época de hiato na qualidade sonora, tivemos engenheiros que, além de músicos, e longa experiência em uma das maiores redes de televisão do mundo, hoje fazem projetos acústicos para espaços especiais, entre outras grandes especialidades no nosso meio, inclusive esta que vocês estão agora segurando e lendo. Parabéns Mr. do Valle.
Parece realmente que todas as áreas do mundo hoje estão divididas em duas: os retrôs, e os descartáveis. Ou é feito em massa na China, por fabricantes que têm sim o dom, mas o dom da duplicação, ou é raro, caro, e feito artesanalmente em cima de um projeto ou design criado na época de ouro.
O que é mais caro, mais desejado, mais cool? Um Behringer ou um Neve réplica? Fiz shows do Djavan por dez anos, e nem precisava disso pra ser um fã dele. Em que momento do show a platéia vinha abaixo? Em Sina ou na música do último CD? O Iron Maiden está no meio de uma tour tocando praticamente as músicas clássicas. O tênis All Star voltou. E o Toddynho já tentou nova embalagem, mas acabou tendo que manter o clássico. Por fim, qualquer barzinho moderno tem decoração antiga e na porta quase sempre lê-se algo como "Desde 1997".
Estamos numa época em que se criam mais ferramentas incríveis e menos o que fabricar. Ensina-se a gravar mais do que se grava, e a nova geração, que nunca ouviu falar do grupo Imagination ou de Marvin Gaye, ouve os remixes de Just an illusion e de Sexual healing achando que são músicas novas.
Sou feliz por estar vivendo este hiato, por ter acompanhado a existência de tantos mestres que formaram meus critérios e meus sonhos (e ter conhecido alguns) e por saber que só pode ter algo muito bom por vir.
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Enrico De Paoli mixa e masteriza em seu Incrível Mundo Studio. Gravação in-loco disponível sob consulta. Trabalhos recentes incluem Djavan, Max Viana, Glaucia Nasser e PC Castilho. Cartas para cartas@enricodepaoli.com.
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SOBRE O AUTOR |
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Enrico De Paoli é engenheiro de gravação e mixagem ou sound designer. Agora com seu INCRIVEL MUNDO das MIXAGENS, recebe projetos de todo o país para serem mixados, de forma que o cliente fica online
Para entrar em contato, escreva para cartas@enricodepaoli.com.
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